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O Reconhecimento Jurídico do Afeto e a Filiação Socioafetiva Post Mortem
O Direito das Famílias no Brasil tem acompanhado a evolução das relações sociais, consolidando a importância do afeto como elemento central na formação de vínculos familiares. Um caso que ilustra essa transformação é o de A. S. C., uma mulher criada desde bebê por sua avó materna P.O.S. Apesar de uma convivência que sempre refletiu um vínculo materno-filial, A. S. C precisou recorrer ao Poder Judiciário após o falecimento de P.O.S para ter reconhecimento do que já era evidente em sua vida: a maternidade socioafetiva.
A decisão proferida pelo juiz Gustavo Schwingel, da 1ª Vara de Família da Comarca de Joinville/SC, é um marco no fortalecimento da socioafetividade como fundamento jurídico, destacando que o amor e o cuidado podem prevalecer sobre a biologia.
O caso teve como principais fundamentos a Posse do Estado de Filha, consubstanciados no Trato: o tratamento recíproco de mãe e filha evidenciado em fotos, áudios e testemunhos; e a Fama (reputação): como a sociedade reconhecia A. S. C como filha de P.O.S, comprovado pelos depoimentos de vizinhos e familiares.
Dignidade da Pessoa Humana e igualdade entre os filhos também foram argumentos utilizados junto ao reconhecimento do “Afeto” como um dos principais pilares do Direito das Famílias.
Após um processo robusto, com depoimentos, documentos e provas apresentadas, o magistrado reconheceu A. S. C como filha socioafetiva, destacando em sua decisão que a verdade afetiva deve prevalecer sobre a biológica e negar o reconhecimento seria injusto e atentaria contra a dignidade da Autora.
A decisão assegura a inclusão da então avó materna na certidão de nascimento de A. S. C como mãe socioafetiva, garantindo-lhe os mesmos direitos dos filhos biológicos, inclusive de ordem sucessória.
A decisão de Joinville não representa apenas uma vitória para A. S. C, mas também um avanço significativo no fortalecimento da socioafetividade como fundamento jurídico.
O caso se soma a precedentes recentes, como a decisão da Terceira Turma do STJ, que identificou a possibilidade de filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade. No julgamento, a ministra Nancy Andrighi destacou que que a legislação brasileira não impede esse tipo de reconhecimento, mesmo que o neto tenha em seu registro civil o nome da mãe ou pai biológico uma vez que a socioafetividade não se confunde com a adoção e pode coexistir com vínculos biológicos, respeitando o princípio da multiparentalidade.
Esses avanços refletem uma postura mais sensível do Judiciário em relação às novas configurações familiares, onde o amor e o cuidado são os verdadeiros critérios para definir a parentalidade. Mais do que garantir direitos patrimoniais, decisões como a do processo de A. S. C, confirmam e valorizam histórias de vida construídas com amor, cuidado e dedicação.
Autos n. 50461620520238240038;
Juízo: 1ª Vara de Família da comarca de Joinville, Santa Catarina;
Juiz: Gustavo Schwingel;
Advogada da Autora: Andressa Talon - OAB/SC 40.499.
Andressa Talon
Advogada especialista em família e sucessões e professora universitária
Membro da comissão de Sucessões do IBDFAM Santa Catarina
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