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A Síndrome da Alienação Parental e a Síndrome da Mulher Espancada: pontos de conexão
Bruna Barbieri Waquim
Doutora e Mestre em Direito. Assessora jurídica no TJMA. Educadora parental. Vice-Presidente do IBDFAM/MA. IG @profabrunabarbieriwaquim
A “Battered Woman Syndrome” (BWS), ou Sindrome da Mulher Espancada/Agredida, é um termo cunhado pela psicóloga Lenore Walker para descrever os efeitos psicológicos de conviver com a violência do parceiro íntimo.
Em 1979, Lenore Walker escreveu o livro “The Battered Woman”, onde descreve o ciclo de abuso para explicar os padrões de comportamento em um relacionamento abusivo: a fase do aumento da tensão; a fase do ato de violência; a fase do arrependimento (“lua de mel”).
Embora não seja reconhecida por nenhuma edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, a Síndrome da Mulher Espancada tem sido oferecida como defesa nos tribunais criminais dos EUA há várias décadas. Historicamente levantado em casos de legítima defesa, o BWS também tem sido utilizado em defesas criminais envolvendo coação, bem como por promotores para explicar retratações de testemunhas. A jurisprudência sugere que o testemunho de peritos sobre BWS é frequentemente admissível em jurisdições nos Estados Unidos, mas a sua utilização em defesas criminais tem recebido respostas mistas de vários tribunais (Jessica R. Holliday, Dale E. McNiel, Nathaniel P. Morris, David L. Faigman and Renée L. Binder Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law Online June 2022, JAAPL.210105-21).
Autores apontam que, apesar da pesquisa limitada para apoiar sua validade e confiabilidade, a Síndrome da Mulher Espancada foi rapidamente adotada para uso como defesa em contextos criminais nos Estados Unidos e outros países, incluindo Canadá e Estados Unidos Reino. Desde então, vários estudiosos levantaram questões sobre o uso legal do BWS e esta síndrome não foi reconhecida como uma condição psiquiátrica por qualquer edição do Diagnostic and Statistical Manual de Transtornos Mentais (DSM). Alternativamente, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foi reconhecido pelo DSM, e este diagnóstico também é comumente levantado em crimes criminais dos EUA. Devido às semelhanças nos sintomas, alguns estudiosos agora argumentam que a Síndrome da Mulher Espancada representa uma forma ou subconjunto de TEPT (Holliday JR, McNiel DE, Morris NP, Faigman DL, Binder RL. The Use of Battered Woman Syndrome in U.S. Criminal Courts. J Am Acad Psychiatry Law. 2022 Sep;50(3):373-380. Doi: 10.29158/JAAPL.210105-21).
Qualquer semelhança com a Síndrome da Alienação Parental não é mera coincidência.
Tanto a Síndrome da Mulher Espancada (Lenore Walker) quanto a Síndrome da Alienação Parental (Richard Gardner) foram criadas a partir da observação de casos concretos que demonstravam a ocorrência de consequências psicológicas em razão de uma situação de violência: a Violência por Parceiro Íntimo (Síndrome da Mulher Espancada) e a violência psicológica contra crianças e adolescentes (Síndrome da Alienação Parental).
Tanto a Síndrome da Mulher Espancada (Lenore Walker) quanto a Síndrome da Alienação Parental (Richard Gardner) não foram reconhecidas como diagnósticos de doenças mentais, mas retiram da invisibilidade o nexo de causalidade dos sintomas que decorrem das situações de violência sobre as quais se baseiam, tornando-se conceitos usados em sede de processos judiciais.
Tanto a Síndrome da Mulher Espancada (Lenore Walker) quanto a Síndrome da Alienação Parental (Richard Gardner) tiveram seus conceitos tornados jurídicos e objetivos para reforçar a existência de situação de violência contra os vulneráveis por elas identificados, despertando para a necessidade de atuação célere e protetiva.
Tanto a Síndrome da Mulher Espancada (Lenore Walker) quanto a Síndrome da Alienação Parental (Richard Gardner) continuam a ser criticados pela falta de cientificidade inicial de seus autores, mas é inegável que estudos posteriores confirmam a existência da situação de violência por eles descrita, da produção de danos em virtude dessas circunstâncias violentas e da necessidade de proteção das pessoas submetidas a essas circunstâncias.
Na grande maioria dos trabalhos sobre violência doméstica contra a mulher, em relação a parceiros íntimos, o Ciclo de Espiral Ascendente de Violência doméstica e familiar contra a mulher, originariamente proposto por Lenore Walker, é citado. Hoje, não há dúvidas de que a mulher vítima de violência doméstica por parceiro íntimo pode se encontrar inserida nesse ciclo de violência, mesmo que não haja o diagnóstico de uma Síndrome da Mulher Espancada, como inicialmente descrito pela autora.
Da mesma forma, na grande maioria dos trabalhos sobre alienação parental contra uma criança e um adolescente, os trabalhos iniciais de Richard Gardner foram citados, pelo protagonismo na identificação desse fenômeno. O que Gardner denominou originalmente de Síndrome, porém, é hoje enxergado como Comportamentos Parentais Alienadores, estando documentado ao longo do mundo a produção de consequências psicológicas nas crianças e adolescentes submetidas a essa constelação de comportamentos.
A condição conhecida como “Síndrome da mulher espancada” não é uma doença mental, mas representa o resultado do que acontece quando a mulher convive dia após dia com traumas (Cohen, Marisa. What Is Battered Woman Syndrome? https://www.webmd.com/mental-health/features/battered-woman-syndrome).
A condição conhecida como “Síndrome da alienação parental”, por analogia, não é uma doença mental, mas representa o resultado do que acontece quando uma criança ou adolescente convive dia após dia com comportamentos manipuladores dos seus cuidadores.
Assim como conhecimento científico vai se aperfeiçoando com o tempo e a produção de novas pesquisas que observam os fenômenos, as Síndromes da Mulher Espancada e da Alienação Parental hoje possuem outra compreensão, outro recorte epistemológico, pois os estudos que foram sendo produzidos conduziram a uma nova forma de enxergar esses fenômenos.
A grande dúvida que permanece é: por que se admite no Brasil a teorização sobre o Ciclo de Espiral Ascendente de Violência doméstica e familiar, ainda que a Síndrome da Mulher Espancada não tenha sido reconhecida como diagnóstico pelo DSM, mas não se quer admitir a teorização sobre os Comportamentos Parentais Alienadores, ainda que a Síndrome de Alienação Parental não tenha sido reconhecida como diagnóstico pelo DSM?
Nesse jogo de polarizações de gênero que cerca o tema da Alienação Parental, quem continua desprotegida é a infância!
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