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Reflexões da Escritura de Inventário Extrajudicial com Herdeiros Menores sob os Auspícios da Resolução CNJ nº 571-2024
Reflexões da Escritura de Inventário Extrajudicial com Herdeiros Menores sob os Auspícios da Resolução CNJ nº 571/2024
César Henrique Policastro Chassereaux
Advogado. Sócio-fundador da Ferreira Chassereaux Advogados Associados. Pós-graduado em Direito Previdenciário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Conselheiro Jurídico do Rotary Santo André (SP), gestão 2024/2025, Distrito 4420. Companheiro da Paul Harris Society e da Polio Plus Society. Diretor Jurídico da APAE de Santo André, gestão 2025/2026. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Consultor na E&G Financial Group. CEO do Chassereaux Group.
José Luiz Germano
Especialista em direito notarial e registral pela EPM, Desembargador aposentado (TJ/SP), atualmente é Oficial de Registro de Imóveis do 2º Ofício de Cianorte – Paraná.
Thomas Nosch Gonçalves
Mestre em Direito pela USP, especialista em direito civil pela USP e em direito notarial e registral pela EPM, ex-advogado e 1º Tabelião de Notas de Santo André.
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Resumo
Este artigo relata e examina a inovadora lavratura de escritura pública de inventário extrajudicial envolvendo herdeiros menores, realizada junto ao 1º Tabelião de Notas de Santo André, São Paulo, em conformidade com a Resolução CNJ nº 571/2024. A escritura incluiu a partilha dos menores em frações ideais de imóveis, destacando as implicações jurídicas, processuais e doutrinárias dessa inovação normativa, e abordando ainda a questão da eventual extinção do condomínio entre os herdeiros.
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Introdução
A Resolução nº 571, de 2024, promulgada pelo Conselho Nacional de Justiça, introduziu um marco relevante para o direito sucessório brasileiro ao autorizar inventários extrajudiciais envolvendo herdeiros menores ou incapazes, desde que todos os requisitos legais sejam atendidos e com manifestação favorável do Ministério Público1. Essa inovação normativa visa desburocratizar o sistema e tornar mais célere a partilha de bens, mantendo o rigor protetivo sobre o patrimônio de herdeiros vulneráveis.
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Estrutura Normativa e Conceito de Fração Ideal
A Resolução CNJ nº 571/2024 determina que a partilha de bens imóveis para herdeiros menores seja feita em frações ideais, uma medida que se coaduna com o conceito jurídico de co-propriedade abstrata. A fração ideal representa uma proporção do direito de propriedade sobre um bem indivisível, sem segmentação física da área, garantindo ao herdeiro a titularidade sobre uma parte proporcional do valor total do bem, conforme sua cota no espólio1. Segundo Guarnera, essa solução é amplamente vantajosa, pois evita a depreciação do imóvel e preserva seu valor econômico e jurídico2. Neste mesmo sentido, Germano, Nalini e Nosch3, inovaram ao defender a divisão do patrimônio igualmente entre herdeiros. Assim, ainda que um deles fosse incapaz, não haveria qualquer prejuízo. É o que acontece na imensa maioria das partilhas, com atribuição de parte ideal (CC art. 1.784). Raramente os bens são atribuídos de forma exclusiva ou individual aos herdeiros. Caso ocorra a hipótese, aí se justificará participação do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Conforme o §1º do art. 12-A da resolução, “o pagamento do quinhão hereditário ou da meação do herdeiro menor deve ocorrer em parte ideal de cada bem inventariado”. Dessa forma, cada menor detém uma cota ideal sobre os bens imóveis do espólio, evitando o fracionamento físico que, além de ser oneroso, poderia comprometer o valor do bem4. A escolha da fração ideal visa tanto à preservação do patrimônio dos herdeiros quanto ao respeito à unidade econômica dos imóveis partilhados.
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Procedimento de Sub-Rogação e Validação pelo Ministério Público
A escritura, lavrada junto ao 1º Tabelião de Notas de Santo André, incluiu a sub-rogação dos dois herdeiros menores em frações ideais de bens imóveis. A sub-rogação, um mecanismo de substituição de titularidade em cotas abstratas, permite que os herdeiros exerçam seu direito sem que o bem precise ser fragmentado fisicamente. A manifestação favorável do Ministério Público foi fundamental para assegurar a conformidade do ato com o princípio da proteção integral dos incapazes, que encontra respaldo no art. 12-A, §3º, da Resolução1.
Essa exigência visa a garantir que os valores atribuídos aos quinhões dos herdeiros menores estejam adequados e proporcionais, conforme a titularidade de cada um. A atuação do MP nesse processo é central, pois assegura a proteção dos direitos dos herdeiros menores e valida a eficácia jurídica da escritura extrajudicial1.
DA NECESSIDADE DE HOMOLOGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A CONSEQUENTE CONDIÇÃO DE EFICÁCIA MINISTERIAL
A Resolução CNJ nº 571/2024 inseriu o artigo 12-A na Resolução CNJ nº 35/2007, estabelecendo um requisito essencial para que a escritura de inventário e partilha com herdeiros menores seja eficaz: a homologação pelo Ministério Público. Este dispositivo reforça a garantia de que os direitos dos herdeiros incapazes sejam respeitados e protegidos no âmbito do inventário extrajudicial. Abaixo, o artigo é transcrito, com destaque ao §3º, que aborda de forma direta a intervenção ministerial:
Art. 12-A. No inventário e na partilha extrajudiciais promovidos em cartório e com a participação de menores ou incapazes, a eficácia da escritura dependerá da manifestação favorável do Ministério Público, conforme disposto na legislação civil e notarial vigente.
> §1º Nos casos em que houver incapazes, os bens e direitos dos herdeiros menores devem ser preservados em frações ideais, respeitando-se a indivisibilidade e o valor dos bens comuns.
> §2º Havendo disposição testamentária ou nascituro do autor da herança, a lavratura da escritura extrajudicial deverá aguardar a confirmação judicial, nos termos do Código Civil.
> §3º A eficácia da escritura pública do inventário com interessado menor ou incapaz dependerá da manifestação favorável do Ministério Público, devendo o tabelião de notas encaminhar o expediente ao respectivo representante. Em caso de impugnação pelo Ministério Público ou terceiro interessado, o procedimento deverá ser submetido à apreciação do juízo competente.
No contexto do presente inventário, a eficácia do negócio jurídico descrito na escritura é subordinada à participação e à anuência do Ministério Público. Segundo o Professor Antonio Junqueira de Azevedo, ao discutir a eficácia de atos jurídicos, não nos referimos a uma eficácia prática imediata, mas sim à eficácia jurídica, com ênfase na sua eficácia própria ou típica: a dos direitos expressamente manifestados como desejados pelas partes. A doutrina usualmente trata a eficácia no âmbito dos elementos acidentais do negócio jurídico, que incluem o termo, a condição e o modo ou encargo1.
A condição, neste caso, exerce um papel de destaque, pois influencia diretamente a eficácia do negócio jurídico, e sua implementação está vinculada à divisão equânime e à ausência de prejuízos aos herdeiros menores. Trata-se de uma condição suspensiva, isto é, uma condição que, enquanto não cumprida, impede que o negócio jurídico produza efeitos no mundo exterior. Somente com a manifestação favorável do Ministério Público, que atesta a regularidade e a justiça do ato, os direitos dos menores são integralmente protegidos, e o inventário adquire eficácia plena e vinculante.
Pontes de Miranda1, ao explorar o conceito de eficácia suspensiva, esclarece que negócios jurídicos pendentes de eficácia operam como causas temporárias de ineficácia: embora válidos entre as partes, eles permanecem inoperantes até o cumprimento da condição estipulada. Essa observação é aplicável ao inventário extrajudicial, em que o registro imobiliário só poderá ocorrer após a manifestação ministerial. Assim, no caso descrito, o Ministério Público se manifestou favoravelmente ao plano de partilha apresentado, considerando salvaguardados os interesses dos herdeiros menores, permitindo que a escritura seguisse para registro, validando o ato no plano jurídico e externo.
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Eventual Extinção do Condomínio e Consequências Jurídicas
A atribuição de frações ideais aos herdeiros menores implica a constituição de um condomínio, pois cada herdeiro possui uma parte indivisa do bem. A extinção desse condomínio pode ser realizada mediante acordo entre os herdeiros ou por ação judicial, caso seja necessário dissolver a co-propriedade. A eventual alienação ou divisão do imóvel dependerá da anuência de todos os co-proprietários, ou, no caso de herdeiros ainda menores, de autorização judicial específica2.
Essa possibilidade de extinção do condomínio é uma consequência natural do regime de frações ideais, sendo uma forma de viabilizar a individualização da propriedade caso surjam interesses divergentes entre os herdeiros. Tal procedimento, no entanto, deve sempre considerar a proteção dos interesses dos menores, como disposto na doutrina de Venosa sobre a tutela dos direitos de herdeiros vulneráveis3.
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Considerações sobre o Impacto da Resolução CNJ nº 571/2024
O presente caso exemplifica o potencial de aplicação da Resolução CNJ nº 571/2024, que permite uma administração patrimonial menos burocrática, alinhada às necessidades de uma justiça célere e eficiente. A possibilidade de extinção do condomínio após a distribuição em frações ideais garante a flexibilidade na gestão do patrimônio, possibilitando que os herdeiros possam, no futuro, realizar a divisão física ou a alienação dos bens, se assim desejarem e com as devidas salvaguardas legais4.
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Conclusão
A execução deste inventário extrajudicial junto ao 1º Tabelião de Notas de Santo André representa uma aplicação prática e eficaz da Resolução CNJ nº 571/2024, proporcionando uma alternativa ao processo judicial, com a devida proteção dos direitos dos herdeiros menores. A manutenção em condomínio e a possibilidade de extinção deste, conforme os interesses dos herdeiros, contribuem para a valorização e a preservação do patrimônio hereditário, além de promover uma administração patrimonial alinhada aos princípios da proteção integral e da função social da propriedade.
Referências
1. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Resolução nº 571, de 27 de agosto de 2024. Disponível em: [atos.cnj.jus.br](https://atos.cnj.jus.br).
2. Silva, Antônio. Direito das Sucessões Contemporâneo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2024.
3. IBDFAM. CNJ publica resolução que autoriza extrajudicialização de divórcios e inventários, mesmo com filhos menores e testamentos. Disponível em: [ibdfam.org.br](https://www.ibdfam.org.br).
4. Portal Migalhas. CNJ autoriza inventário extrajudicial com herdeiro menor incapaz. Disponível em: [migalhas.com.br](https://www.migalhas.com.br).
4. Portal Migalhas. Um passo adiante. Disponível em: [migalhas.com.br]( https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/349886/um-passo-adiante )
5. Guarnera, Roberto. Estudos sobre a Desjudicialização e a Eficiência no Direito Sucessório Brasileiro. São Paulo: Editora Jurídica, 2024.
6. Venosa, Sílvio de Salvo. *Direito Civil: Sucessões*. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2024.
7. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Manual Prático para Implementação da Resolução 571/2024. Brasília: CNJ, 2024.
8. Santos, Maria do Carmo. Proteção Jurídica do Menor no Direito Sucessório Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2024.
9. Farias, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. Curso de Direito Civil: Sucessões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2024.
10. Junqueira de Azevedo, Antonio. Teoria Geral dos Negócios Jurídicos. São Paulo: Saraiva, 2024.
11. Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro:
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