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Do direito fundamental à prova
Rochele da Silva Madruga
Advogada. Formada pela Universidade Federal de Pelotas. Pós graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Anhanguera. Pós graduada em Direito de Família e Sucessões pela Escola Damásio de Jesus. Inscrita na OAB/RS sob o n.º 55.825, com endereço eletrônico rochelemadruga.adv@gmail.com
A maneira como a prova lida com a busca pela verdade, atua diretamente no desenvolvimento de um processo justo e na capacidade de influenciar e formar o convencimento do magistrado, através da real possibilidade das partes exporem suas razões ao juiz, bem como entre elas mesmas, o que, consequentemente, traz legitimidade à atividade jurisdicional, cumprindo ainda o papel de justificar a nossa sociedade a decisão tomada.
A IMPORTÂNCIA DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DE DIREITO
Os direitos e garantias fundamentais constituem, juntamente com o Princípio da Legalidade e da Separação de Poderes, a estrutura basilar do Estado Democrático de Direito.
Segundo o doutrinador e professor José Afonso da Silva, em sua conceituação, direitos e garantias fundamentais “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”.
Ditos direitos possuem características próprias, tais como: a inalienabilidade, que se determina pela impossibilidade de transferência de direitos fundamentais, a qualquer título ou forma, ainda que de maneira gratuita; a irrenunciabilidade, que não possibilita ao seu titular abrir mão da existência desses direitos; a imprescritibilidade, que torna os direitos e garantias imortais, mesmo com o decurso do tempo, a relatividade ou limitatividade, que determina não haver hipótese nenhuma de direito absoluto, uma vez que todos podem ser considerados com os demais e, por último, a universalidade, uma vez que são reconhecidos de forma mundial.
Para complementar a importância dos direitos e garantias fundamentais, podemos afirmar que estes, em cada momento histórico, tornaram concretas as exigências da igualdade, liberdade e dignidade entre os seres humanos, sendo núcleos invioláveis de uma sociedade que luta para que os mesmos sejam respeitados e considerados.
O CONCEITO DE PROVA
O conceito de prova não possui apenas um único significado, mas vários sentidos, tanto no que se refere à linguagem popular, quanto ao que se refere ao uso técnico da mesma, e nesse sentido, enquadram-se os juristas.
Segundo o autor Plácido e Silva, em sua obra Vocabulário Jurídico. 32.ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2016, “Do latim proba (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entender-se, assim, no sentido jurídico, a demonstração, que se faz, pelos meios legais, da existência ou veracidade de um ato material ou de um ato jurídico, em virtude da qual se conclui por sua existência ou se firma a certeza a respeito da existência do fato ou do ato demonstrativo”.
No que tange ao processo civil, a prova pode significar tanto a atividade que as partes do processo executam para demonstrar a existência de fatos que originaram o seu direito, baseando assim a convicção do juiz, quanto ao instrumento pelo qual essa constatação se faz.
Em sentido subjetivo, a parte produz a prova no intuito de exibir algum aspecto que indique a existência do fato ou ato que se pretende provar, vindo ao magistrado determinada circunstância capaz de convencê-lo quanto à veracidade de suas alegações. No sentido objetivo, tem-se que a prova é empregada no modo de significar não o ato de provar, mas o próprio instrumento usado, ou o meio com que a prova se faz.
Na definição de Vicente Greco Filho, “a finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico: sua finalidade prática, qual seja, convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado”.
Assim, o direito à prova consiste na comprovação da existência ou da verdade do fato ou ato que fora alegado em juízo, tendo como máxima a seguinte afirmação: “Alegar sem provar, não tem valor”.
O direito fundamental à prova implica, conceitualmente falando, na vasta possibilidade de usar quaisquer meios probatórios que se encontrem à disposição, sendo regra a admissibilidade das provas e a exceção, necessariamente, precisa ser motivada por razões relevantes.
DO DIREITO FUNDAMENTAL À PROVA: PRINCÍPIO BASILAR DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
O fato de se ingressar com uma ação, envolve uma série de atos que devem ser respeitados, para que seja realmente assegurado às partes envolvidas o efetivo acesso à justiça.
Dentre esses atos, destacamos o direito à prova.
As partes, ao informar no processo as provas que entendam ser úteis e imprescindíveis à exposição dos fatos que dão suporte a sua pretensão, embora possuam um direito assegurado constitucionalmente, ele não é absoluto. Ao contrário, também está sujeito a determinadas limitações decorrentes da proteção que o ordenamento jurídico confere a outros valores e interesses identicamente dignos de serem tutelados.
Dentro do Estado Democrático de Direito, a regra é a admissibilidade das provas produzidas e a exceção, embora plenamente possível, deve ser expressa de forma objetiva e devidamente motivada.
Cabe salientar ainda, que a tendência dos próximos tempos, será o abandono da enumeração taxativa das provas, que permitem apenas os documentos, depoimentos, perícias e outros meios legais tradicionais, adotando meios não previstos expressamente, mas de caráter idôneo para direcionar ao magistrado, informações úteis à reconstituição dos fatos. Esses meios são denominados “provas atípicas”.
DAS PROVAS ILÍCITAS
Nenhum princípio pode ser considerado absoluto quando falamos em direito propriamente dito, pois poderão surgir situações onde estarão sendo disputados dois princípios protetores de bens jurídicos, devendo-se buscar um determinado equilíbrio.
É nesse âmbito que estão incluídas as provas ilícitas e as chamadas provas modernas.
Reza a Constituição Federal, em seu artigo 5.º, LVI, que são inadmissíveis, no direito processual, as provas obtidas por meios ilícitos. São as chamadas provas vedadas.
As provas ilícitas não podem ser confundidas com as provas ilegais e as ilegítimas. As provas ilícitas são aquelas obtidas com desrespeito ao direito material. As provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. As provas ilegais, por sua vez, seria o gênero que contém as espécies ilícitas e ilegítimas, pois se caracterizam pela obtenção de forma infringente ao direito processual e material no ordenamento jurídico.
Doutrinariamente, há situações antagônicas, uma no sentido de admitir a prova obtida ilicitamente como válida e eficaz, sem nenhuma ressalva; e outra no sentido de não consentir de forma alguma a validade da prova ilícita.
Conforme preceitua o doutrinador Barbosa Moreira, existem suas teses radicais:
“De acordo com a primeira tese devem prevalecer em qualquer caso o interesse da Justiça no descobrimento da verdade, de sorte que a ilicitude da obtenção não subtrai à prova o valor que possua como elemento útil para formar o convencimento do juiz, a prova será admissível, sem prejuízo da sanção a que fique sujeito o infrator. Já para a segunda tese, o direito não pode prestigiar o comportamento antijurídico, nem consentir que dele tire proveito, quem haja desrespeitando o preceito legal, com prejuízo alheio; por conseguinte, o órgão judicial não reconhecerá eficácia à prova ilegitimamente obtida”.
Entre as duas posições, encontramos propostas que busquem a conciliação de ambas, como expõe Nelson Nery Junior:
“... não devem ser aceitos os extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista da gravação sub-reptícia, nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva. A propositura da doutrina quanto a teses intermediárias é a que mais se coaduna com o que se denomina modernamente de princípio da proporcionalidade, devendo prevalecer, destarte, sobre as radicais”.
As divergências decorrem da respeitabilidade aos direitos fundamentais do ser humano e os princípios básicos que direcionam o processo e a necessidade de descobrir a verdade, tanto para proteger a sociedade, quanto para efetivar a ideia de justiça, que representa o desejo maior e a razão de ser do direito brasileiro.
Difícil, porém, é a decisão do magistrado no sentido de considerar e valorar a possibilidade da aceitação ou não de uma prova apresentada pela parte, para fazer um julgamento justo e imparcial.
Outra questão difícil de ser resolvida, diz respeito à modernidade dos tempos e as consequentes inovações que vem trazendo o ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, dentro do rol de meios de prova já enumerados legalmente, suscetíveis de serem apresentados na seara do direito processual, a tendência dos próximos tempos, em decorrência dos avanços tecnológicos, é a recepção das provas ditas “modernas”, que incluem, a prova judicial via satélite, atos cometidos nos meios eletrônicos via internet, provas produzidas a partir de inteligência artificial...
Indubitavelmente, nesse âmbito processual, é o direito à intimidade um dos bens jurídicos mais propensos a agressões. Junto ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana deve o mesmo ser considerado no que tange à produção de qualquer desses atos novos que se revelem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos principais temas do direito processual civil, o direito probatório tem relevante importância no sentido de buscar um resultado justo no processo.
Nada pode ser pleiteado em juízo se a parte interessada não produzir o mínimo de aporte probatório necessário para a comprovação do fato e convencimento do juiz. Sendo assim, nenhuma alegação sem apresentação de provas, possuirá o condão de obter sucesso no seu pedido. Trata-se de um regramento básico pertencente ao Estado Democrático do Direito, pois se o mesmo não existisse, estaríamos diante de uma desordem jurídica completa, onde simplesmente uma pessoa mencionaria determinado fato e se beneficiaria do mesmo, sem necessidade alguma de provar o que está alegando.
Por não ser um direito absoluto, cabe ao magistrado o exame do caso concreto, a fim de garantir e proteger os direitos das partes envolvidas e, ao mesmo tempo, não dificultar a modernização dos meios probatórios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 19 de outubro de 2024.
FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. Ed. Tirant Brasil, Florianópolis, 24.ª edição, 2019.
FUNDAMENTAIS, Direitos Humanos. Ed. Atlas, São Paulo, 12.ª edição, 2021.
JUNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 13.ª edição, 2017.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. Ed. Saraiva, São Paulo, 2007.
SILVA, de Plácido. Vocabulário Jurídico. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 32.ª edição, 2016.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Coedição Malheiros, São Paulo, 42.ª edição, 2024.
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