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Equívocos e imperfeições nas normas de Direito de Família
Seguramente hoje não há tema mais atual e debatido do que o da segurança.
Fala-se em segurança jurídica; exige-se segurança pública; se reivindica segurança no emprego; se deseja segurança na velhice; enfim, se busca segurança em todo e qualquer relacionamento.
Porém, para efeito desta abordagem, o que interessa mais de perto é a segurança jurídica, da qual, entendemos, também depende a segurança buscada nos outros segmentos.
Inegavelmente a segurança jurídica depende da segurança proporcionada pelas normas. Assim, muito embora a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito sejam formas importantes de manifestação da segurança jurídica, é da interpretação e da correta aplicação das leis que se depende para atingir essa segurança.
Requer-se, para tanto, que as leis sejam elaboradas de forma adequada; que as leis não sejam omissas; que as leis não sejam contraditórias; que as leis não sejam ambíguas; que não sejam obscuras ....... Enfim, que não haja lacunas no Direito.
Se requer, se almeja, ... Porém o que todos sabemos é que as leis quase sempre resultam imperfeitas. Porque são feitas por legisladores, pessoas humanas e, portanto, sujeitas a erros.
Assim, se pode dizer que somente na Utopia de Thomas More todos conhecem e sabem interpretar as leis, porque elas além de serem em número reduzido, são todas de fácil compreensão.
Já as nossas leis, ao contrário, além de fazer parte de um emaranhado de normas, são, em sua grande maioria, mal redigidas e de difícil interpretação.
Assim, embora o nosso tema seja voltado ao Direito de Família, é inegável que outros equívocos e outras imperfeições podem ser facilmente encontradas nos demais ramos do Direito Civil.
Dito isto, passamos a analisar alguns dispositivos que reputamos equivocados ou imperfeitos no Direito de Família.
Art. 1.521. Não podem casar:
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IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
Colaterais de 3º grau, para efeito da lei, são os tios(tias) e os sobrinhos(sobrinhas). Porém, em que pese a proibição do casamento entre essas pessoas, o Decreto-lei n. 3.200/41 permite o casamento, mediante apresentação de exame pré-nupcial que ateste inexistir inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do matrimônio.
Observe-se que a exceção constante nesse Decreto 3.200, já era observada na vigência do Código de 1916. Portanto, mostra-se inquestionável que o legislador perdeu a grande oportunidade de recepcionar expressamente esta exceção no Código de 2002. Não o fazendo, entendemos que laborou em grave e lamentável equívoco legislativo.
Art. 1.523. Não devem casar:
I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário .... ;
II - a viúva, ou a mulher que teve o casamento nulo ou anulado, até dez meses depois da dissolução da sociedade conjugal;
III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada a partilha dos bens do casal;
IV - o tutor ou o curador e os seus parentes com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.
Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.
Essas causas suspensivas do casamento, denominadas de impedimentos impedientes no Código de 1916, são, na verdade, causas que não conduzem à nulidade ou à anulabilidade do casamento, porquanto somente sujeitam os seus partícipes à pena ou sanção de natureza civil, ou seja, a obrigatoriedade da adoção do regime de separação de bens, a teor do art. 1.641, inciso I.
Discordamos, no entanto, da nomenclatura utilizada, pois entendemos que seria mais condizente, chamá-las de causas restritivas, posto que na prática não se verifica nenhuma suspensão mas, tão-somente, uma restrição aos direitos dos nubentes.
Vale dizer: os nubentes poderão casar-se sem o cumprimento das formalidades exigidas, porém ser-lhes-á vedado a livre escolha do regime de bens o qual, por imposição da lei, deverá ser o de separação.
Conseguintemente, ressalvadas eventuais opiniões em contrário, o que se permite, em síntese concluir é que, em qualquer hipótese, podem os nubentes casar-se, vez que somente se subordinam à causa suspensiva se pretenderem adotar regime diverso do da separação de bens.
Art. 1.533. Celebrar-se-á o casamento, no dia, hora e lugar previamente designados pela autoridade que houver de presidir o ato, mediante petição dos contraentes, que se mostrem habilitados com a certidão do art. 1.531.
Art. 1.550. É anulável o casamento:
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VI - por incompetência da autoridade celebrante.
Sabe-se, por tradição, que a autoridade competente para celebrar o casamento é o juiz de paz.
Porém, é necessário um grande esforço de inteligência para se chegar a essa conclusão, vez que no Código Civil não há qualquer referência a respeito.
O Código falhou ao não se referir expressamente ao juiz de paz, aliás como já havia feito o Código de 1916.
Assim, unicamente o que se conhece, além do costume, é o que consta do art. 98, II, da Constituição Federal, que determina que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão “a justiça de paz, ...... para, na forma da lei, celebrar casamentos” ....,
Cabe, portanto, aos Estados, estabelecerem, através da lei de organização judiciária, os critérios para a nomeação dos juizes de paz.
Aliás, como já faz o Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado de Santa Catarina:
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Art.
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Ainda no que diz respeito a competência ou incompetência da autoridade celebrante do casamento, chamamos a atenção para a omissão do legislador no que se refere à modalidade de incompetência passível de anulabilidade.
Ocorre que a incompetência, como curial, pode se dar em razão do local e em razão da matéria.
Portanto, seria incompetente em razão do local, o juiz de paz de São Paulo que celebrasse casamento em Santos e vice-versa.
Por outro lado, haveria incompetência em razão da matéria, no casamento celebrado por um juiz de Direito.
Assim, diante da omissão do Código, o que se permite concluir é que a incompetência referida no inciso VI do art. 1.550, e portanto sujeita à anulabilidade, trata-se da incompetência em razão do local.
Isto porque a maioria dos autores, com fundamento
Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
No caso deste artigo, a interpretação que se permite realizar é a de que o casamento nulo ou anulável produz efeitos em relação aos filhos até o dia da sentença anulatória. O que é uma inverdade.
Inegavelmente o artigo contraria frontalmente o § 6º do art. 227 da Constituição Federal, que foi recepcionado pelo art. 1.596 do Código Civil, com a mesma redação:
Art. 1.596. Os filhos, havido ou não do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações ....
Portanto, independentemente do art. 1.561 mencionar que os direitos dos filhos serão assegurados até a data da sentença anulatória, isto em nada prejudicará seus direitos.
Em outras palavras, o direito dos filhos nascidos em qualquer circunstância, seja de pessoas solteiras, seja de uma relação adulterina ou mesmo incestuosa sempre terão os seus direitos assegurados.
Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou da dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando a sua necessidade, a separação de corpos (...)
Como se observa, este artigo, situado no Capítulo VIII – Invalidade do casamento, prevê a possibilidade de a separação de corpos ser requerida antes de se mover qualquer ação que vise a dissolução do casamento ou da união estável.
Trata-se, a nosso ver, de grave erro de sistematização, uma vez que o mais lógico seria inserir este dispositivo no Capítulo destinado à Dissolução da Sociedade conjugal, ou seja, a partir do art. 1.571.
Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.
Este artigo possibilita a conversão da separação em divórcio possa ser requerida apenas com base no lapso temporal de um ano do trânsito em julgado da sentença de separação judicial.
A crítica que se faz a este artigo refere-se ao fato de o Código não usar, para a concessão do divórcio, o mesmo critério utilizado para a concessão da separação judicial consensual, no parágrafo único do art. 1.574, o qual determina que:
O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.
Aliás, como exigia o parágrafo único do art. 36 da Lei do Divórcio, ao mencionar que a contestação na ação de conversão da separação judicial em divórcio poderia fundar-se no descumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação.
Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.
Não se concebe o porquê de a partilha não ser obrigatória para o divórcio, como o é para a separação judicial:
Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens.
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Além do mais, os artigos 1.575 e 1.581, guardam nítida contradição, porquanto se o art. 1.581 admite a concessão do divórcio independentemente de partilha, não se concebe que a partilha se processe anteriormente, ou seja, por ocasião da separação judicial.
Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.
Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.
Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.
A nossa crítica a esses dois artigos refere-se ao uso indevido da expressão “contestar”.
É curial que “contestar”, em termos processuais, refere-se ao ato do réu defender-se, responder as alegações do autor em uma determinada ação.
Assim, na hipótese do art. 1.601, o correto, a nosso ver, seria usar a expressão “impugnar”, que é realmente o que o marido faz em relação à sua inconformidade à paternidade que lhe é atribuída.
Já na hipótese do art. 1.615, que se refere à possibilidade de qualquer pessoa, que justo interesse tenha, poder contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade, fica uma dúvida se o artigo quer se referir a quem pode ser réu na ação ou a quem pode figurar como assistente processual, uma vez que somente o demandado pode contestar a ação.
Portanto, outras pessoas que eventualmente também teriam justo interesse em impugnar a ação, não poderiam contestá-la e sim “assistir” o demandado na ação.
Art. 1.605. Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito:
I - quando houver começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente;
II - quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.
A dúvida que se instaura, no tocante a este artigo, é se o mesmo se presta para fundamentar o pedido de investigação de paternidade, tendo-se em linha de conta que o novo Código não reproduziu o texto do art. 363 do Código de 1916, que enumerava taxativamente as hipóteses que serviam de fundamento para a referida ação.
Art. 363. Os filhos legítimos têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação:
I – se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido pai;
II – se a concepção do filho coincidiu com o rapto da mãe pelo suposto pai, ou suas relações sexuais com ela:
III – se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade, reconhecendo-a expressamente.
A nosso ver, portanto, este art. 1.605 não serve para embasar a pretensão investigatória, uma vez que é de restrita aplicação à hipótese de filho que não tenha sido registrado ou, em sendo registrado, o registro apresenta-se defeituoso.
Demais disso, o art. 1.605 é de idêntica redação à do art. 349 do Código Civil anterior, o qual, como de sabença, nunca se prestou a fundamentar a ação investigatória, e sim o art. 363, infelizmente não reproduzido neste Código.
Sendo assim, entendemos que ficamos sem qualquer referencial ou fundamento para o pedido investigatório no Código Civil.
Diante disso, poder-se-ia, em último caso, apelar-se para o § 5º, do art. 2º, da Lei n. 8.560/92.
Não obstante, considerando o fato de que o juiz é obrigado a conhecer o direito (da mihi factum, dabo tibi ius) e que a ação investigatória já integra o nosso ordenamento jurídico, não lhe seria lícito decretar a inépcia da petição inicial em face de mera falta de citação de dispositivo específico.
Art. 1.621. A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos.
Não se concebe que não se exija também o consentimento do cônjuge para a adoção, como faz o art. 1.611, que determina que o filho havido fora do casamento somente poderá residir no lar conjugal com o consentimento do outro.
Outra omissão do Código no referente à adoção é a falta de previsão legal para a hipótese de falecimento do adotante quando o adotado ainda for menor de idade, ou seja, se neste caso ocorre o restabelecimento do poder familiar dos pais biológicos.
Neste caso, cumpriria repetir o art. 49 do ECA, que consigna que “a morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais naturais”.
Art. 1.653. É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.
Porém, em lamentável omissão, o legislador nada dispôs a respeito do prazo de validade do pacto antenupcial. Não obstante, parece razoável estabelecer, por analogia aos arts. 1.532 e 1.542, §3º, o mesmo prazo de noventa dias previstos para a eficácia da habilitação para o casamento e do mandado para fazer-se representar em casamento.
A título de ilustração, convém destacar que o art. 1.716, Código Civil português, estabelece a caducidade do pacto caso o casamento não se efetive dentro de um ano.
Art. 1.682. O direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial.
A meação, como se sabe, resulta da divisão, em igual proporção, do patrimônio comum entre os cônjuges.
A meação somente pode originar-se de uma comunhão, em face dos regimes de comunhão universal, comunhão parcial e, eventualmente, no regime de participação final nos aqüestos.
Diante disso, a dúvida que se instaura é se o art. 1.682 é de aplicação restrita ao regime de participação final nos aqüestos ou se também tem aplicação aos demais regimes de comunhão anteriormente citados.
Opinamos, no entanto que, s.m.j., por interpretação analógica, o citado artigo também se aplica aos demais regimes de bens.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Faculta este dispositivo, aos companheiros, estabelecerem, a respeito de seus bens, o que lhes aprouverem.
Tal avença, no entanto, como determinado na norma, poderá ser reduzido a simples contrato escrito, por instrumento particular, ao contrário do casamento para o qual se exige a escritura pública (pacto antenupcial).
Como se observa, neste caso o Código conferiu mais direitos aos companheiros do que aos cônjuges.
Isto é inadmissível, na medida que poderá prejudicar os interesses de um dos companheiros quando o outro resolva alienar um bem imóvel adquirido após o início da convivência, uma vez que não havendo registro do pacto não se exigirá o consentimento do companheiro.
Art. 1.749. Ainda com a autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de nulidade:
I - adquirir por si, ou por interposta pessoa, mediante contrato particular, bens móveis ou imóveis pertencentes ao menor;
II - dispor dos bens do menor a título gratuito;
III - constituir-se cessionário de crédito ou de direito, contra o menor.
O legislador no novo Código, repetindo erro crasso anteriormente cometido pelo legislador de 1916, art. 428, houve por bem declarar inócua, sem qualquer valor jurídico, a decisão judicial autorizativa da prática dos atos previstos nos incisos.
Ora, partindo-se da premissa de que toda autorização judicial tem por escopo “autorizar” alguém a praticar determinado ato (imitir-se na posse, alienar bens, receber valores, afastar-se do lar etc.), não se pode conceber que um ato praticado mediante a chancela judicial possa padecer de nulidade.
Assim, entendemos que a redação que mais se compatibilizaria com o artigo em comento seria, a nosso ver, a seguinte:
“Não pode o tutor, sob pena de nulidade: (...)”, como, aliás, faz o art. 1.937 do Código Civil Português, quando dispõe a respeito de matéria semelhante.
Em que pese o equívoco legislativo, consideramos, ainda assim, que seria extremamente improvável que referidos atos viessem a ser autorizados pelo juiz, máxime porque seria inconcebível o juiz desconhecer a lei.
Art. 1.641. É obrigatório o regime de separação de bens:
I – das pessoas que não observarem as causas suspensivas;
II – dos maiores de 60 anos;
III – daqueles que casarem, mediante suprimento judicial.
A controvérsia em torno deste artigo é que diz respeito à comunicação ou não dos aqüestos, ou seja dos bens adquiridos mediante o esforço de ambos os cônjuges após o casamento.
A Súmula 377 do STF, anterior ao novo Código, diz que ocorre a comunicação, independentemente do esforço comum.
Ao depois, o STJ confirmou a possibilidade de comunicação, ressalvando, porém, a exigência do esforço do casal.
Importa salientar que na redação inicial do novo Código Civil constava que não se daria a comunhão dos aqüestos. No entanto, como esta regra foi suprimida posteriormente, o que se permite hoje concluir é que se admite a comunhão dos aqüestos.
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