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A Função do Poder Judiciário e a Interdisciplinaridade: dilemas e desafios
Giselle Groeninga
Claudia Pretti
Este foi o tema da reunião da Diretoria de Interdisciplinaridade no dia 7 de setembro.
Refletir sobre a função do poder judiciário e sua relação com a interdisciplinaridade em nossa contemporaneidade é uma tarefa que se impõe. Como um convite, trazemos aqui um apanhado da discussão feita pelo grupo de profissionais das diversas áreas. Em tempo, a próxima reunião ocorrerá no dia 5 de outubro, das 8h30 às 10h30.
Vivemos um momento em que as instituições estão sendo muito questionadas em suas funções, onde modelos antes estabelecidos já não se sustentam. Devemos buscar outros. Mesmo a família, célula mater de nossa sociedade, antes tida como uma unidade econômica, com uma organização matrimonial, patriarcal, e mesmo sacralizada, sofre os efeitos de modificações culturais – a família hoje é a eudemonista. No entanto, embora muito modificada, a função que sustenta sua imprescindibilidade continua a mesma – de participar diretamente da constituição psíquica de cada um. E ainda, de cuidado e proteção. Guardadas as diferenças, também é função do Poder Judiciário, por sua vez, proteger à família.
No que diz respeito ao poder judiciário, os questionamentos atingem não somente a sua função, mas também sua eficácia. A necessidade de se reinventar frente às modificações culturais tem sido um movimento observado, mas que caminha muito lentamente. Assim, a promoção da justiça pode acabar por diversos fatores, infelizmente, por distribuir injustiças.
Até há pouco, um grande “injustiçado” era o afeto. Mas com a importância dada ao afeto, e também à subjetividade, tem crescido o espaço da atuação interdisciplinar e dos operadores da saúde como psicólogos, psicanalistas, psiquiatras e assistentes sociais. Em muito eles têm contribuído para as mudanças no modo de funcionamento do poder judiciário e distribuição da justiça.
Já na família, as mudanças ocorridas na forma como os laços se estabelecem na contemporaneidade indicam uma queda da verticalidade existente anteriormente, e as relações mais horizontalizadas têm provocados efeitos importantes. E com isso o papel de cada um na família sofreu modificações. Por exemplo o papel ocupado pelo pai que passou a assumir cuidados que antes não lhe cabiam. No entanto, é fundamental ressaltarmos que, se os papéis podem ser modificados, algumas funções precisam ser preservadas.
Entre elas, a função paterna, que é aquela que transmite a Lei enquanto simbólica, que é a responsável pela introdução da dimensão do interdito para o sujeito humano. Portanto, não há sujeito sem a introjeção da Lei, que é transmitida no exercício dessa função.
Já o Poder Judiciário tem como função ser o representante da lei, que garante o pacto social e a vida civilizada. Função essa que é definida em psicanálise como um “barramento de gozo”. O conceito de gozo para a psicanálise é importante para entendermos a função do Poder Judiciário. Importante ressaltar que o gozo, distinto do gozo sexual, diz respeito a um modo de posicionamento subjetivo que irá definir a forma como cada um se insere no mundo. Distanciados do estado de natureza e do funcionamento pela via dos instintos, e submetidos às pulsões, não existem caminhos pré definidos que possam regular o humano. Exatamente por isso, é fundamental que alguma barra se coloque a essa tendência de satisfação a qualquer preço
Se antes a função do poder judiciário era de autoridade imposta pela força, e pelo poder de definir o que era ou não família, pela via de uma visão binária, de caminhos pré definidos, hoje as modificações ocorridas impõe que a autoridade seja representada com outras formas de funcionamento.
Momento paradoxal, onde o Poder Judiciário é colocado ora como destituído e desvalorizado, ora como instância de poder absoluto, com a judicialização excessiva dos conflitos humanos.
É fundamental pensarmos os caminhos que existem para que novos posicionamentos e saídas sejam possíveis e que a justiça possa ser garantida. Que o Poder judiciário possa se sustentar em sua função, com outras possibilidades de atuação e outros caminhos. Nesse sentido a interdisciplinaridade pode ter participação fundamental. E, também as perícias psicossociais.
Um bom exemplo de mudanças é a Mediação, que aponta para a queda da autoridade imposta pela força, deslocando o olhar para a responsabilização de cada um dos envolvidos. A mediação como uma prática onde a transformação do conflito está no sujeito e não no outro, onde a diretividade para uma saída única é substituída pela construção de saídas singulares.
Se a interdisciplinaridade ganha espaço, para que ela possa ser de fato colocada em cena, não podemos perder de vista o lugar de cada um. Esse é um cuidado a ser tomado, para que os papeis de cada um dos profissionais não sejam confundidos e nem suas funções misturadas. A Interdisplinaridade pressupõe o respeito às diferenças constituintes de cada campo de saber e ainda que cada um ocupe seu lugar e exerça sua função sem extrapolar e invadir o campo do outro.
Giselle Groeninga é Diretora de Relações Interdisciplinares do IBDFAM.
Claudia Pretti é Vice-Diretora de Relações Interdisciplinares do IBDFAM.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM