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Benefícios da Holding Familiar Sobre Outras Situações na Sucessão Hereditária
Voltaire Marenzi.
Advogado e Professor.
No Direito, o termo holding refere-se a uma empresa cuja principal atividade é deter participação - ações ou quotas- em outras empresas. Essa estrutura é utilizada para controlar, organizar e administrar um grupo de empresas. Basicamente existem duas modalidades de holdings:
A holding denominada de pura que é uma empresa que tem como única atividade a participação no capital de outras empresas. Ela não exerce qualquer outra atividade empresarial.
A holding mista que além de deter participações em outras empresas, também pode exercer atividades operacionais próprias, como a produção de bens ou a prestação de serviços.
Via de regra as holdings são utilizadas para diversas finalidades, entre as quais:
- Controle Societário: Facilita o controle de um grupo de empresas por meio da centralização da propriedade das ações, ou quotas empresariais.
- Planejamento Tributário: Pode permitir uma gestão mais eficiente de tributos, aproveitando-se de incentivos fiscais.
- Proteção Patrimonial: Ajuda na proteção dos bens dos sócios contra credores e facilita a sucessão patrimonial.
Esta última também conhecida como holding patrimonial familiar, é criada com o objetivo principal de proteger e administrar o patrimônio de uma família, preservando bens e ativos de riscos externos e facilitando o planejamento sucessório. O resultado da constituição desse tipo de holding inclui uma série de vantagens e proteções ao monte mor deixado pelo de cujos.
A elaboração de uma holding familiar é uma estratégia de planejamento patrimonial que vem ganhando popularidade no Brasil, especialmente no contexto da sucessão hereditária. Este tipo de estrutura jurídica pode oferecer uma série de benefícios, desde a proteção do patrimônio até a redução de custos e conflitos familiares, posto que com a transferência de quotas ou ações da empresa para os herdeiros, evita-se o processo de inventário[i], que pode ser longo, com custos operacionais elevados frequentemente provenientes de disputas judiciais.
Neste artigo vou procurar abordar o que penso, sob os principais benefícios de uma holding familiar e suas vantagens em comparação com outros instrumentos de sucessão hereditária, inclusive elencando entre outros o do seguro de pessoas.
Uma holding familiar é uma sociedade criada com o objetivo principal de administrar o patrimônio de uma família. Essa empresa pode deter ações ou quotas de outras empresas, a exemplo de imóveis, investimentos financeiros, entre diversos ativos. A palavra holding deriva do verbo inglês to hold, que significa "segurar" ou "manter". Assim, a holding familiar não tem necessariamente um objetivo de produção ou comercialização de bens e serviços, mas sim a gestão e proteção dos bens familiares.
Com a constituição de uma holding, o patriarca ou matriarca da família pode estabelecer regras claras para a sucessão e administração dos bens. Pode-se, por hipótese prevista no direito, estipular cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade[ii] nas cotas ou ações dos herdeiros, garantindo que o patrimônio fique protegido contra credores e não seja dividido em casos de divórcio.
A propósito registra Eduardo de Oliveira Leite, ex-ministro do STJ, exímio jurisconsulto, o que disse outro não menos ilustre, Professor Orlando Gomes, no sentido de que seria, a bem do bom direito, “necessário abolir a prerrogativa de clausular os bens com a inalienabilidade, ao menos da legítima (já que) constitui uma aberração jurídica, pois, com efeito, se a legítima pertence “de pleno direito” aos herdeiros necessários, a eles devendo passar nas condições em que se encontram no poder do autor da herança; da circunstância de que constituem reserva inalterável, os bens da legítima devem transmitir-se tal como se achavam no patrimônio do defunto”.[iii]
Ademais, a utilização de uma holding familiar poderá resultar em significativa economia tributária. Em geral, as alíquotas de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre doações em vida são mais baixas do que aquelas aplicáveis em um processo de inventário. Além disso, ao transferir os bens para a holding, a família pode reduzir os custos com cartórios e evitar a burocracia do sistema judiciário.
Há também a possibilidade de otimização tributária na administração dos bens. Dependendo da estrutura adotada, a tributação sobre os lucros de uma holding pode ser mais vantajosa do que a tributação sobre os rendimentos dos mesmos bens em nome das pessoas físicas.
Impende sublinhar, entretanto, que cada caso deve ser avaliado individualmente por especialistas em contabilidade e direito tributário para garantir a conformidade legal e a maximização dos benefícios fiscais.
Uma holding familiar permite também a centralização da gestão do patrimônio, proporcionando uma visão consolidada dos ativos familiares. Isso facilita a administração dos bens, investimentos e negócios da família, além de permitir um controle mais eficiente sobre os rendimentos e despesas.
Além disso, uma holding pode servir como um escudo protetor contra eventuais credores pessoais dos sócios. Como o patrimônio é detido pela pessoa jurídica, ele não pode ser facilmente atingido por dívidas pessoais dos sócios, exceto em casos de fraudes ou desconsideração da personalidade jurídica, hoje plasmada em nosso atual Código Civil,[iv] sem correspondência no CC/1916.
E mais. O planejamento sucessório por meio de uma holding familiar pode ajudar a minimizar conflitos entre herdeiros, como dito e sói acontecer, em processos de inventário.
Destarte, ao antecipar a transferência dos bens e definir previamente as regras de administração e partilha, os ancestrais podem garantir que suas vontades sejam respeitadas e que os herdeiros compreendam e aceitem a estrutura planejada.
Para famílias que possuem negócios, a criação de uma holding facilita a gestão e a continuidade desses empreendimentos. Uma holding pode deter participações em diversas empresas operacionais, permitindo uma administração centralizada e eficiente. Além disso, a governança corporativa estabelecida pela holding pode ajudar a profissionalizar a gestão dos negócios, afastando a interferência direta de herdeiros que não estejam capacitados ou interessados em participar da administração.
Embora o testamento seja um instrumento bastante utilizado para o planejamento sucessório, ele possui limitações significativas. Um testamento pode ser contestado judicialmente, e o processo de inventário ainda será necessário,[v] o que pode prolongar e encarecer a sucessão.[vi] Diferentemente da holding familiar, o testamento não oferece benefícios fiscais e não evita a exposição pública dos bens e herdeiros.
A doação em vida é outra alternativa ao planejamento sucessório, mas ela também possui suas desvantagens. Embora possa reduzir custos com inventário, a doação pode acarretar o pagamento imediato do ITCMD e a perda do controle dos bens doados. Vale dizer, se aplica tanto quando ocorre a transferência de bens e direitos em decorrência do falecimento de uma pessoa ou, nesta última hipótese, quando ocorre a transferência gratuita, sem ônus, de bens e direitos entre pessoas vivas. Com a holding, por outro lado, é possível transferir a propriedade dos bens para os herdeiros por meio das quotas, ou ações da empresa, mantendo o controle da administração e usufruto sobre os bens.
Já no que tange ao seguro de vida que é um produto que visa garantir liquidez imediata aos herdeiros, este instituto previsto nos contratos em espécie[vii] não substitui um planejamento sucessório completo. O seguro de vida, ou de Pessoa, pode ser uma ferramenta complementar à holding familiar, especialmente para assegurar recursos imediatos em caso de falecimento do patriarca ou matriarca. No entanto, não oferece os mesmos benefícios de proteção patrimonial, eficiência tributária e organização da gestão dos bens familiares.
Distinguindo-me, Maria Berenice Dias, autora renomada entre outras obras, Manual de Direito Das Famílias e Manual Das Sucessões, nesta segunda afirma:
“Voltaire Marensi vai além. Sugere que o seguro seja pago, em sua integralidade, a quem vivia com o segurado, mantendo-se o parágrafo único do art. 792 do C., única hipótese em que os herdeiros seriam contemplados com a metade do capital segurado”.[viii]
Têm famílias, outrossim, que optam por criar um Fundo Fechado de Investimento Imobiliário como estratégia de sucessão. Apesar de também proporcionar benefícios tributários, essa alternativa é mais complexa, possuindo altos custos de constituição e manutenção, requerendo um nível de governança mais elevado. A holding familiar, por sua vez, oferece mais flexibilidade e é mais facilmente ajustável às necessidades e particularidades de cada família.
A criação de uma holding familiar é, indubitavelmente, uma estratégia poderosa para o planejamento sucessório, que pode trazer uma série de benefícios em comparação a outras ferramentas disponíveis. Ela oferece um meio eficiente de antecipar a partilha de bens, reduzindo custos e tributos, protegendo o patrimônio e minimizando conflitos familiares. Contudo, como qualquer estrutura jurídica, a holding deve ser planejada com cuidado e em conformidade com a legislação vigente, sempre com o suporte de profissionais especializados em direito societário, tributário e planejamento sucessório.
É o que penso, ao ensejo deste ensaio.
Porto Alegre, 1º de setembro de 2024.
[i] Artigos 1.784 e seguintes do Código Civil, c/c artigos 617 e seguintes do Código de Processo Civil.
[ii] Artigo 1.911 do atual Código Civil.
[iii] Comentários ao Novo Código Civil. Do Direito das Sucessões, editora Forense, 4ª edição, página 272.
[iv] Artigo 50 do Código Civil.
[v] Artigo 610 do Código de Processo Civil.
[vi] Artigo 1.784 do atual Código Civil. Da Sucessão em Geral.
[vii] Artigos 789 a 802 do Código Civil.
[viii]Manual Das Sucessões, 5ª edição. Thomson Reuters. Revista dos Tribunais, 2018, página 256.
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