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Lei estadual prevê cobrança indevida de ITCMD para renúncia abdicativa no Amazonas
O Estado do Amazonas prevê cobrança indevida de ITCMD do herdeiro que renuncia à herança em favor do Montemor por esgotamento do prazo de abertura do inventário.
Quando alguém falece, é de suma importância a realização do inventário, ainda que o falecido não tenha deixado herança a partilhar, principalmente para se proteger de possíveis dívidas deixadas pelo falecido.
A nossa Constituição Federal o direito à herança como direito fundamental, vejamos:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXX. é garantido o direito de herança;
Para regulamentar, fiscalizar e cobrar os impostos referente à herança, ela deu aos Estados a competência para isso:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I. transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
Porém guarde essa importantíssima informação, a Constituição Federal atribuiu aos Estados competência para instituir imposto sobre a transmissão da herança aos seus herdeiros.
Aproveitando-se desta atribuição de competência, o Estado do Amazonas criou seu código tributário e consequentemente o ITCMD, condensando em um imposto a cobrança sobre a transmissão da herança aos seus herdeiros e sobre as doações.
Contudo, sabemos que apesar de garantido pela Constituição Federal, o herdeiro não é obrigado a receber a herança deixada, existe a possibilidade de realizar a renúncia deste direito constitucional.
Segundo o Código Civil, existem duas formas de aceitar a herança, seja ela de forma expressa (através do formato escrito) ou de forma tácita (quando se subentende que o herdeiro praticou algum ato demonstrando seu aceite), vejamos:
Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.
Depois da aceita a herança, o herdeiro não tem como voltar atrás da sua decisão:
Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão.
Mas o herdeiro também pode renunciar a herança, e essa renúncia, obrigatoriamente precisa ser escrita, e obedencendo a forma obrigatória do Código Civil, sob pena de ser nula:
Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.
Contudo, existe dois tipos de renúncia a herança, a renúncia translativa (art. 1.805. § 2o do Código Civil) e a renúncia abdicativa (art. 1804, parágrafo único do Código Civil) e já vou explicar cada uma:
Na renúncia translativa o herdeiro A cede a sua parte para o herdeiro B, ficando o herdeiro B com 2 partes da herança.
Art. 1.805. § 2º. Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.
Ou seja, o herdeiro, apesar de não querer a sua parte da herança, efetua uma doação dos seus direitos para um outro herdeiro, logo incidente o imposto sobre a transmissão desse quinhão a outro herdeiro.
Art. 114 da lei estadual 19/97. O imposto incide também sobre as seguintes e principais modalidades de transmissão:
X. transferência, ainda que por desistência ou renúncia, de direito e ação a legado ou a herança cuja sucessão seja aberta no Estado;
Jána renúncia abdicativa o herdeiro A devolve sua parte para todos os demais herdeiros repartirem entre si.
Art. 1.804. Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.
Ou seja, não existe transferência, então a parte do herdeiro renunciante volta para ser partilhado entre os herdeiros restantes.
Contudo, ao legislar sobre o assunto, o Estado do Amazonas, teve a infelicidade de inovar incluindo o inciso IV, exigindo que a renúncia abdicativa seja realizada em até 60 dias da data do óbito, sob pena de incidência do ITCMD, vejamos:
Art. 114, § 1o. Não se considera transferência de direito, a desistência ou renúncia à herança ou legado, quando ocorrerem cumulativamente as seguintes condições:
I - quando feita sem ressalva, em benefício do monte;
III - quando não tenha o desistente ou renunciante praticado qualquer ato que revele intenção de aceitar a herança ou legado.
IV - quando efetuada dentro de 60 dias contados da data do falecimento do de cujus.
Porém, o Estado do Amazonas não poderia ter realizado tal inovação. Porque a Constituição Federal não atribuiu competência para cobrança de imposto sobre renúncia de herança.
E segundo o CTN, a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance do que está expressamente contido na Constituição para definir competência tributária, ipsis verbis:
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas constituições dos Estados, ou pelas leis orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Portanto, o inciso IV do art. 114 do código tributário do Amazonas está em total dissonância com o disposto na Constituição Federal, necessitando urgentemente ser revisado, quiçá suprimido, como já havia sido em 2011.
Vou lhe mostrar por quê.
Considerando que sequer existe inventário, e que o ITCMD é percentual sobre o quinhão hereditário, qual seria a base de cálculo do imposto? Sobre qual patrimônio ele incidirá?
Considerando que para apurar a base de cálculo do ITCMD, o herdeiro necessita abrir o inventário, o que é considerado ato próprio da qualidade de herdeiro, demonstrando aceitação tácita da herança, que é ato irrevogável, impossibilitando o herdeiro de renunciar a herança.
O pior disso, é que certamente, muitas pessoas foram penalizadas a pagar o ITCMD de forma indevida e arbitrária.
Publicação oficial: https://www.migalhas.com.br/depeso/403854/lei-preve-cobranca-indevida-de-itcmd-para-renuncia-no-amazonas
Alexandre Chicre Alcântara
Advogado. Especialista em Inventários e Partilha em Vida
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