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Aspectos Gerais e Atuais da Previdência Complementar
Voltaire Marenzi.
Advogado e Professor.
Com o advento da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências foram criados no Capítulo II – DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS – três seções, vale dizer, a primeira que trata das Disposições Comuns, a segunda que se refere aos Planos de Benefícios de Entidades Fechadas e a última que trata dos Planos de Benefícios de Entidades Abertas.
No que tange ao Capítulo IV - DAS ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR -, especificamente em seu artigo 36, o legislador disse à época que “As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas.
Em comentário a este dispositivo legal, ao azo da promulgação desta Lei Complementar, escrevi:
“A única hipótese legal de constituição das entidades abertas será sob o rótulo de sociedade anônima, que operará sob a forma de renda continuada (obrigação de trato sucessivo) ou pagamento único, cognominado pela lei anterior como pecúlio”.[i]
Atualmente existem dois tipos de planos de previdência complementar ofertados por entidades abertas.
A principal diferença entre o PGBL e o VGBL, de modo geral e abrangente, são os benefícios tributários e cobrança de Imposto de Renda.
Apesar de ser conhecida como uma aplicação voltada à aposentadoria, a previdência complementar também foi pautada na construção de patrimônio ou ganho de capital pela pulverização de investimentos assegurando um plus na renda do futuro aposentado pelo INSS, ou por uma empresa pública ou privada que assegura aos seus integrantes um maior conforto pela qualificação alçada aos longos anos de atividade laboral. Esse investimento, em Planos de Previdência Privada, a meu ver, era um bom investimento, uma vez que também pode e deve ser utilizado junto com a seguridade social, estabelecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), aumentando o rendimento do segurado, rectius, participante do plano eleito pelo consumidor.
Acontece que no decurso da antiga Lei [ii]- Primeiro Marco Legal da Previdência Privada no Brasil, hoje revogada em sua totalidade por uma Lei Complementar[iii], estava previsto em seu artigo 14 que “as entidades abertas teriam como única finalidade a instituição de planos de concessão de pecúlios ou de rendas em alusão ao valor pago de uma só vez, com a morte do participante ou a renda acumulada ao longo dos anos pelas contribuições aportadas por seus associados.[iv]
E, nesta passagem, quero prestar minha sincera homenagem ao amigo e colega Marco Antônio Paixão, infelizmente, já falecido, mas que nos deixou um legado que continua vivo por meio das obras e do impacto que ele teve na área editorial amplamente utilizadas em Faculdades de Direito e por profissionais que atuam em variegados segmentos de nosso direito.
De outro lado, a lei que marcou o início da previdência privada foi, infelizmente, palco de desvirtuamento de diretores de empresas que criavam como fachada empresas subsidiárias com o intuito exclusivo de lucros pessoais – vivenciei o caso do MFM – ou de diretores de outras entidades que não geriram adequadamente o patrimônio de seus respectivos associados, levando-as a liquidação extrajudicial.[v]
Hoje a não tão nova Lei Complementar focada no início deste ensaio, irá sofrer também impactos com a implementação da Reforma Tributária.
Segundo dados obtidos da FORBES MONEY a Previdência Privada superou R$ 156 bilhões de captação no ano de 2022.
De acordo com Hemelin Mendonça, especialista em mercado de capitais e sócia da AVG Capital, o PGBL é indicado para pessoas que fazem a declaração de IR no modelo completo, e também contribui com o INSS, pois, pode ter uma dedução fiscal de até 12% da renda anual tributável. Além disso, também não contabilizam para o cálculo da renda bruta anual sujeita à tributação.
Já o VGBL é indicado para aqueles que fazem a declaração de imposto de renda no modelo simplificado ou que queiram investir mais do que 12% do PGBL. Isso porque o VGBL não tem dedução fiscal na declaração do imposto de renda.
Outro diferencial é o tipo de tributação, que pode ser Regressivo/Definitivo ou Progressivo/Compensável. Enquanto o regressivo segue a tabela de IR, o progressivo envolve o crescimento da alíquota.
Assim, a regressiva começa com alíquota em 35% e diminui a cada dois anos, podendo chegar em 10%. Já o progressivo é aplicado sobre o montante, ou seja, quanto maior for o capital retirado, mais elevado será o imposto pago.
Além disso, o resgate na tabela progressiva conta com retenção de IR na fonte, com alíquota de 15%. Posteriormente, na declaração de IR deverá ser recolhido o tributo complementar, afirma a mencionada especialista da AVG Capital.
A especialista destaca que até 2023 a pessoa podia escolher a maneira do imposto ao aderir à Previdência Complementar. Caso quisesse mudar, só poderia realizar a alteração até o último dia útil do mês seguinte à contratação ou na portabilidade. Nesse caso, porém, não poderia trocar de regressivo para progressivo – somente o contrário, ou seja, de progressivo para regressivo.
No entanto, em 2024 foi sancionada a Lei 14.803 que alterou essa questão. “Desse modo, pessoas que contrataram planos com regime regressivo anterior a 10 de janeiro de 2024, podem alterar a tributação da modalidade para progressivo no momento da obtenção de benefício ou no seu primeiro resgate, após o dia 11 de janeiro de 2024.
Além disso, pensar na Previdência Privada Complementar como um veículo de sucessão e aposentadoria no longo prazo pode até ser interessante.
Para Beto Saadia, diretor de Investimentos da Nomos, por vezes a previdência é melhor do que investimentos comuns. “O que a torna um bom investimento é a alíquota de imposto de renda. Na maioria dos investimentos tradicionais, a alíquota de IR é de 15%. Com a previdência privada, se adotar uma abordagem de longo prazo, conseguirá chegar a 10%”, afirmou o sobredito especialista.
Sobre a vantagem sucessória, Saadia explica que os herdeiros do investidor recebem esses recursos de forma muito rápida. Dependendo do caso, pode até haver a isenção do imposto de transmissão de herança (ITCMD).[vi]
Data vênia, discordo de tal entendimento em razão do que constam em várias decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de entender que se trata de um direito próprio, inclusive com assento doutrinário de que, em tese, essa contribuição efetivada pelo participante e também pelo próprio segurado não estará sujeita à partilha dependendo da situação dos credores do de cujos que poderão se habilitar nos autos em que se discutem aspectos relacionados em fraude àqueles.
Por outro lado, as taxas de administração e carregamento podem ser altas, dependendo da instituição escolhida, o que impacta na rentabilidade final. “Também, a liquidez é baixa, ou seja, se precisar resgatar o dinheiro antes do prazo, enfrentará tributação. É um investimento que demanda paciência”, diz Medeiros, da Davila Finance.
Além disso, se o consumidor se utilizar de um instrumento como de previdência para investimentos de prazos mais curtos, por exemplo, abaixo de sete, de cinco anos, esses aportes não serão vantajosos. Na opinião do especialista, aí seria uma boa alternativa apenas para complementar a aposentadoria com benefícios fiscais. No entanto, a disciplina para investir a longo prazo é fundamental.
A bem da verdade, as opiniões acima negritadas neste texto foram colhidas por Maria Luíza Filgueiras — São Paulo.[vii]
Na oportunidade em que critiquei a mutação da atual Previdência Complementar Aberta, registro uma vez mais, que o Superior Tribunal de Justiça não entende de forma hermética o texto elencado no inciso IV do artigo 833 do Código de Processo Civil que trata de bens impenhoráveis. A Corte tem interpretado esse dispositivo de maneira a proteger o mínimo existencial necessário à sobrevivência digna do devedor e sua família. Contudo, a jurisprudência do tribunal também reconhece exceções, especialmente em processos onde a penhora incide sobre uma parte dos proventos que excede o necessário para a subsistência ou em situações em que a dívida esteja relacionada a obrigações contraídas de forma inescrupulosa pelo devedor. Tal interpretação equilibra a necessidade e a dignidade do devedor que também tem como obrigação honrar dívidas que extrapolem o necessário para a subsistência de seus familiares.
Destarte, além da limitação patrimonial a 40 salários mínimos, por aplicação analógica, a meu sentir, com a impenhorabilidade do seguro de vida.[viii]
De outro giro, no que tange aos Planos Fechados de Previdência Complementar, está em discussão no governo uma provável mudança na norma que obriga os fundos de pensão a vender seus imóveis até 2030, ou transformá-los em lastros de fundos imobiliários no mesmo prazo. Depois de uma série de conversas com entidades fechadas de previdência, a Previc sugeriu ao ministério da Previdência que essa restrição seja eliminada, e a pauta está agora no ministério da Fazenda.
Estabelecida em 2018, a resolução de venda compulsória dos imóveis busca concentrar os ativos dos fundos em veículos líquidos, para que se tenha uma medição mais acurada de marcação de preços. A Previ, uma das fundações com maior carteira em imóveis, já propôs o uso de fundos imobiliários exclusivos, que seriam utilizados para os novos investimentos, mantendo a carteira antiga.
É de bom alvitre sublinhar que a Previ passa por uma crise estrutural e um ajuste temporário é imperioso, lembrando que a sustentabilidade de longo prazo é o principal objetivo de qualquer fundo de previdência complementar.
De outra banda, a Previc entende que as fundações devem ter um leque de opções para buscar a rentabilidade para seus participantes e ressalta que fundos estrangeiros de previdência investem no país em imóveis, como prédios corporativos e shoppings, enquanto os locais não poderiam usufruir dessa carteira.
Além disso, estabelecer uma data que colocaria pressão nos preços dos imóveis à medida que o vencimento se aproximar, será certamente um enorme prejuízo aos participantes dos planos.
Nestes sete anos desde a criação de normas, as fundações mantiveram os ativos, sem desinvestimentos relevantes. Segundos dados da Abrapp, imóveis representavam 3,7º por cento do patrimônio dos fundos em 2018, equivalente a um montante de R$32 bilhões. Ao fim de 2023, eram 3,1% do patrimônio, somando R$37 bilhões. O diretor de uma das fundações disse à mídia que tem evitado novos aportes no segmento, dando preferência a cotas de fundos, mas manteve o portfólio que já tinha e aguarda o andamento do debate na agência.[ix]
A reforma tributária no Brasil é uma necessidade amplamente reconhecida, especialmente quando consideramos sua relação direta com a previdência complementar. A simplificação e a modernização do sistema tributário são passos fundamentais para criar um ambiente econômico mais eficiente e competitivo, que possa incentivar o crescimento e a formalização do mercado de trabalho.
Nesse contexto, a previdência complementar se torna uma peça-chave, não apenas como alternativa ao regime público, mas também como um meio de promover a poupança de longo prazo e garantir um futuro financeiro mais seguro para os trabalhadores. No entanto, para que a previdência complementar desempenhe seu papel de maneira eficaz, é crucial que a reforma tributária considere suas especificidades, assegurando que os incentivos fiscais sejam mantidos e potencialmente ampliados.
A harmonização entre o novo sistema tributário e as políticas de previdência complementar pode criar um círculo virtuoso, onde a população se sinta incentivada a planejar sua aposentadoria de forma mais robusta e independente. Além disso, é necessário que haja uma conscientização crescente sobre a importância desse planejamento, tanto por parte dos indivíduos quanto das empresas, para garantir um futuro sustentável e próspero.
Por fim, enquanto o Brasil avança nas discussões e implementações de reformas essenciais, é vital que se mantenha o foco na criação de um sistema que equilibre a justiça fiscal com o incentivo à poupança e ao investimento de longo prazo. A previdência complementar, integrada a uma estrutura tributária eficiente, pode ser o alicerce para um futuro onde todos tenham a oportunidade de envelhecer com dignidade e segurança financeira.
Porto Alegre, 21 de agosto de 2024.
[i] Voltaire Marensi. A Nova lei da Previdência Complementar Comentada. Editora Síntese, outubro de 2001.
[ii] Lei nº 6.435, de 15 de julho de 1977.
[iii] Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001.
[iv] Voltaire Giavarina Marensi. Previdência Privada. Legislação e Normas, 2ª edição. Editora Síntese Ltda, 1981. Seção V. das Operações, página 21.
[v] Artigo 63 da Lei 6.435/77.
[vi] Excerto da reportagem abaixo identificada.
[vii] https://forbes.com.br/forbes-money/2024/08/vale-a-pena-investir-em-previdencia-privada.
[viii] Artigo 833, incisos IV e VI do CPC.
[ix] Previc sugere mudar regra que obriga fundos de pensão a vender imóveis; Fazenda avalia. Fundações devem se desfazer da carteira até 2030, segundo norma estabelecida em 2018.Por Maria Luíza Filgueiras — São Paulo, 19/08/2024.
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