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Utilização exclusiva, por um dos herdeiros, de imóvel pertencente ao autor da herança
Amanda de Paula Chaves[1]
É de conhecimento notório que após o falecimento de um ente querido inicia-se um processo, em regra, moroso para a partilha de bens, especialmente, nas hipóteses em que os herdeiros discordam do plano de partilha. Nesse cenário, emerge uma situação muito comum: a utilização exclusiva, por um dos herdeiros, do imóvel pertencente ao autor da herança. Diante disso, os herdeiros afastados da composse do imóvel teriam direito de receber aluguel proporcional ao seu quinhão?
Nos termos dos artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil, com a abertura da sucessão, a herança transmite-se, desde logo, como um todo unitário, aos herdeiros legítimos e testamentários, sendo que, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, regula-se pelas normas relativas ao condomínio. Logo, se determinado imóvel da herança for ocupado exclusivamente por um único herdeiro, tolhendo o uso por parte dos demais herdeiros, torna-se possível o arbitramento de aluguéis (CC 1.319).
Essa pretensão se funda justamente no princípio da vedação do enriquecimento sem causa, pois, nesse caso, o herdeiro privado da utilização do bem deixaria de receber os frutos que poderiam advir da exploração econômica de imóvel.
Nessa circunstância, não é necessário aguardar o trânsito em julgado da ação de inventário para se pleitear a indenização pelo uso exclusivo do bem, isso porque, a transmissão da legítima aos herdeiros ocorre imediatamente no momento do óbito (princípio de saisine). Obtempera-se, todavia, que esse direito não é automático. Em hipóteses assim, se os demais herdeiros se mantiverem inertes, sem qualquer oposição, sem exigir em juízo uma indenização por uso exclusivo da coisa e sem reivindicar a composse e a copropriedade, nada receberão.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, os aluguéis, por uso exclusivo de bem imóvel pertencente ao espólio, são devidos somente após a efetiva oposição, judicial ou extrajudicial, dos demais herdeiros. A saber, somente com a manifestação inequívoca de discordância dos demais herdeiros se encerra o comodato gratuito que antes vigorava. Confira o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito dessa matéria:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COPROPRIEDADE DE TERCEIRO ANTERIOR À ABERTURA DA SUCESSÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83 DO STJ. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283 DO STF. SUPRESSIO. FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. SÚMULA N. 284 DO STF. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. COMPENSAÇÃO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. Inexiste afronta aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 quando a Corte local pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. Inadmissível o recurso especial quando o entendimento adotado pelo Tribunal de origem coincide com a jurisprudência do STJ (Súmula n. 83 do STJ).
3. A Segunda Seção do STJ assentou que "a copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito" (EREsp n. 1.520.294/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 26/8/2020, DJe de 2/9/2020).
4. Ademais, nos termos da jurisprudência desta Corte, "o coproprietário que ocupa o imóvel, de forma integral e exclusiva, deve pagar aluguel aos demais condôminos, na proporção de sua quota. Assim, se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização, mediante o pagamento dos alugueres, àquele que se encontra privado da fruição da coisa" (AgInt no AgInt no AREsp n. 2.215.613/SP, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023).
[...]
(AgInt no AREsp n. 1.764.758/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/11/2023, DJe de 1/12/2023.)
Por todo o exposto, depreende-se que a obrigação de pagar aluguéis deve incidir somente após o herdeiro que exerce a posse exclusivas sobre o imóvel ser constituído em mora, isto é, a partir da citação na ação de arbitramento de aluguéis, intimação na ação de inventário ou notificação extrajudicial, o importante é quer ele tenha ciência inequívoca da oposição dos coproprietários ao uso exclusivo do bem sem o pagamento da devida contraprestação.
Ressalta-se ainda que o uso exclusivo do imóvel por um dos herdeiros o responsabilizará pelo pagamento das despesas de água, energia elétrica e IPTU referentes ao bem, vencidos a partir da notificação extrajudicial e enquanto perdurar a ocupação.
Em suma, é plenamente possível que os herdeiros privados da fruição do imóvel ocupado (para fins comerciais ou residenciais), de forma exclusiva, por um dos sucessores pleiteiem o pagamento de uma indenização. Entretanto, há peculiaridades inerentes a cada caso, por isso, é imprescindível que os herdeiros busquem uma orientação jurídica direcionada especialmente para a sua situação.
[1]Advogada associada ao Gonçalves, Macedo, Paiva e Rassi Advogados. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público. Membro da Comissão de Direito das Famílias da Seccional de Goiânia, Goiás. Membro da Comissão de Direito das Sucessões da Seccional de Goiânia, Goiás. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM.
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