Artigos
A empresa cresce, mas se o dinheiro não foi para o sócio não o enriqueceu. Está certo isso?
Por Daniel Bijos e Joana Braga*
Não é segredo que como qualquer ferramenta o planejamento patrimonial e sucessório pode ser usado para o bem e para o mal. Aqueles que o fazem bem intencionados querem organizar os seus bens e deixar seu legado devidamente orientado para os herdeiros e sucessores, com regras claras e devidamente estabelecidas. No entanto, há pessoas que se casam com “uma mão na frente outra atrás”, constroem um império e não querem dividir com o cônjuge as glórias alcançadas quando se separam.
E há julgados do STJ que ratificam isso. O Resp (Recurso Especial) nº 1.595.775 – AP é um exemplo disso. O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, entende que a capitalização de reservas e lucros decorrente da própria atividade empresarial constitui produto da sociedade por incrementar o capital social da empresa e o lucro que não é distribuído aos sócios não integra o acervo comum do casal tendo em vista pertencer apenas à sociedade e não ao sócio.
Com esse pensamento, o ministro decidiu que o montante que não chegou diretamente às mãos do sócio via distribuição de lucros, mas foi parar na reserva de lucros da empresa não pode ser objeto de partilha quando do fim da união estável, pois não está incluída no conceito de fruto do atual Código Civil (art. 1.660, inciso V).
Esmiuçando o que o ministro quis dizer, o lucro distribuído ao sócio representa um efetivo acréscimo patrimonial e será passível de comunicabilidade passando a integrar o acervo comum do casal. Já o lucro destinado à conta de reserva de lucros, não sendo distribuído aos sócios, não há se falar em acréscimo patrimonial. Ou seja, se vai para a reserva e não é distribuído pertence à sociedade e não ao sócio.
A fim de consertar o mal feito pelo Código Civil de 2002, o Anteprojeto de Reforma conduzido pela Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil sugere a inclusão clara de dispositivos em sentido contrário.
Para os especialistas da Comissão, a nova redação traria as seguintes previsões legais no art. 1660: “Entram na comunhão: VIII – a valorização das quotas ou das participações societárias ocorrida na constância do casamento ou da união estável, ainda que a aquisição das quotas ou das ações tenha ocorrido anteriormente ao início da convivência do casal, até a data da separação de fato; IX – a valorização das quotas sociais ou ações societárias decorrentes dos lucros reinvestidos na sociedade na vigência do casamento ou união estável do sócio, ainda que a sua constituição seja anterior à convivência do casal, até a data da separação de fato”.
Há quem diga que a valorização da quota social é decorrência de um fenômeno econômico e não há esforço do cônjuge, o que impediria que no momento da partilha essa valorização entrasse na comunhão. Outro argumento sugere que os lucros auferidos pela empresa não são injeção de patrimônio do sócio, mas evolução desse patrimônio e então não se comunicariam.
Muitos fazem um paralelo com um imóvel: se na comunhão parcial de bens um dos cônjuges adquiriu uma casa antes do relacionamento, ela não integra a partilha e se durante o relacionamento houve valorização imobiliária, ela não se comunica. Então tal raciocínio deveria ser o mesmo no caso de empresas e participações societárias.
Os órgãos fazendários quando analisam um planejamento tributário abusivo argumentam que o contribuinte não pode fazer arranjos societários e contábeis somente para economizar imposto, há que se ter o tal do propósito negocial e a racionalidade empresarial.
Fazendo um paralelo com o planejamento tributário, o planejamento patrimonial e sucessório deveria ter também esse propósito negocial quando analisado no momento da partilha: o sócio fez o que fez porque não queria dividir os louros com o cônjuge e fugir da partilha de tais bens? Ou mesmo: isso foi um acerto livre e consciente entre cônjuges – que não deveria ter interferência do estado?
No já mencionado Resp 1.595.775, o STJ estabeleceu que o valor a ser considerado na partilha é o total do capital social integralizado na data da separação. Então abre-se uma empresa com capital de R$1.000,00, compram-se bens imóveis e quotas de outras sociedades, por exemplo, elevando o patrimônio líquido ao valor de R$100.000.000,00, mas o cônjuge só recebe R$500,00. Não parece certo – a não ser que isso seja um pacto real e válido entre os cônjuges.
Ou seja, entre afirmar que o certo é avaliar o patrimônio líquido onde se encontra todo o capital próprio da empresa, isto é, o capital dos sócios, suas reservas e o lucro acumulado; ou entre dizer que o correto é o capital social sobre os quais os sócios se acertaram... o mais certo é o estado parar de intervir na vontade de pessoas livres e capazes. Ninguém se casa para se separar, mas têm sim liberdade para determinar se o que estão construindo faz parte de uma comunhão de esforços ou não.
*Daniel Bijos Faidiga é advogado especializado em planejamento patrimonial, nova economia, assuntos digitais e sócio da LBZ Advocacia. Especialista em Processo Civil pela PUC/SP e Mestre em Direito Constitucional, possui MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI, extensão em Direito Internacional em Genebra, em Direito Falimentar pela FGV, em Estratégias de Mentoria Empresarial e Liderança por Harvard. Cursou LL.M. em Direito Societário e Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. É acadêmico de economia e entusiasta de Blockchain e criptoativos.
*Joana Bethonico Braga é advogada e graduada em jornalismo, com pós-graduação em Direito Civil e especialização em Direito Empresarial. Trabalha com planejamento patrimonial e sucessório na LBZ Advocacia.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM