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De Coração Partido a Dono de Imóvel: O Poder da Usucapião em Casos de Abandono do lar
Resumo do artigo: Abandono do lar pelo marido, o que fazer? Descubra como a usucapião pode ser a sua aliada em momentos difíceis. Este artigo tem como objetivo explicar como e quando está caracterizado o abandono do lar para fins de usucapião familiar, proporcionando uma análise detalhada de seus requisitos. Destacando a legislação correlata e a jurisprudência, com resposta á dúvidas de como proceder em caso do abandono, e a competência para possível ação.
Palavras-chave: abandono do lar; usucapião familiar; competência judicial; requisitos da usucapião familiar.
Maria acordou numa manhã de domingo e encontrou um bilhete na mesa da cozinha: seu marido havia partido, deixando-a sozinha com duas crianças e uma casa para sustentar.
"Ele se foi sem olhar para trás, mas seus direitos não precisam ir junto. Descubra como a usucapião pode ser a sua aliada em momentos difíceis."
O que é o abandono do lar?
O abandono do lar ocorre quando o marido/esposa/companheiro/companheira sai de casa e deixa todos sem qualquer notícia.
Aqui cabe um importantíssimo esclarecimento: o abandono deve ser voluntário. Não há abandono quando por exemplo ele/ela se afasta do lar por ordem judicial, ou se foi "expulsa" do lar por violência doméstica e fundado temor quanto à segurança de sua integridade física ou a de seus filhos.
Também não se caracteriza abandono do lar se a pessoa que se afastou fisicamente dá sinais de que não se afastou dos cuidados para com sua família, e tampouco se descuidou de suas responsabilidades com os filhos, também, por exemplo, quando paga os tributos do imóvel, ajuíza ação de divórcio...
Inclusive, não pode haver as famosas idas e vindas...
Então, confere o que pode ser feito.
Usucapião familiar por abandono do lar. Essa modalidade de usucapião foi criada pela Lei 12.424 de 2011, no qual inseriu o artigo 1.240-A do Código Civil:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
Então, quanto tempo é considerado abandono do lar?
2 anos. E esse prazo só pode começar a contar após a vigência da lei, ou seja, 16/06/2011.
Devemos considerar que essa questão de abandono serve para ambas as partes: homem e mulher, apesar ser mais comum o homem sair.
A propósito, a usucapião por abandono do lar, pode ser aplicado a qualquer espécie reconhecida de entidade familiar, sejam elas hétero ou homoafetiva, especialmente depois que o STF reconheceu como entidade familiar as uniões estáveis homoafetivas que preencham os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil:
"É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família."
Neste sentido, o Enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:
"A modalidade de usucapião prevista no artigo 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetiva".
O que preciso comprovar para que seja caracterizado o abandono do lar e conseguir a propriedade pela usucapião familiar? Requisitos
1. O abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro;
2. Por 2 (dois) anos ininterruptos e sem oposição;
3. Com posse direta e com exclusividade sem oposição;
4. Imóvel urbano de até 250m²;
5. Que tenha copropriedade com o cônjuge ou companheiro que abandonou o lar;
6. Utilizado para moradia própria ou da família;
7. Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
8. Não pode haver prestação de assistência material ou mesmo a sustentação do lar por quem abandonou o imóvel;
No caso do imóvel rural, a lei foi omissa. Esperamos que a jurisprudência preencha a lacuna existente, porque o objetivo da lei foi preservar a dignidade da família, e não somente o direito à moradia, mostra-se igualmente possível a usucapião familiar rural.
Não é necessário que haja o divórcio, basta tão somente à situação fática da separação (Enunciado 501 do CJF).
Abandono do lar em caso de violência doméstica
É fundamental esclarecer de uma vez por todas que, se a esposa abandonar o lar devido à violência doméstica, ela não perde seus direitos. Nessas circunstâncias, sair do lar conjugal é essencial para preservar sua integridade física. Não faz sentido imaginar que a mulher, além de ser aterrorizada, deva ser punida por tentar salvar sua vida ou a de seus filhos. Se o marido é uma pessoa violenta, a prioridade é manter-se segura, e para isso existem as medidas protetivas da Lei Maria da Penha.
Qual a competência para a ação de usucapião familiar - abandono do lar?
Depende.
A jurisprudência é controvertida. Majoritariamente a competência será da Vara Cível do local do imóvel, conforme artigo 47 do Código de Processo Civil, já que se trata de ação de natureza real, relacionada à posse e à propriedade do imóvel, e não a questões familiares.
Porém...
Se o pedido de usucapião é combinado com outros pedidos de direito de família, como divórcio, alimentos, ou guarda, nesse caso, a competência será da Vara de Família.
Conclusão
O abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro pode trazer sérias implicações legais, mas a usucapião familiar oferece uma solução para garantir a segurança e estabilidade de quem permanece na residência.
Essa modalidade, regulada pela Lei 12.424/2011, permite que o cônjuge que ficou no imóvel adquira a propriedade integral após dois anos de posse ininterrupta e exclusiva. É crucial entender os requisitos e as nuances desse processo, bem como a competência judicial para o ajuizamento da ação.
Dessa forma, é possível transformar uma situação difícil em uma oportunidade de assegurar o futuro do lar e da família.
Autora: Mariana Maiolino Freitas de Viveiros, advogada atuante há mais de 14 anos, especialista em direito de família e sucessões. Pós-graduada em direito e negócios imobiliários. Membro da comissão de direito sucessório da OAB/MG. Membro do IBDFAM/MG.
www.mvmadvocacia.com.br
Referências
12424/2011 Lei Legislação [Livro]. - 2011.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm [Online].
Madaleno Rolf Direito de Família [Livro]. - [s.l.] : Gen, 2021.
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