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O cuidado como valor jurídico
"As leis não bastam, os lírios não nascem das leis".
Os versos de Carlos Drumond de Andrade e a obra de Leonardo Boff conduziram-nos à efetiva reflexão sobre a perspectiva de identificar o "cuidado" dentro do ordenamento jurídico.
A partir da percepção e convencimento de que as relações sócio-afetivas passaram a ser reconhecidas de forma significativa no Direito de Família, não podemos afastar a possibilidade de incluir neste contexto o "cuidado" como um valor jurídico.
Podemos apontá-lo como atributo importante nas relações familiares e institucionais, especialmente de proteção e atendimento às crianças, aos jovens ou aos idosos. Compõem a idéia do "cuidado" nas relações de conjugalidade o respeito, a atenção, o apoio, a compreensão, o afeto, a solidariedade e a proteção, enfim, atitudes marcadas pela reciprocidade.
Tratando-se de crianças, a idéia do cuidado extrapola uma maternagem exemplar; o aconchego, o carinho, a delicadeza, o afeto devem completar os valores que envolvem as responsabilidades pessoais e institucionais.
No processo educacional, a idéia do "cuidado" deve envolver, ainda, o desenvolvimento integral de crianças e jovens, respeito e efetivo conhecimento das dificuldades próprias e alheias, consciência dos direitos e deveres que envolvem a vida em sociedade.
A todos estes elementos se somam a paciência e a tolerância com os idosos, como desafios permanentes no cotidiano familiar, nos hospitais e nas entidades de atendimento. Busca-se reconhecer no universo jurídico interno e na normativa internacional esses e outros incontáveis atributos que compõem o "cuidado" na dimensão dos direitos fundamentais.
A investigação dos elementos que compõem seu conteúdo valorativo pode nos ajudar a identificá-lo, não só na dimensão dos direitos, como no âmbito dos deveres e obrigações, diante de descuidos, descasos, omissões, discriminações e negligência, convocando-nos a indicar alternativas, diretrizes e uniformizações de procedimentos que nos conduzam ao reconhecimento do valor "cuidado" pelo sistema jurídico, tão resistente às mudanças e às contribuições de outras ciências.
O cuidado deve informar as relações privadas e institucionais. Efetivas violações vinculadas à falta de responsabilidade e compromisso, devem justificar a mobilização das forças cogentes do Estado.
Leonardo Boff nos convoca a vivenciar um ser humano completo, sensível, solidário, cordial e conectado com tudo e com todos no Universo. Para ele, "sem o cuidado o homem se faria inumano".
Abandonando a dimensão de um Poder Judiciário elitizado e o excesso do academicismo com que são tratadas as relações humanas, também deve ser nosso compromisso contribuir para a humanização do Sistema de Justiça, informado, sobretudo, pelo princípio da dignidade humana.
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