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Ação de petição de herança cumulada com ação de investigação de paternidade post mortem - a polêmica e a fixação do termo inicial para a contagem do prazo prescricional
Jéssica Guilherme Yamada
Advogada
Especialista em Direito de Família pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo
RESUMO
A investigação de paternidade é o instrumento efetivo para buscar o reconhecimento da filiação forçado perante o Poder Judiciário e, assim, garantir o direito de personalidade, o qual, possui natureza personalíssima, indisponível e imprescritível. Com a sentença de procedência da filiação, o herdeiro fará jus ao seu direito sucessório. A ação de investigação de paternidade poderá ser ajuizada em face do suposto pai falecido para obtenção da totalidade ou quinhão do acervo hereditário, ou seja, almejando o patrimônio do de cujus o sucessor não reconhecido deverá ajuizar a ação de investigação de paternidade post mortem cumulada com petição de herança. Acontece que, reiteradamente, surge indagação quanto à prescrição. Apesar da celeuma causada entre posições diferentes, o Superior Tribunal de Justiça fixou o termo inicial da contagem da prescrição. Assim, o objetivo deste artigo é conceituar a ação de investigação de paternidade e petição de herança, abordar a incidência da prescrição quando cumuladas, promover o debate quanto a polêmica do termo inicial da incidência da prescrição e, por fim, expor a fixação do termo inicial para contagem da prescrição definida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Investigação de paternidade; Petição de herança; prescrição; contagem prescrição.
ABSTRACT
The paternity investigation is the effective instrument to seek the recognition of forced affiliation before the Judiciary and, thus, guarantee the right of personality, which has a very personal, unavailable and imprescriptible nature. With the sentence of origin of the affiliation, the heir will be entitled to his inheritance right. The paternity investigation action may be filed in the face of the supposed deceased father to obtain all or part of the hereditary assets, that is, aiming at the assets of the deceased, the unrecognized successor must file the post mortem paternity investigation action combined with inheritance petition. It turns out that, many times, a question arises regarding the prescription. Despite the controversy caused between different positions, the Superior Court of Justice set the initial term for counting the prescription. Thus, the objective of this article is to conceptualize the action of paternity investigation and inheritance petition, address the incidence of prescription when combined, promote debate regarding the controversy over the initial term of the incidence of prescription and, finally, expose the fixation of the term initial period for counting the prescription defined by the Superior Court of Justice.
Keywords: Patenity investigation; inheritance petition; prescription.
SUMÁRIO
2. ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA.. 7
1. INTRODUÇÃO
As normas constitucionais reconhecem a imprescritibilidade e indisponibilidade das ações que envolvem direito da personalidade. Dentre as hipóteses do direito a ser invocado, há o reconhecimento da filiação, ou seja, reconhecimento da paternidade quando o filho não tiver sua filiação reconhecida voluntariamente.
O filho não reconhecido poderá propor a ação de investigação de paternidade em face do suposto pai para obter todos os direitos inerentes a personalidade e, posteriormente, as garantias sucessórias. Inova a lei, ao estabelecer que a ação poderá ser ajuizada enquanto o réu for vivo ou post mortem, visto à imprescritibilidade da ação.
Com isso, poderá o autor requerer o reconhecimento da paternidade e, ainda, quando a parte adversa for falecida, requerer a totalidade ou sua quota-parte da herança. Assim, a ação de investigação de paternidade deverá ser cumulada com petição de herança.
Ocorre que, com o acúmulo das ações, a questão da incidência e o termo inicial da contagem do prazo prescricional gera posições diversas na doutrina e jurisprudência, devido à natureza condenatória e patrimonial.
Uma parcela da doutrina entende que a declaração da filiação é imprescritível, o que não ocorre com a ação de petição de herança, depois do transcurso do prazo prescricional (10 anos, regra geral), não poderá o herdeiro reivindicar seu quinhão hereditário.
Em contrapartida, a corrente contrária sustenta que a ação de petição de herança é imprescritível, pois a demanda busca o reconhecimento do autor como herdeiro legítimo e, sob influência do art. 5º, XXX da Constituição Federal, o direito à herança é indisponível e imprescritível. De outro lado, o Supremo Tribunal Federal sumulou o entendimento de que a ação de petição de herança é prescritível.
A partir disso, outro profundo debate originou-se, isto é, o termo inicial para a contagem do prazo extintivo da ação. O Código Civil, no tocante a aplicação da prescrição, adotou a teoria actio nata, isto é, a contagem inicia-se a partir da ciência da lesão do direito.
A jurisprudência e doutrina consagraram a teoria actio nata subjetiva para contagem do termo inicial da prescrição, ou seja, a partir da ciência da lesão do direito e não mais na data que ocorreu a violação.
Acontece que, no momento da propositura das referidas ações cumuladas, o suposto herdeiro não tem o conhecimento da filiação, sendo assim, inadmissível aplicar a teoria subjetiva na contagem do prazo extintivo, o que gera posições contrárias quanto a fixação do termo inicial.
Com isso, diante da necessidade de estabelecer o termo inicial para a contagem da prescritibilidade da ação de petição de herança, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que o termo inicial para a contagem do prazo prescricional iniciará a partir da abertura da sucessão, o que será exposto neste presente artigo.
Assim, perante a extrema importância do instituto e o debate controverso, o presente artigo tem como principal objetivo abordar a análise da ação de investigação de paternidade e ação de petição de herança, a incidência da prescrição quando cumuladas e, por fim, abordar a polêmica e fixação do termo inicial da contagem do prazo prescricional.
2. ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA
Antes de adentrar no objeto do presente artigo, é necessário abordar em breve síntese os aspectos gerais da ação de investigação de paternidade e a ação de petição de herança, para, por fim, analisar o debate da incidência e posterior fixação do termo inicial da prescrição nas ações cumuladas.
No que tange a ação de investigação de paternidade, trata-se do instrumento jurídico, pelo qual, o filho não reconhecido voluntariamente busca obter o seu reconhecimento forçado. O direito pleiteado é personalíssimo e indisponível conforme art. 27 da lei nº 8.069 de 1990, portanto, a ação é de estado, de natureza declaratória e imprescritível.
Diante disso, visto o caráter imprescritível e a indisponibilidade, os efeitos da sentença retroagirão até a data do nascimento, ou seja, detém o efeito ex tunc conforme art. 1.616 do Código Civil.
Apesar da ação personalíssima ser imprescritível, a referida prerrogativa não atinge o patrimônio do estado da pessoa, assim, não é possível arguir que a imprescritibilidade atinge o direito sucessório. Portanto, “embora a ação seja imprescritível, os efeitos patrimoniais do estado da pessoa prescrevem” (GONÇALVES, 2021, P.123).
Com o reconhecimento judicial da filiação, poderá o filho requerer a obtenção do seu direito sucessório por meio da ação de petição de herança, sem o título judicial que reconheça a paternidade, é inadmitida a ação sucessória.
A ação de investigação de paternidade é, assim, um indeclinável pressuposto para o ajuizamento da ação de petição de herança. Não corre contra o filho não reconhecido a prescrição da ação de petição de herança. Geralmente, essa ação é cumulada com a de investigação de paternidade, estando implícita a anulação da partilha, se já inventariados os bens. O pedido, no entanto, deverá ser expresso nesse sentido. Trata-se de ação que interessa ao espólio, devendo ser citados os herdeiros (GONÇALVES, 2021, p. 123).
Já com relação a ação de petição de herança, o instrumento pertence ao ramo do direito das sucessões, o qual, visa a preservação das relações jurídicas entre o patrimônio deixado pelo falecido e seus respectivos sucessores, ou seja, buscar preservar o patrimônio familiar durante a sua transmissão de inter vivos ou causa mortis.
Diante da relevância da matéria, o legislador consagrou um capítulo exclusivo para o instrumento (art. 1.824 a 1.828 do Capítulo VII, do Livro V - Direito das Sucessões do Código Civil). O Art. 1.824 define que a ação judicial poderá ser proposta pelo herdeiro em face daquele que se encontra na posse dos bens para obter a declaração de herdeiro e, por fim, restituição da herança ou seu respectivo quinhão.
Estabelece o art. 1.824 da codificação material privada que pode o herdeiro, em ação de petição de herança, demanda o reconhecimento de seu direito sucessório para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem o título, a possua. É o caso de um filho não reconhecido que pretende o seu reconhecimento posterior e inclusão na herança (TARTUCE, 2021, p. 1474).
A ação de petição de herança constitui a proteção específica do suposto sucessor, ou seja, é o instrumento eficaz para adquirir reconhecido do herdeiro. Assim, a ação de petição de herança possui como finalidade garantir aos herdeiros legítimos o exercício do direito de se tornarem sucessores.
A ação de petição de herança é uma ação especial, informada de peculiaridades, em função da natureza particular do seu objeto. É ação de quem pretende ver reconhecido o seu direito sucessório, de quem é o titular da herança, para o fim de obter a restituição do patrimônio deixado (GONÇALVES, 2020, p. 145).
Portanto, a ação de petição de herança é o instrumento cível e processual que busca o reconhecimento da qualidade sucessória do herdeiro preterido contra quem está na posse do acervo sucessório e, como consequência, obter o pagamento ou a restituição da herança integral ou parte dela (MADALENO, 2020).
Quanto a natureza jurídica da ação, no âmbito doutrinário, há diversas vertentes que buscam enquadrar a petição de herança em alguns tipos de natureza, sejam essas, real, universal, declaratória e condenatória.
Para Gonçalves (2020) e Tartuce (2021), a ação detém natureza jurídica dúplice, ou seja, primeiramente, a demanda busca o reconhecimento/declaração do autor como herdeiro necessário. Revelando que a ação se trata de declaratória e de estado, pois o que está sendo tutelado é o reconhecimento da condição de herdeiro, em outras palavras, o vínculo parental.
E, ainda, os mesmos doutrinadores, sustentam que a ação visa o ressarcimento ou devolução do patrimônio do de cujus que está em posse de outrem, flagrando-se seu caráter patrimonial e condenatório.
Em contrapartida, Madaleno (2020), sustenta que a ação de petição de herança não possui caráter de estado, pois, para que, o autor ajuíze a ação é necessário o justo título proferido nos autos da investigação de paternidade. Logo, apenas, a ação de investigação ostenta qualidade de estado, já que o seu objeto é o reconhecimento da filiação.
Para Madaleno (2020), a “ação de petição de herança não é, com certeza, uma ação de estado, pois de estado é a investigação de paternidade com a qual possa ser cumulada, mesmo porque a herança só será concedida se julgada procedente a ação de estado (...)” (MADALENO, 2020, p. 285).
Conclui, o civilista que a ação de petição de herança possui natureza real, pois com a procedência do pedido o juízo reconhece o direito sobre a propriedade do patrimônio deixado pelo falecido. É possível que a ação seja cumulada com outras pretensões como investigação de paternidade ou reconhecimento de união estável o que agrega o caráter de ação de estado. Todavia, somente a petição de herança é real (MADALENO, 2020).
A natureza real decorre do fato de que o sucessor busca seu reconhecimento de herdeiro e, posteriormente, deseja a devolução dos bens, ou seja, o objetivo da ação é reconhecimento na condição de herdeiro e a restituição da herança na proporção de sua quota-parte (THEODORO, 2021).
Nesse sentido, conclui-se Dias (2022) que o ato de transferência do patrimônio do falecido para seus herdeiros (sucessão) é considerado bem imóvel, assim, a ação de petição de herança tem natureza real imobiliária.
A ação também possui natureza universal, pois seu objetivo é a restituição de todo o patrimônio e não coisa individualizada, o que difere da ação reivindicatória, pela qual, o autor pleiteia a posse da coisa específica.
Quanto à legitimidade da ação, a demanda o polo ativo é composto pelo suposto herdeiro que busca o reconhecimento do direito sucessório e, ainda, a restituição do acervo hereditário. Já a parte passiva, trata-se do possuidor de todo o patrimônio deixado pelo falecido, isto é, o herdeiro aparente.
Assim, é chamado herdeiro aparente, ou seja, o indivíduo que sustenta a aparência de herdeiro, porém não faz jus ao título. O referido indivíduo não é titular do direito sucessório, contudo, é considerado como herdeiro genuíno e que, por vício, está na posse ilegítima dos bens (GOMES, 2012).
Herdeiro aparente é o que se encontra na posse de bens hereditários como se fosse o legítimo titular do direito à herança. Nessa situação, prática atos que a lei tutela, principalmente em homenagem à boa-fé de terceiros e no propósito de oferecer maior segurança às relações jurídicas. Se a aparência evidencia a realidade, prima o elemento visível sobre o oculto (GOMES, 2012, p. 276).
O herdeiro aparente é considerado como herdeiro genuíno e que, por vício, está na posse ilegítima dos bens. Nesse caso, caberá analisar se o possuidor tem a ciência ou não da posse irregular, a fim de delimitar sua responsabilidade, conforme art. 1.826 do Código Civil.
Quanto a responsabilidade do herdeiro aparente, o Código Civil estabelece proteções distintas ao possuidor de boa-fé ou de má-fé. O herdeiro de boa-fé é aquele que ignora/desconhece a ilegitimidade da posse, estando convicto de que sua posse é legítima, podendo exercer todos os atos da gestão patrimonial, sem qualquer óbice.
É de boa-fé a posse do acervo hereditário quando o herdeiro tinha convicção que era o verdadeiro herdeiro, assim, o vício não era de seu conhecimento. Nesta hipótese, os atos praticados, bem como o recebimento de frutos por ele serão convalidados, a exemplo disso, é a possibilidade do herdeiro aparente alinear os bens do acervo hereditário, sem prejuízo a perdas e danos quando a ação de petição de herança for julgada procedente.
Gerando frutos, estes se estendem ao possuidor de boa-fé e desde que tenham sido percebidos antes do fim Das presunções de boa-fé, aduzindo o parágrafo único do art. 1.826 que a presunção de boa-fé cessa a partir da citação do possuidor do acervo hereditário na ação de petição de herança (MADALENO, 2020, p. 293).
Por outro lado, o possuidor que tinha ciência do erro e mesmo, assim, ostenta a qualidade de real herdeiro, praticando atos ilegítimos para angariar vantagem ilícita, será reconhecido a má-fé do suposto herdeiro, ocasionando em devolução de todo acervo hereditário e perdas e danos.
Para Madaleno (2020) o possuidor de má-fé responderá por todos os frutos percebidos e colhidos e, ainda, por aqueles que deixou de colher, sendo assim, é vedado o direito à retenção, sob à luz dos arts. 1.216,1.218 e 1.220 do Código Civil.
A partir disso, é possível verificar que para o ajuizamento da ação de petição de herança o autor deverá possuir justo título que lhe conferirá todos os direitos sucessórios. Todavia, nem sempre o autor terá sua paternidade reconhecida, sendo usual o acúmulo da ação de investigação de paternidade e petição de herança.
Acontece que nem sempre a qualidade de herdeiro é previamente reconhecida, sendo bastante frequente que as ações de investigação de paternidade sejam cumuladas com petição de herança, pois que pretende o postulante comprovar a sua qualidade de herdeiro e, em decorrência desse reconhecimento, ver separado e pago o seu quinhão hereditário (...) (MADALENO, 2020, p. 281).
Assim, para que o autor faça a propositura das ações cumuladas é necessário observar o prazo prescricional, devido à natureza distinta que ambas ostentam. Portanto, a possível incidência do prazo prescricional e seu debate doutrinário e jurisprudencial serão abordados no item a seguir.
3. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PETIÇÃO DE HERANÇA
Este capítulo tem o objetivo de analisar, brevemente, o conceito e aplicação da prescrição, bem como, abordar o entendimento doutrinário e jurisprudencial na contagem do prazo. E, por fim, explorar possível aplicação da prescrição na ação de investigação de paternidade cumulado com petição de herança.
O Código Civil adotou, expressamente, que a prescrição é a perda ou extinção da pretensão do direito de pleitear em juízo a reparação da lesão (art. 189 do Código Civil). A prescrição consiste na extinção eficácia da pretensão (perda do direito de pleitear em juízo) por não ter sido exercida no prazo legal.
Para ocorrência da prescrição é necessário haver a existência da pretensão, ou seja, a existência do direito violado, inércia do credor, isto é, o não exercício da reparação do direito violado e, por fim, o transcurso do prazo legal. Portanto é necessário observar: a existência do direito, violação do direito, pretensão da reparação em juízo e, por fim, constatar a inércia do autor para postular em juízo.
A finalidade da prescrição é estabelecer segurança nas relações jurídicas, garantir a tranquilidade social em decorrência da certeza que de tal fato está estável com o transcurso do tempo, revelando-se que o instituto é oriundo do princípio da segurança jurídica (VENOSA, 2017).
O direito exige que o devedor cumpra sua obrigação e permite ao credor valer-se dos meios necessários para receber seu crédito. Se o credor, porém, mantém-se inerte por determinado tempo, deixando estabelecer situação jurídica contrária a seu direito, este será extinto. Perpetuá-lo seria gerar terrível incerteza nas relações sociais. Existe, pois, interesse de ordem pública na extinção dos direitos que justifica os institutos da prescrição e da decadência (VENOSA, 2017, P. 498).
Portanto se o titular do direito não provocar o Poder Judiciário para reparar a lesão, sofrerá, como pena, a perda da pretensão. Nesse sentido, “mostra-se que a inércia do titular do direito estará vinculada ao prazo prescricional. Por isso, o desinteresse do titular em pleiteá-lo será o fator determinante para que o tempo elimine de vez qualquer possibilidade de reacender a demanda” (ALMEIDA, 2021, p. 13).
Ocorre que a norma não é expressa quanto ao início da contagem do prazo prescricional, o que acarretou algumas divergências jurisprudenciais. Sabe-se que para haver a pretensão de reparar é necessário a ocorrência da lesão do direito. Assim, indagou-se os doutrinadores acerca do início da contagem do prazo extintivo, seja na data da lesão ou na data da ciência da lesão.
Atualmente, é pacífica a aplicação da teoria actio nata com viés subjetivo, isto é, considera-se que a contagem do prazo se inicia a partir da ciência da violação ou lesão o direito subjetivo.
Apesar do trecho final transcrito, constata-se que a lei, a jurisprudência e a própria doutrina têm levado em conta esse conhecimento para os fins de fixação do termo a quo da prescrição, construindo uma teoria da actio nata com viés subjetivo (TARTUCE, 2019, P. 723).
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça adotou a corrente doutrinária para determinar que o termo inicial da contagem da prescrição iniciará a partir da ciência da violação do direito, não apenas da lesão, aplicando-se a teoria actio nata. Assim, é o entendimento do Ministro Erhardt (2021) proferido no julgado do AgInt no REsp 1737182 MA:
Reitero que o entendimento do acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que, em conformidade com a Teoria da Actio Nata, o termo inicial para o ajuizamento da ação em que se busca a reparação de danos é a ciência inequívoca, pelo titular do direito subjetivo violado, acerca da existência do fato e da extensão de suas consequências (ERHARDT, M. 2021, p. 5)
Ocorre que a aplicação da referida teoria nas ações de investigação cumulada com petição de herança não é pacífica, acarretando posições diversas ao comando normativo e, ainda, sendo aplicado de forma contrária à norma, o que será exposto a seguir.
A partir do breve exposto do instituto da prescrição, é necessário observar sua aplicação às ações de investigação de paternidade e petição de herança. Diante do caráter duplo da referida demanda, ainda, há uma grande celeuma doutrinária e jurisprudencial no tocante a prescritibilidade da ação.
A ação de investigação de paternidade tem o nítido caráter declaratório, a qual, o suposto filho busca o reconhecimento da filiação pela via judicial, exercendo, assim, seu direito de personalidade.
É através daquele instrumento que há o reconhecimento da filiação entre pai e filho pela via judicial, isto é, o Poder Judiciário busca tutelar o direito personalíssimo do filho não reconhecido voluntariamente, seja por ter havido fora do casamento ou abandono (ALMEIDA, 2021).
O direito de reconhecimento da paternidade possui caráter personalíssimo, trata-se de garantia fundamental resguardada pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e Adolescente (lei nº 8.069 de 1990) podendo, portanto, ser reconhecido a qualquer momento conforme art. 27 da lei nº 8.069/90.
No Brasil, são imprescritíveis as pretensões decorrentes de direitos indisponíveis sobre os quais não se pode praticar ato algum de disposição, transferência ou renúncia, como no caso dos direitos da personalidade, direito de estado, direito potestativos ou formativos e as ações puramente declaratórias. (THEODORO JUNIOR, 2021, p. 4)
Conclui-se que a ação de investigação de paternidade possui natureza declaratória e de estado, ou seja, declara a filiação entre as partes e tutela o direito de personalidade. Ainda, tendo em vista que está relacionada ao estado de pessoas e dignidade humana, a ação não está sujeito à um prazo prescricional.
A paternidade é o requisito jurídico necessário para a propositura da ação de petição de herança, portanto, as ações são interligadas entre si, o que, em tese, a imprescritibilidade seria aplicada nos dois casos (ALMEIDA, 2021).
Atualmente, a imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade, não se estende quando esta for acumulada com petição de herança. O entendimento foi chancelado pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula 149, isto é “é imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. Todavia, a matéria ainda traz discussões doutrinárias e jurisprudenciais, acarretando posições diversas e na instabilidade jurídica.
Contudo, a ausência de uma regulamentação normativa colaborou para um cenário de incertezas, dúvidas e hesitações, em relação, inclusive, à própria existência de um prazo extintivo. Sobre o tema, a prestigiosa literatura jurídica nacional não conseguiu, até hoje, chegar a um consenso (FARIAS, 2021 p. 5)
Assim, a ação de investigação de paternidade tem o caráter declaratório e de estado, a qual, busca assegurar o direito de personalidade do autor, diferentemente da ação de petição de herança que possui o cunho patrimonial, sendo, portanto, prescritível. Ocorre que, o entendimento sumulado, é, ainda, pauta de intensos debates e sem consenso quanto à prescrição.
Conforme os ensinamentos da magnata civilista Giselda Maria Fernandes Hironaka (2007), a ação de petição de herança é imprescritível, pois a demanda busca o reconhecimento do autor como sucessor legítimo da herança deixada e, por isso, a condição de herdeiro é imprescritível, em observância à Constituição Federal de 1988.
A petição de herança não prescreve. A ação é imprescritível, podendo, por isso, ser intentada a qualquer tempo. Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde (semei heres semper heres), assim como o não exercício do direito de propriedade não lhe causa extinção. A herança é transferida ao sucessor no momento mesmo da morte de seu autor, e, como se viu, isso assim se dá pela transmissão da propriedade do todo hereditário. Toda essa construção, coordenada, implica o reconhecimento da imprescritibilidade da ação que pode ser intentada a todo tempo, como já se afirmou (HIRONAKA, 2007, p. 202).
Ainda, a doutrinadora conclui que o recebimento e o direito de poder usufruir a herança é pressuposto fundamental ao indivíduo, o que, acarretaria a imprescritibilidade do exercício do direito. Afirmar que a ação possui prazo de extinção é ferir os princípios e direitos fundamentais da constituição, em específico o art. 5º, XXX do Texto Maior.
Em consonância, Gomes (2012) sustenta que a ação possui princípios que denotam a sua imprescritibilidade, pois, o que se busca é a qualidade do herdeiro e, posteriormente, a restituição da posse dos bens. Significa dizer que a restituição do patrimônio é consequência do reconhecimento da filiação, logo a ação deveria ser imprescritível.
No rigor dos princípios, a ação é imprescritível. Ainda que tivesse natureza real, não prescreveria, como não prescreve a ação de reivindicação, a que se equipararia. Fosse ação pessoal, também seria imprescritível porque, destinada ao reconhecimento da qualidade hereditária de alguém, não se perde esta pelo não uso. Busca-se um título de aquisição. Seu reconhecimento não pode ser trancado pelo decurso de tempo. Há de ser declarado, passem ou não os anos (GOMES, 2012, p. 279).
Afirmam os doutrinadores que, em obediência aos princípios, a ação de petição de herança é imprescritível, mesmo que possua caráter condenatório, pois a premissa, primordial, é o reconhecimento da condição de herdeiro e, por fim, a garantia do direito à herança.
Em contrapartida, a outra parcela da doutrina reconhece a prescritibilidade da ação de petição de herança devido ao seu caráter patrimonial e condenatório, isto é, a restituição do acervo hereditário e, ainda, possível condenação pecuniário quando o herdeiro aparente estar de má-fé (FARIAS, 2021).
Afronta a técnica, então, emprestar um tratamento de imprescritibilidade a uma pretensão condenatória. Para além disso, causaria uma grande insegurança nas relações sociais autorizar a reclamação do quinhão hereditário dezenas de anos depois da abertura da sucessão (= morte) e da própria partilha (FARIAS, 2021, p. 7).
Logo, a possível tese de que a prescritibilidade da ação de petição de herança afrontaria o direito fundamental à herança estabelecido no art. 5º, XXX da Constituição Federal de 1988, não merece prosperar, pois o Texto Maior, em momento algum, confere o caráter imprescritível à herança.
O prazo extintivo na petição de herança, possibilita ao herdeiro o efetivo exercício de obter o acervo hereditário durante o determinado período de tempo, não há negação ou minimização do manuseio da ação de petição de herança para restituir seu patrimônio.
No ponto, inclusive, vale a lembrança de que os direitos fundamentais não se revestem de caráter absoluto, podendo sofrer relativização em homenagem a outros valores, como a segurança jurídica. Assim, permanece hígido o direito à herança quando se faculta ao titular o seu pleno exercício no lapso temporal estabelecido para o exercício das pretensões patrimoniais(...). Ademais, ad argumentandum tantum, se a tese de prescritibilidade afrontasse o direito à herança, também haveria de ser reconhecida a inconstitucionalidade das normas punitivas da indignidade e da deserdação e da própria tributação da transmissão causa mortis (FARIAS, 2021, p. 8).
O entendimento doutrinário e jurisprudencial, não violou o direito fundamental à herança, apenas, limitou o exercício da ação por um determinado tempo, visto a natureza condenatória da ação.
Considerando que a lei civilista é omissa quanto a fixação do prazo extintivo do direito para ação e petição de herança será aplicado a regra geral, a qual estabelece, que a prescrição é decenal conforme art. 205 do Código Civil.
Apesar da controvérsia da aplicação da prescrição, há, ainda, outro dissenso, atualmente, já solucionado, quanto o termo inicial da contagem do prazo extintivo, sendo inclusive pauta de posições diversas entre as Turmas do Superior Tribunal de justiça. Assim, o próximo item será destinado à análise do início do prazo prescricional da ação de petição de herança.
4. DO CELUMA QUANTO AO TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO DE AÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA. UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL: RECURSO ESPECIAL Nº 1.475.759 E AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 479.648
Após o debate da incidência da prescrição nas ações de investigação de paternidade post mortem cumulada com ação de petição de herança, o ultrapassado dissenso estava atrelado ao termo inicial da contagem do prazo extintivo.
Conforme estabelece o Código Civil, o termo inicial da contagem do prazo prescricional começa a fluir a partir da violação do direito (teoria actio nata), ou seja, com o início da ciência da violação do direito material (art. 189 do Código Civil). Todavia, quando o objeto é o reconhecimento da filiação e obtenção do acervo hereditário simultâneo não há consenso perante a jurisprudência e doutrina.
Quando se tem ajuizada apenas a ação de petição de herança, não há muita divergência em torno de que o prazo prescricional da pretensão desse petitório deva ser contado da abertura da sucessão. Já quando envolve ação de investigação de paternidade cumulada com ação de petição de herança, a polêmica aumenta exponencialmente (THEODORO JÚNIOR, 2021, p. 12)
Quanto ao início do prazo prescricional, desde que fora reconhecido a prescritibilidade da ação, ficou sedimentado de que o termo se inicia após a abertura da sucessão, ou seja, com a morte do autor da herança (THEODORO JÚNIOR, 2021).
Ocorre que o entendimento trouxe diversos debates jurídicos, pois há situações em que o autor não tem ciência da sua qualidade de herdeiro, seja porque fora excluído do ambiente familiar ou não tenha a paternidade reconhecida, contradizendo a teoria actio nata.
Quando a ação de petição de herança for cumulada com investigação de paternidade é notório que o suposto sucessor não tem certeza da qualidade de herdeiro, sendo inviável a contagem do prazo a partir do falecimento do autor da herança.
Para Farias (2020), apesar da regra geral fundamentar-se na teoria da actio nata, ou seja, a prescrição começa a partir da violação do direito, a jurisprudência deve reconhecer a possibilidade de o suposto herdeiro não ter conhecimento de sua condição de tal modo que é impossível reclamar pelo direito sem ter ciência que o faz jus.
Assim, conclui o doutrinador “enquanto não obtiver a afirmação de sua parentalidade, não tem legitimidade para participar da partilha e, assim, não pode estar submetido à contagem prescricional.” (FARIAS, 2020, p. 15). Logo, não há que se falar em incidência do prazo prescricional a partir da abertura da sucessão.
De forma revolucionária ao entendimento majoritário e doutrinário anterior, em 2016, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que o início do prazo prescricional começa a partir do reconhecimento da filiação, pois é nesse momento que há o surgimento da pretensão reivindicatória (REsp 1.475.759/DF).
No caso em questão, a controvérsia jurídica estava atrelada com relação ao início da contagem do prazo prescricional para a propositura da ação de petição de herança, visto à ausência de reconhecimento da paternidade.
A ação de investigação de paternidade foi julgada procedente, assim, o titular do direito propôs a ação de petição de herança, após 10 anos da abertura do inventário do genitor. A defesa sustentou pela extinção da demanda, visto que estava prescrita (art. 205 do Código Civil).
O Ministro João Otávio de Noronha do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que a prescrição surge a partir da violação do direito, visto a aplicação da teoria actio nata e o art. 189 do Código Civil. No caso concreto, o autor desconhecia sua qualidade de herdeiro, sendo ilegítimo para reivindicar o direito sucessório, devido à ausência do título que ensejaria a pretensão.
Não procede, portanto, a alegação de que o termo inicial é a data do trânsito em julgado da ação de inventário, pois, à época, não tinha ainda sido reconhecida a condição de herdeira da parte recorrida e, consequentemente, seu direito à herança. Não podia, assim, exercer seu legítimo direito de voltar-se contra os termos do inventário. Dessa forma, conclui-se que, a teor do art. 189 do Código Civil, o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro. (NORONHA, 2016, p. 8)
Portanto, o Ministro concluiu que, na hipótese de acúmulo de ações, isto é, investigação de paternidade e petição de herança, o prazo prescricional iniciará a partir do trânsito em julgado da sentença que reconhece a filiação.
Por outro lado, em 2019, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça retomou o antigo entendimento de que o prazo prescricional se inicia a partir da abertura da sucessão, ainda que o suposto herdeiro não saiba da sua condição ou, ainda, não tem o conhecimento do falecimento do autor da herança (AgInt no AGREsp nº 479.648/MS).
Em outro caso similar, a controversa jurídica versava sobre o mesmo tema (início do prazo prescricional da ação de petição de herança). Nesse julgado, o autor não teve sua filiação voluntariamente reconhecida, assim, manejou a ação de investigação de paternidade post mortem e, com a procedência pleiteou seu quinhão hereditário, desde que respeitado o prazo prescricional de 10 anos.
Sustenta a Ministra Maria Isabel Gallotti que a ação de petição de herança possui prazo prescricional de 10 anos a ser contado a partir da abertura da sucessão, ou seja, a data do óbito, visto que o direito sucessório brasileiro é regido pelo princípio da Saisine, isto é, aberta a sucessão a herança se transmite desde logo aos seus herdeiros, inclusive àqueles que não detenham o conhecimento do direito (art. 1.784 do Código Civil).
A declaração de paternidade possui efeitos ex tunc, portanto, reconhecido a filiação os efeitos retroagirão e, como consequência, a transferência da herança na data do óbito por força do princípio da saisine, sendo inadmissível perpetuar que o prazo prescricional se inicia da sentença de reconhecimento da paternidade.
Ainda, em consonância a linha de raciocínio, o princípio da actio nata fora respeitado, pois, sob a influência do princípio da saisine e o efeito ex tunc da declaração da paternidade, o direito lesionado iniciou a partir da abertura da sucessão.
Não sendo exceção à regra da actio nata (Código Civil, art. 189), o prazo de prescrição para a ação de petição de herança corre a partir da abertura da sucessão, saiba ou não o herdeiro de tal condição jurídica, assim como é irrelevante o próprio conhecimento do óbito do autor da herança. Dessa forma, assegura-se a segurança das relações patrimoniais na sociedade, interesse que a ordem jurídica quis mais relevante do que o individual de possível herdeiro preterido (GALLOTTI, 2019, p.28).
Portanto, conclui a Ministra que estabelecer que o prazo prescricional se inicia a partir da sentença declaratória de paternidade seria perpetuar que a pretensão jamais se finalizaria, devido ao caráter imprescritível da investigação de paternidade, ferindo a Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal e a segurança jurídica.
Quanto ao ponto, concluiu que a decisão recorrida afronta a Súmula n° 149/STF e a segurança jurídica, visto que, “ao afirmar que a perda do direito de agir em uma ação de petição de herança apenas se iniciaria com o trânsito em julgado da investigação de paternidade, pois isso é o mesmo que dizer que esta pretensão nunca terminaria, já que a qualquer tempo seria possível a repartilha para inclusão de um herdeiro reconhecido post mortem”, violando situação jurídica constituída e consolidada (GALLOTTI, 2019, p. 9).
Para Humberto Theodoro (2021), o prazo prescricional iniciará a partir da abertura da sucessão e não do reconhecimento da paternidade sob de violação da segurança jurídica, “por todo o mencionado, não há como negar que o prazo prescricional da pretensão da petição de herança flui desde a abertura da sucessão, ou seja, desde a morte do autor da herança.” (THEODORO JUNIOR, 2021, P. 17).
Ao contrário do entendimento do respeitoso civilista, Farias (2020) e Dias (2022) reconhecem que a ação de petição de herança possui duas regras no tocante à incidência da prescrição. No caso, em que, o herdeiro saiba da sua condição de sucessor do falecido o prazo prescricional fluirá a partir da abertura da sucessão, contudo, se o possível herdeiro não possua ciência do parentesco o termo inicial do prazo extintivo iniciará do trânsito em julgado da sentença que reconhecer a paternidade post mortem.
O entendimento de que o prazo prescricional da petição de herança começa a correr quando da abertura da sucessão (= falecimento do autor da herança), pressupõe o conhecimento do interessado quanto à sua condição de herdeiro e, consequentemente, do óbito. Logo, não tendo ciência da morte do ascendente, por motivos não imputáveis à sua vontade, contra si não fluirá o prazo extintivo, na medida em que, não estando informado do óbito, não pode requerer a sua fração ideal sucessória (FARIAS, 2021, p. 23).
A partir de todas as posições expostas, conclui-se que o tema gerou um profundo debate entre juristas e doutrinadores, inclusive, presenciados por Turmas diferentes do mesmo órgão julgador. Todavia, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a controvérsia jurídica e fixou que o termo inicial para a contagem da prescrição inicia com a abertura da sucessão.
5. DA FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL DA CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO – TEMA REPETITIVO Nº 1200 e Recurso especial nº 2.029.809-mg
Diante da celeuma jurisprudencial e doutrinária exposta acima e com o objetivo de estabelecer a segurança e dirimir a controvérsia jurídica ocasionada, o Superior Tribunal de Justiça ao analisar o recurso especial nº 2.029.809-MG deparou-se que os demais recursos nº 2.034.210, 2.034.211 e 2.034.214 tratavam-se da mesma matéria, de modo que, estes foram afetados para o julgamento pelo rito dos recursos repetitivos, cuja controvérsia fora cadastrada como Tema nº 1200.
A questão submetida para julgamento tratava-se da definição do “termo inicial do prazo prescricional da petição de herança proposta por filho cujo reconhecimento da paternidade tenha ocorrido após a morte”.
Durante o julgamento do recurso especial nº 2.029.809-MG, o Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, reputou-se a aguardar a apresentação do Anteprojeto da Reforma do Código Civil ao Senado Federal para fixação da tese jurídica e, assim, garantir a segurança jurídica conforme a nova redação das leis civilistas.
Com a apresentação do Anteprojeto, o Ministro Relator, sem caráter vinculativo, demonstrou que o Novo Texto Normativo fixou o termo inicial para a contagem da prescrição na ação de petição de herança, a fim de dirimir os intensos conflitos de entendimentos. Assim, o Anteprojeto estabelece que “o prazo de prescrição da pretensão de petição de herança tem como termo inicial a abertura da sucessão” conforme nova redação do Art. 1824, §1º.
Ainda, com início do julgamento, fora evidenciado diversos julgados divergentes proferidos pelas Turmas do órgão superior, os quais, defendiam que o termo inicial para a contagem da prescrição era a partir do reconhecimento da paternidade ou a partir da abertura da sucessão.
Com isso, o Ministro afirmou que o atual Código Civil se utiliza da teoria actio nata, de forma excepcional, para declarar o termo inicial da prescrição, quando não prevista por lei, ou seja, inicia-se a prescrição quando o interessado tem a ciência da violação ou do seu direito. Todavia, a teoria não deverá ser aplicada às regras sucessórias, uma vez que há princípios e normas especiais.
Assim, conforme o art. 1784 do Código Civil, o direito sucessório internaliza o princípio da saisine, ou seja, uma vez aberta a sucessão a herança transmite, desde logo, aos seus herdeiros legítimos e testamentários. O dispositivo é claro e expresso ao determinar que a transmissão do acervo hereditário aos seus sucessores ocorre de forma independente do reconhecimento oficial da qualidade de herdeiro, ou seja, a filiação reconhecida.
Nesse sentido, o Ministro baseando-se no princípio da especialidade da lei, bem como, o texto normativo, concluiu que:
a teoria da actio nata em sua vertente subjetiva tem aplicação em situações absolutamente excepcionais, apresentando-se, pois, descabida sua adoção no caso da pretensão de petição de herança, em atenção, notadamente, às regras sucessórias postas (...) De acordo com o art. 1.784 do Código Civil, que internaliza o princípio da saisine, "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários", independentemente do reconhecimento oficial desta condição. Por sua vez, o art. 1.784 do Código Civil preceitua que: "legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão" (REsp nº 2.029.809/MG, 2024, p. 11).
Ainda, corroborando com a norma, o Ministro conclui que ao admitir o ajuizamento da ação de petição de herança anos após o fim do inventário e partilha dos bens, o patrimônio herdado terá sofrido alteração em seu estado, desse modo, os herdeiros e demais terceiros não deverão suportar este ônus, uma vez que receberam de boa-fé.
Portanto, fundamentando-se na norma e princípio do direito sucessório, é necessário e imprescindível fixar que o prazo prescricional para propor a ação de petição de herança inicia-se com a abertura da sucessão, cuja a tramitação não impede, suspensa, tampouco, interrompe o ajuizamento da ação de reconhecimento de filiação.
6. CONCLUSÃO
O reconhecimento a paternidade e o direito à herança estão reconhecidos, expressamente, na Constituição Federal (art. 226, §7º e art. 5º, XXX) sendo considerados como direitos indisponíveis e imprescritíveis.
Todavia, há situações, em que, a paternidade não é reconhecida voluntariamente, cabendo o filho acionar o Poder Judiciário e adotar medidas para o seu reconhecimento. A ação de investigação de paternidade é imprescritível e pode ser ajuizado enquanto o réu for vivo ou post mortem.
A ação, quando post mortem, poderá ser acumulada com petição de herança para garantir a totalidade ou a quota-parte do patrimônio deixado. Ocorre que, normalmente, ao ajuizar a ação cumulada a pretensão sucessória haverá incidência da prescrição, gerando a antiga celeuma jurisprudencial e doutrinária.
Aduz parte da doutrina que a ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança é imprescritível por ser tratada como declaratória, indisponível e visar direito de personalidade. E, ainda, por ter o direito assegurado na constituição trata-se de garantia fundamental não sujeito a prescrição.
De forma contrária, parte da doutrina considera que a ação de petição de herança detém natureza condenatória e patrimonial, assim, com o reconhecimento da filiação, a restituição do patrimônio é a medida que se impõe.
Sob influência desse entendimento, o Supremo Tribunal Federal sumulou o entendimento de que a investigação de paternidade é imprescritível, em contrapartida a ação de petição de herança sofrerá influência da prescrição conforme art. 205 do Código Civil (Súmula 149 do STF).
A partir disso, originou-se outra indagação com relação ao termo inicial da contagem da prescrição, pois, o direito sucessório é regido pelo princípio da saisine, o que significa que a herança é transferida aos herdeiros na data da abertura da sucessão. Antes de 2016, o entendimento chancelado perante a jurisprudência era de que a prescrição iniciava a partir da abertura da sucessão.
Entretanto, no momento da abertura é possível que o suposto filho não tenha ciência da sua qualidade de herdeiro, o que postergaria a incidência do prazo prescricional conforme princípio da actio nata. Assim, em 2016, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob o fundamento do princípio da actio nata, determinou que o termo inicial para a contagem do prazo da prescrição inicia-se a partir da sentença que reconhecer a filiação.
Após alguns anos, especificamente em 2019, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça retomou o antigo entendimento para reconhecer que a contagem do prazo extintivo começa a partir da abertura da sucessão, mesmo que o herdeiro não tenha conhecimento da sua condição, conforme art. 1.784 do Código Civil.
Sustenta a Ministra Maria Isabel Gallotti ao reconhecer que o prazo prescricional inicia após o reconhecimento da paternidade significa dar a ação seu caráter imprescritível, violando a Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal e o princípio da saisine.
Diante da divergência ocasionada, em 2024 o Superior Tribunal de Justiça afetou a matéria e fixou a tese repetitiva de que o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de petição de herança inicia-se a partir da abertura da sucessão.
O Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze, por meio de julgamento do recurso especial nº 2.029.809-MG, considerou que, por força do princípio da especialidade, o direito sucessório possui regras próprias e específicas, de modo que, o princípio da saisine prevalece à teoria da actio nata.
Desta forma, com fulcro no princípio da saisine e art. 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão a herança transmite-se, desde logo, aos seus herdeiros legítimos e testamentários. Assim, visando a obediência ao comando normativo, o Superior Tribunal de Justiça fixou que o termo inicial para a contagem da prescrição na ação de petição de herança inicia com a abertura da sucessão.
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