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Os limites
Fomos surpreendidos em meados de janeiro com a aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Projeto de Lei 2.654/03, que proíbe qualquer forma de castigo físico em crianças e adolescentes. Quem o fizer, estará sujeito a medidas previstas na Lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente.
É indubitável que se afigura hedionda a violência contra a população infanto-juvenil, entendendo-se como tal, tanto a violência física, como a psíquica - como apregoa o ECA -, que lhe ofenda a integridade psicofísica. Mas é imperioso que nós, cidadãos e operadores do Direito, questionemos o que o referido projeto de lei busca implementar, no contexto das relações familiares da contemporaneidade, principalmente, as relações primeiras, aquelas que se dão entre pais e filhos.
O art. 229 da Constituição Federal prevê o conteúdo constitucional da autoridade parental, que atribui aos pais o múnus de criar, assistir e educar seus filhos, enquanto menores. Deteremos-nos ao dever de educar, que consiste na transmissão dos valores familiares e culturais, para que o filho seja preparado para se tornar um cidadão e um sujeito da própria vida. O dever de educar inclui o dever de corrigir e limitar, para que o filho possa se ajustar aos limites que a vida lhe impõe. Por isso, o Código Civil de 2002, em seu art. 1.638, I, entende que só é causa de perda do poder familiar castigos imoderados, dando a entender que castigar é possível, desde que de forma moderada.
Essa questão é controversa na doutrina, pois há autores que repudiam qualquer forma de castigo, ao fundamento de que a educação deveria ser pautada no diálogo e na afetividade. Não há dúvidas de que isso é o ideal. Mas será suficiente para a concretização do Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente? Algumas vezes, a imposição de restrições ou a tradicional palmada - que não machuca, mas corrige -, não seriam sinônimos da existência da lei e de limites no âmbito familiar?
Todos sabemos que as relações parentais sofreram inúmeras transformações, causadas por vários fatores, entre eles, a subversão da tradicional divisão sexual do trabalho. A partir do momento em que a mulher ultrapassou os limites do lar, indo em busca do mercado de trabalho, os homens foram convocados a compartilhar as atividades domésticas. Para tanto, foi necessário criar novos modelos de educação aos filhos, tendo em vista que os pais não estavam em casa durante todo o dia, para acompanhar o processo educacional como acontecia antes.
Tânia Zagury, educadora que tem se especializado nessa questão, apregoa que tal fato causou uma grande culpa nos pais, que têm ampliado o âmbito da permissividade aos filhos. Os genitores ainda não conseguiram descobrir o equilíbrio no novo contexto em que vivem, causando uma crise de autoridade na relação parental. Muitas vezes, são os filhos quem ditam as regras e que impõem seus desejos, por mais absurdos que possam ser. Os pais, às vezes, não os contrariam, para compensar as muitas faltas: de tempo, de disposição para o auxílio nos deveres de casa, para brincadeiras, para conversas, para escutas e falas. E com isso, a falta de limites impera. Um adolescente sem limites, dificilmente, tornar-se-á um adulto saudável e estruturado.
Nesse contexto, a palmada não poderia ser mais um recurso educativo, nessa sociedade familiar em que muitas vezes falta a lei? A palmada ou o castigo - que não ofendem a dignidade do filho, mas que lhe são dados exatamente em prol da construção da sua personalidade -, não poderiam ser recursos, para que o menor possa criar "armas internas" para enfrentar futuros contragostos e os muitos "nãos" que encontrará pela vida, constatando que o mundo não gira em torno do seu desejo?
Por óbvio, não queremos aqui, pregar a violência. Mas propomos a reflexão do projeto de lei que está por vir pela ótica do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, pois o filho necessita da autoridade dos pais para se estruturar como pessoa, como cidadão que tem noção dos seus direitos, mas também dos seus deveres... para que fique apenas na memória a terrível cena de jovens sem limites, cuja diversão é queimar índios.
Ana Carolina Brochado Teixeira é advogada e segunda Secretária IBDFAM. |
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