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A Influência dos "Pais Helicópteros" na Superproteção Parental, Desenvolvimento Infantil e os Direitos das Famílias
Patrícia Gorisch[1]
Introdução
Nos últimos anos, a figura dos chamados "pais helicópteros" tem ganhado destaque tanto na literatura acadêmica quanto na mídia, sendo objeto de estudo de diversos especialistas em desenvolvimento econômico e educação. Estes pais, caracterizados por um nível elevado de supervisão e intervenção na vida de seus filhos, buscam garantir o sucesso educacional e social de suas crianças, frequentemente em resposta às pressões e desigualdades econômicas crescentes. Este artigo tem como objetivo analisar a influência dessa superproteção no desenvolvimento infantil e discutir o papel e o direito das famílias nesse contexto, à luz do Código Civil Brasileiro e do direito internacional.
Definição de "País Helicópteros"
Os "pais helicópteros" são definidos como aqueles que se envolvem de forma excessiva nas atividades diárias de seus filhos, supervisionando e controlando aspectos que, idealmente, deveriam ser manejados pelas próprias crianças. Este termo deriva da ideia de que esses pais "pairam" sobre os filhos, monitorando constantemente cada movimento. Tal comportamento, ainda que bem-intencionado, pode resultar em uma série de consequências negativas para o desenvolvimento das crianças.
A superproteção pode ter efeitos negativos significativos no desenvolvimento psicológico infantil. A interferência constante nas escolhas das crianças pode limitar sua capacidade de desenvolver autonomia, resiliência e habilidades para resolver problemas. Crianças superprotegidas podem apresentar níveis mais altos de ansiedade, menor capacidade de lidar com frustrações e desafios da vida cotidiana e uma autoestima fragilizada. A falta de oportunidades para experimentar e falhar de forma independente pode resultar em indivíduos que se sentem incapazes de enfrentar desafios sem a presença de uma figura de autoridade.
No contexto social, a superproteção pode levar a dificuldades de interação e adaptação em ambientes coletivos, como escolas e grupos de amigos. Crianças que não aprendem a tomar decisões por si mesmas podem ter dificuldade em se integrar socialmente, apresentar comportamentos de dependência e enfrentar problemas para estabelecer relacionamentos saudáveis e equilibrados. A capacidade de resolver conflitos, negociar e colaborar com os pares pode ser comprometida, dificultando o desenvolvimento de habilidades sociais essenciais para a vida adulta.
Em ambientes competitivos, a ênfase no sucesso educacional se torna um fator crítico para o sucesso econômico e social futuro. Como mencionado pelo economista Fabrizio Zilibotti (2024), da Universidade de Yale, essa pressão pode levar os pais a aumentarem seus esforços para apoiar e pressionar os filhos a alcançar excelência acadêmica e esportiva. No entanto, esse excesso de atividades estruturadas pode prejudicar o desenvolvimento de independência e a descoberta de aptidões pessoais. Crianças expostas a uma rotina excessivamente programada podem perder oportunidades valiosas para o aprendizado espontâneo e a criatividade, elementos fundamentais para o desenvolvimento cognitivo.
As famílias possuem o direito de criar seus filhos de acordo com suas crenças e valores, dentro dos limites estabelecidos pela legislação. O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.634, dispõe que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e educação. Contudo, essa direção deve ser equilibrada e respeitar o desenvolvimento integral dos filhos, promovendo sua autonomia e bem-estar.
O princípio do melhor interesse da criança, consagrado na Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas, deve orientar todas as decisões e práticas relacionadas ao cuidado e educação dos menores. Este princípio estabelece que todas as ações concernentes às crianças, sejam elas tomadas por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais de justiça, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o que é melhor para a criança. No contexto da superproteção parental, isso implica equilibrar o desejo dos pais de proteger e apoiar com a necessidade das crianças de desenvolver autonomia e independência.
A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 205, assegura que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Assim, a educação deve ser orientada não apenas para o sucesso acadêmico, mas para o desenvolvimento integral da criança, abrangendo aspectos físicos, emocionais e sociais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) reforça essa perspectiva, promovendo uma educação que estimule o desenvolvimento da capacidade de aprender, a formação de atitudes e valores e a preparação para o exercício da cidadania.
O aumento da desigualdade no mundo nos últimos anos fez com que as famílias passassem a cobrar mais desempenho e superproteger crianças e jovens, chegando ao extremo dos chamados "pais helicópteros", que interferem exageradamente nas escolhas dos filhos.
Em contextos de alta competitividade, o sucesso na educação tornou-se muito mais relevante para o sucesso econômico e social futuro, o que induziu os pais a aumentarem seus esforços para apoiar e pressionar os filhos a alcançar êxito escolar. Essa dinâmica é especialmente visível entre as famílias de classe média, que buscam, através da educação, garantir uma melhor posição socioeconômica para seus filhos.
A pressão para o desempenho acadêmico e a superproteção podem levar a sérios problemas de saúde mental, tanto para os filhos quanto para os pais. Crianças submetidas a uma constante vigilância e pressão para obter sucesso podem desenvolver transtornos de ansiedade, depressão e outros problemas emocionais. Os pais, por sua vez, podem experimentar níveis elevados de estresse e exaustão, uma vez que se sentem responsáveis pelo constante monitoramento e sucesso de seus filhos. Esse ciclo de pressão e ansiedade pode criar um ambiente familiar tenso e disfuncional, impactando negativamente as relações intrafamiliares.
Considerações Finais e Recomendações
A busca pelo sucesso e a proteção excessiva dos filhos, embora bem-intencionada, pode ter consequências adversas no desenvolvimento infantil. Para mitigar esses efeitos e promover um desenvolvimento saudável e equilibrado, são necessárias ações integradas que envolvam a família, a sociedade e o Estado.
Programas de educação parental podem ajudar os pais a compreender melhor as necessidades de desenvolvimento de seus filhos e a importância de promover a autonomia. Esses programas devem oferecer orientação sobre práticas parentais que equilibrem apoio e liberdade, ajudando os pais a evitar comportamentos de superproteção.
A implementação de políticas públicas que incentivem um equilíbrio entre a supervisão parental e a liberdade das crianças para explorar e aprender de forma independente é crucial. Essas políticas podem incluir a promoção de atividades extracurriculares que valorizem a autonomia e a criatividade das crianças, além de apoio a iniciativas que visem reduzir as desigualdades econômicas e sociais, diminuindo assim a pressão pelo sucesso acadêmico excessivo.
A disponibilização de serviços de apoio psicológico tanto para crianças quanto para pais é essencial para ajudar a lidar com a pressão e a ansiedade relacionadas ao desempenho acadêmico e social. Centros de apoio e aconselhamento devem estar acessíveis para oferecer suporte emocional e ajudar a construir resiliência e estratégias de enfrentamento.
Campanhas de sensibilização que promovam a importância do desenvolvimento integral das crianças e desestimulem práticas de superproteção podem ajudar a mudar a percepção social sobre o sucesso e a educação. Tais campanhas devem destacar a importância da autonomia, da resolução de problemas e do aprendizado através da experiência e do erro.
É essencial que os pais encontrem um equilíbrio entre apoio e autonomia, permitindo que os filhos desenvolvam habilidades essenciais para a vida adulta. A sociedade e o Estado têm um papel fundamental em promover práticas parentais que respeitem os direitos das crianças e favoreçam seu desenvolvimento integral. Políticas públicas e programas educacionais que incentivem a participação dos pais de forma saudável e equilibrada são essenciais para promover um ambiente propício ao desenvolvimento pleno das crianças.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em: 2 jun. 2024.
BRASIL. Código Civil, Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm Acesso em: 2 jun. 2024.
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. Nações Unidas, 1989. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca Acesso em: 2 jun. 2024.
ZILIBOTTI, Fabrizio. A superproteção parental e seus impactos no desenvolvimento infantil. Entrevista ao Estadão, 2024.
[1] Doutora e Mestre em Direito Internacional. Pós Doutora em Direitos Humanos pela Universidad de Salamanca, Espanha. Pós Doutora em Direito da Saúde pela Università Degli Studi di Messina, Itália. Presidente da Comissão Nacional de Direito dos Refugiados do IBDFAM. Professora do PPG Mestrado e Doutorado da Unisanta.
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