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O instituto dos sonegados no direito das sucessões
- DA SONEGAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
O instituto dos Sonegados está previsto nos artigos 1992 a 1996 do Código Civil e é mencionado nos arts. 621 e 669, inc. I do Código de Processo Civil. Em breve síntese, descreve aqueles bens que foram, de forma dolosa, ocultados, quando deveriam ter sido inventariados ou trazidos à colação, é o que dispõe o Professor Dr. Flávio Tartuce[1]:
Desse modo, sonegados são os bens que deveriam ter sido inventariados
ou trazidos à colação, mas não o foram, pois ocultados pelo inventariante ou
por herdeiro. Como consequência, a pena de sonegados constitui uma sanção
ou penalidade civil imposta para os casos de ocultação de bens da herança,
gerando a perda do direito sobre os bens ocultados.
Em suma, quando o Herdeiro ou o Inventariante tenta diminuir o patrimônio da herança ocultando bens de forma dolosa, em benefício próprio ou de outrem, ele incorre no tipo descrito pelo art. 1.992 do CC e tais bens são considerados bens sonegados.
Um fato importante é que os bens sonegados não podem ser confundidos com bens cuja descoberta foi feita posteriormente à abertura do inventário, bem como não podem ser considerados bens sonegados todos os bens que foram omitidos, devendo, necessariamente, haver o dolo de omiti-los com a intenção de diminuir o patrimônio a ser repartido. Também verifica-se, da análise do art. 1.992 do Código Civil que também incorre na condição de sonegados àqueles herdeiros que levarem bens do inventário e deixaram de restitui-los no tempo devido, podendo, com isso, perder o direito que lhe cabia em relação a estes.
Também leciona o professor Flávio Tartuce que a doutrina majoritária entende ser necessário à presença de dois elementos para que o sujeito venha a responder pela sonegação de bens no âmbito do Direito das Sucessões, quais sejam: o elemento objetivo: a ocultação do bem ou bens pertencentes à herança propriamente dito e o elemento subjetivo: o dolo comprovado em fazer essa ocultação para os fins que a ela destina (tirar proveito em benefício próprio ou em favor de outrem).
Também esse é o entendimento da Jurisprudência pátria, conforme acórdão do STJ[2] abaixo:
AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. PENA DE SONEGADOS. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO. REEXAME DO SUPORTE FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. Para a aplicação da pena de sonegados, necessária se faz a comprovação de dolo na ocultação de bens. 2. A reapreciação do suporte fático-probatório dos autos é vedada nesta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 3. Agravo interno não provido.
Há uma diferença, essencialmente processual, que não deve ser confundida com o dispositivo da sonegação, qual seja o da sobrepartilha, veja o que expõem José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo sobre[3]:
Existem duas ações derivadas da ação de inventário. A primeira é a ação de sobrepartilha que será utilizada pelos herdeiros quando for descoberta a existência de outros bens pertencentes ao de cujus e que não acabaram sendo alvo de partilha entre os herdeiros. Há uma sutil diferença entre a ação de sobrepartilha e a de sonegados. Nesta os bens são de conhecimento do inventariante, ou de algum herdeiro, contudo, há uma sonegação proposital do (s) bem (ns) com o intuito de obter enriquecimento ilícito pela sonegação dos bens”
Logo, vê-se que os bens sonegados não são bens desconhecidos dos herdeiros do de cujus, mas apenas bens que foram ocultos do inventário por um ou mais herdeiros com o intuito de obterem alguma vantagem (não necessariamente patrimonial) com a ocultação.
A pena para os sonegados só pode ser sancionada mediante ação autônoma oposta pelos herdeiros ou por eventuais credores da herança, conforme art. 1.994 do Código Civil[4]. Ou seja, ainda que você seja terceiro da herança, se não estiver habilitado com seu crédito ao inventário, não poderá dispor de ação para impor a pena dos sonegados a eventuais herdeiros ou ao inventariante ( que também pode responder por ocultação de bens do inventário nos moldes do art. 1.993[5]).
O parágrafo único do art. 1994, já referenciado, estabelece que a sentença proferida em ação de sonegados valerá para todos os demais herdeiros ou interessados no direito da herança, ou seja, basta que um herdeiro ou credor mova a ação dos sonegados para que a sentença seja aproveitada por todos os eventuais beneficiários dessa herança.
Assim como nos dispositivos do Livro I da Parte Especial do Código Civil, intitulado “Direito das Obrigações”, o art. 1.995[6] do mesmo livro estabelece que, caso o Sonegador não puder devolver o bem ou os bens sonegados em decorrência de já ter eles se esgotado ou não estarem mais em seu poder, deverá o responsável pagar o valor dos bens acrescido de perdas e danos pela infração cometida.
O último dispositivo do Código Civil sobre os instituto dos Sonegados, o art. 1.996 [7], discorre sobre o momento correto de arguir a Ação de Sonegação, qual seja, no suposto fim da lista dos bens, bem como das descrições destes, que integrarão o inventário do de cujus, bem como do herdeiro, após afirmar no inventário que não possui em seu poder os bens sonegados.
Nessa hipótese, os autos para a ação de sonegados serão opostos apensos ao inventário (para não tumultuar o andamento judicial deste), e o Sonegador será citado para apresentar defesa ou para devolver os bens que, eventualmente, estejam em seu poder, encerrando o processo apenso e seguindo com a sobrepartilha de todos os bens – destaca-se, novamente, que os bens sonegados são aqueles de conhecimento dos herdeiros e que não entraram na sobrepartilha e no inventário por dolo de um dos herdeiros ou do próprio inventariante, visando obter vantagem própria ou para outrem com isso.
Em suma, quando o Sonegador, enquanto herdeiro, sonegar bem ou bens que deveriam estar no inventário e entrar na sobrepartilha, seja não os arrolando propriamente ditos ou apenas omitindo sua existência do inventariante ou dos outros herdeiros, ele perderá o direito sobre aquele bem específico, entretanto, não se aplicarão outras penas previstas no Título do Direito das Sucessões do Código Civil, tal como a pena da deserdação (art. 1.814) sobre toda a herança.
- DO INSTITUTO DA COLAÇÃO
A colação está descrita nos artigos 2.002 ao 2.012 do Código Civil Brasileiro e, em resumo, define o ato onde um descendente ou beneficiado por uma doação feito pelo, agora, de cujus, ainda em vida, “devolve” temporariamente esse bem ou seu valor para o inventário para fins de calcular corretamente a quota parte de cada herdeiro, nas palavras de Farias; Rosenvald; Braga Netto[8] (2021, p. 1502) sobre a definição do termo:
Chama-se colação o ato pelo qual o descendente, cônjuge ou companheiro beneficiado pela transferência gratuita feita pelo de cujus, em vida, promove o retorno da coisa, ou do seu valor, excepcionalmente, ao monte partível, para garantir a igualdade de quinhões entre os herdeiros necessários (CC, art. 2002).
Vê-se que aqui o objeto doado em vida não entrará na sobrepartilha propriamente dito (o ato de dividir os bens entre os herdeiros), mas ingressará o inventário com intuito de ter seu valor contado quando da divisão dos outros bens, como por exemplo: Um filho A que recebeu, em vida, doado pelo pai falecido, uma casa, pelo instituto da colação, devolverá essa casa ao inventário para contar-lhe como parte dessa herança, mas o bem da casa em si seguirá sendo dele no fim dessa partilha de inventário (apenas os outros bens que serão divididos igualmente entre todos).
Um ponto essencial que diz o §único do art. 2.002 é que o bem dado em colação ingressará apenas a parte indisponível do bem, sem aumentar a disponível, ou seja, a parte que não pode ser testada será acrescida por esse bem, enquanto aquela que pode ser testada não sofrerá alterações em situações como essas.
Por fim, os valores dos bens para a ação da colação são, em tese aqueles atribuídos de maneira certa e válida, na falta desde valor quando do momento da colação ou da doação, atribuir-se-á o valor do bem à época do momento da doação, sem constar com benefícios ou melhores que possam ter sido feitos pelo beneficiado, sendo estes pertencentes a ele (art. 2.004).
Portanto, demonstra-se como ambos os institutos podem se interligar, uma vez que bens dados em doação, principalmente quando passados algum tempo, são mais fáceis de sonegar à época de abertura do inventários dos bens do de cujus, gerando irregularidades e consequências importantes para o decorrer da ação de inventário.
- REFERÊNCIAS
FARIAS. Cristiano Chaves de. ROSENVALD. Nelson. NETTO, Felipe Braga. Manual de Direito Cível Volume Único. 6.º ed. 2021. São Paulo. Ed. Juspodivm. P. 1502.
MEDINA. José Miguel Garcia. ARAÚJO. Fábio Caldas de. Código Civil Comentado. 5. Ed. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2022.
TARTUCE. Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. P. 2420.
STJ. AgInt no REsp n. 1.835.340/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 4/5/2020, DJe de 12/5/2020.)
Referência: BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Artigos 1.992 a 1.996.
Referência: BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Artigos 2.002 a 2.012.
Gabriela Bergamo Esteves é uma estudante de direito do 5.º ano da Universidade Estadual de Maringá, já estagiou em diversas áreas durante o curso e se apaixonou por direito cível, especialmente pela área de Direito de Família, Sucessões e Responsabilidade Civil. Participa e participou de eventos de Pesquisa Científica na Universidade e cidade onde estuda e está constantemente buscando novas oportunidades de crescimento e aprendizado.
[1] TARTUCE. Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. P. 2420.
[2] (AgInt no REsp n. 1.835.340/MG, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 4/5/2020, DJe de 12/5/2020.)
[3] MEDINA. José Miguel Garcia. ARAÚJO. Fábio Caldas de. Código Civil Comentado. 5. Ed. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2022.
[4] Art.1.994. A pena de sonegados só se pode requerer e impor em ação movida pelos herdeiros ou pelos credores da herança. Parágrafo único. A sentença que se proferir na ação de sonegados, movida por qualquer dos herdeiros ou credores, aproveita aos demais interessados.
[5] Art. 1.993. Além da pena cominada no artigo antecedente, se o sonegador for o próprio inventariante, remover-se-á, em se provando a sonegação, ou negando ele a existência dos bens, quando indicados.
[6] Art. 1.995. Se não se restituírem os bens sonegados, por já não os ter o sonegador em seu poder, pagará ele a importância dos valores que ocultou, mais as perdas e danos.
[7] Art. 1.996. Só se pode argüir de sonegação o inventariante depois de encerrada a descrição dos bens, com a declaração, por ele feita, de não existirem outros por inventariar e partir, assim como argüir o herdeiro, depois de declarar-se no inventário que não os possui.
[8] FARIAS. Cristiano Chaves de. ROSENVALD. Nelson. NETTO, Felipe Braga. Manual de Direito Cível Volume Único. 6.º ed. 2021. São Paulo. Ed. Juspodivm. P. 1502.
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