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Além do Cuidado: Reconhecendo e Valorizando as Cuidadoras Parentais Informais
Fabiano Rabaneda dos Santos é advogado especialista
em direito de família e sucessões.
Quando abordamos a temática do cuidado, nos deparamos com sua vasta gama de significados, sendo empregado para descrever uma diversidade de atividades que permeiam a vida cotidiana. O cuidado, transcende meramente a prestação de serviços básicos: é um ato de empatia e solidariedade, essencial para promover a dignidade e a inclusão social.
Entendido como o trabalho contínuo de sustentação e manutenção da vida humana, bem como da promoção do bem-estar das pessoas, o cuidado engloba as ações de assistência, suporte e auxílio diário prestadas às pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade, especialmente quando estas não conseguem realizar autonomamente tarefas básicas como alimentação, locomoção e higiene pessoal.
Da prática do cuidado, emerge a figura da cuidadora parental, muitas vezes invisível aos olhos da sociedade. Diferentemente dos cuidadores profissionais, ela atua dentro do ambiente familiar, assumindo uma responsabilidade de cuidado que, por vezes, é considerada um dever imposto até mesmo pela legislação brasileira, como o Estatuto do Idoso que prevê punições ao abandono por familiares.
Por questões culturais e de multiplicidade de opressões – fruto da existência de hierarquias sociais estruturais – o papel de cuidador parental normalmente é destinado a um familiar mulher, que assume a responsabilidade principal pelo cuidado de um indivíduo que necessita de assistência, como uma criança com deficiência, um idoso fragilizado ou um membro da família com doença crônica. Suas responsabilidades variam desde cuidados básicos, como alimentação e higiene, até apoio emocional e acompanhamento em consultas médicas.
É comum que essas cuidadoras muitas vezes venham a enfrentar desafios significativos, como o esgotamento físico e emocional, restrições financeiras, falta de apoio social e até mesmo estigma social, já que muitas precisam conciliar o cuidado com outras responsabilidades, como trabalho remunerado ou afazeres domésticos, levando a uma sobrecarga considerável: o amor, dedicação e sacrifício frequentemente passam despercebidos, agravando as consequências estruturais e dinâmicas das desigualdades sociais.
A jornada é árdua: administrar medicamentos, zelar pela higiene dos acamados, manter a casa em ordem. A cuidadora acaba por dedicar-se inteiramente à rotina da pessoa sob seus cuidados, muitas vezes precisando sacrificar sua própria vida para atender às necessidades do familiar necessitado. O tempo que poderia ser destinado a suas próprias aspirações e atividades é consumido pelas demandas do cuidado, deixando-a muitas vezes exausta e com pouco espaço para si mesma.
A situação das cuidadoras é tão complexa que, ironicamente, elas próprias acabam sofrendo com problemas de saúde. O estresse constante, a falta de sono adequado, a falta de tempo para autocuidado e o desgaste físico e emocional levam a uma série de condições de saúde física e mental.
Entre as doenças físicas mais comuns estão distúrbios musculoesqueléticos devido ao esforço repetitivo, como dores nas costas e lesões relacionadas ao levantamento de peso, além de problemas de sono, fadiga crônica e comprometimento do sistema imunológico devido ao estresse prolongado.
Em termos de saúde mental, as cuidadoras frequentemente enfrentam ansiedade, depressão e burnout. O constante estado de preocupação, a sobrecarga de responsabilidades e o sentimento de isolamento social acabam contribuindo para o agravamento rápido destas condições. Além disso, o luto antecipado pela perda iminente do ente querido também pode desencadear sintomas de depressão e ansiedade, levando até mesmo a autonegação da morte.
A autonegação à morte é um fenômeno psicológico complexo no qual as pessoas evitam ou negam a mortalidade, tanto a sua quanto a de entes queridos. Isso pode ser especialmente prevalente entre cuidadores familiares, que muitas vezes se encontram imersos na rotina do cuidado e podem ter dificuldade em confrontar a realidade da finitude, aumentando o sofrimento emocional e impedindo-os de lidar de forma saudável com seus próprios sentimentos de perda, luto e despedida.
Agir como se a situação não fosse grave ou continuar mantendo padrões de interação como se o ente querido estivesse presente e saudável é uma forma de expressão da autonegação, impedindo a pessoa de lidar com o desconforto associados ao reconhecimento da morte iminente, impedindo o processo de aceitação e o enfrentamento saudável do luto.
Marginalizadas pela invisibilidade, as cuidadoras enfrentam um dilema cruel, onde o seu próprio bem-estar e liberdade muitas vezes são sacrificados em prol do cuidado de seus entes queridos. A sociedade frequentemente subestima o peso emocional, físico e financeiro dessa responsabilidade, relegando as cuidadoras a uma posição de desprezo ou falta de reconhecimento. A luta por igualdade de direitos e apoio adequado para as mulheres que assumem o papel de cuidadoras é essencial para garantir que elas não sejam deixadas à margem, mas sim valorizadas e apoiadas em sua importante contribuição para o bem-estar de suas famílias e comunidades.
O Projeto de Lei 3022/2020, conhecido como "Lei das Marias", representa um passo importante na direção de reconhecer e apoiar as cuidadoras, fornecendo recursos financeiros para a contratação de profissionais ou familiares dedicados ao cuidado de pessoas idosas ou com deficiência, através da inclusão das cuidadoras parentais no Benefício de Prestação Continuada - BPC. Essa iniciativa é fundamental não apenas para garantir o acesso ao cuidado necessário, mas também para reconhecer o valor do trabalho das cuidadoras e sua contribuição para o bem-estar da sociedade como um todo.
Além da questão financeira, é importante que as cuidadoras tenham acesso a apoio emocional, assistência médica e recursos para ajudá-las a lidar com os desafios do cuidado, incluindo acesso aos serviços de aconselhamento, grupos de apoio, assistência domiciliar para aliviar o fardo do cuidado e programas de respiro que oferecem intervalos para que as cuidadoras possam descansar e recarregar suas energias.
Como que, apesar dos desafios, a cuidadora parental desempenha um papel essencial na promoção do bem-estar e da qualidade de vida do indivíduo sob seus cuidados, onde sua contribuição para a sociedade é imensurável, se torna necessário que políticas públicas e programas de apoio reconheçam e apoiem esses cuidadores para que possam desempenhar seu papel de forma mais eficaz e sustentável, beneficiando não apenas aqueles sob seus cuidados, mas também enriqueceria a coletividade ao promover uma cultura de cuidado e solidariedade numa sociedade que envelhece cada dia mais.
O Instituto Jacintas – OSC (@institutojacintas), de forma inovadora e comprometida com o apoio aos direitos das cuidadoras parentais informais, estabelece-se como um espaço de acolhimento e assistência. Por meio de uma abordagem disruptiva, busca não apenas oferecer suporte prático e emocional, mas também influenciar a formulação de políticas públicas abrangentes relacionadas ao cuidado.
Ao acolher mulheres cuidadoras, o Instituto Jacintas não só oferece um ambiente de escuta atenta, mas também colabora ativamente para a criação da Política dos Cuidados. Sua atuação envolve compartilhar com o Grupo Técnico Interministerial responsável pelo Marco Conceitual da Política de Cuidados do Brasil, experiências e insights adquiridos ao longo de anos de trabalho, tanto no âmbito jurídico quanto psicológico.
Essa troca de informações e perspectivas visa sensibilizar o Governo Brasileiro para as necessidades e desafios enfrentados pelas mulheres cuidadoras informais. O Instituto Jacintas busca dar visibilidade aos direitos dessas mulheres, promovendo mudanças significativas que reconheçam e valorizem seu papel na sociedade.
Em um mundo em constante evolução, onde as demandas sociais e demográficas estão em constante mudança, é imperativo reconhecer e valorizar o papel fundamental das cuidadoras parentais informais. Essas mulheres, muitas vezes invisíveis aos olhos da sociedade, são verdadeiras heroínas que dedicam suas vidas ao cuidado de entes queridos em situação de vulnerabilidade.
No entanto, a realidade enfrentada por essas cuidadoras é marcada por desafios e adversidades que muitas vezes passam despercebidos. Desde a sobrecarga física e emocional até a falta de reconhecimento e apoio adequado, as cuidadoras enfrentam um caminho árduo, onde seu próprio bem-estar e liberdade são frequentemente sacrificados em prol do cuidado de seus entes queridos.
É hora de mudar essa realidade. É hora de reconhecer e valorizar as cuidadoras parentais informais como membros essenciais da sociedade, garantindo-lhes o respeito, o apoio e os recursos necessários para desempenhar seu papel de forma digna e sustentável.
Isso requer não apenas a implementação de políticas públicas abrangentes que reconheçam os direitos das cuidadoras e proporcionem recursos financeiros e emocionais adequados, mas também uma mudança fundamental na mentalidade da sociedade como um todo. Precisamos reconhecer o valor intrínseco do cuidado, não apenas como uma obrigação, mas como um ato de amor, empatia e solidariedade que enriquece nossa humanidade coletiva.
Portanto, é hora de agir. É hora de garantir que as cuidadoras parentais informais sejam vistas, ouvidas e valorizadas. É hora de construir uma sociedade onde o cuidado seja verdadeiramente reconhecido como a pedra angular do nosso bem-estar e da nossa coletividade. E isso começa agora, com cada um de nós assumindo a responsabilidade de defender e apoiar aqueles que cuidam de nós com tanto amor e dedicação. Juntos, podemos criar um mundo onde todas as cuidadoras sejam celebradas e honradas, e onde o cuidado seja verdadeiramente reconhecido como o alicerce de uma sociedade mais humana, justa e solidária.
Fontes consultadas.
BECKER, Ernest. The Denial of Death. Edição em inglês. Prefácio de Daniel P. Goleman. 8 de maio de 1997.
BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 out. 2003. Seção 1, p. 1.
BRASIL. Projeto de Lei da Câmara nº 4840, de 2012. Dispõe sobre o benefício de auxílio-doença para o trabalhador empregado, doméstico, avulso, temporário, rural e segurado especial e o salário-maternidade. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2012. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=548678. Acesso em: 22 abr. 2024.
BRASIL. Projeto de Lei nº 3022, de 2020. Estabelece a criação do auxílio-cuidador para a pessoa idosa e/ou com deficiência que necessite de terceiros para realização das atividades de vida diária e dá outras providências. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2274966. Acesso em: 22 abr. 2024.
FANTÁSTICO. 'Tio Paulo': Fantástico tem acesso a imagens inéditas do caso da mulher que levou homem morto para conseguir empréstimo. G1 Globo, 21 abr. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/04/21/tio-paulo-fantastico-tem-acesso-a-imagens-ineditas-do-caso-da-mulher-que-levou-homem-morto-para-conseguir-emprestimo.ghtml. Acesso em: 22 abr. 2024.
INSTITUTO JACINTAS. Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/institutojacintas. Acesso em: 22 abr. 2024.
PARTICIPA MAIS BRASIL. Marco Conceitual da Política Nacional de Cuidados do Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/marco-conceitual-da-politica-nacional-de-cuidados-do-brasil. Acesso em: 22 abr. 2024.
PROFISSÃO REPÓRTER. A luta por direitos de quem largou tudo para cuidar da família. G1 Globo, 11 abr. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/google/amp/profissao-reporter/noticia/2024/04/11/a-luta-por-direitos-de-quem-largou-tudo-para-cuidar-da-familia.ghtml. Acesso em: 22 abr. 2024.
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