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A lei Maria da Penha e sua complementaridade com outros estatutos protetivos: Estatuto da Pessoa Idosa e o Estatuto da Criança e do Adolescente
Patricia Novais Calmon
Advogada. Mestre em Direito (UFES). Presidente da Comissão da Pessoa Idosa do IBDFAM-ES.
Resumo: O presente artigo tem por finalidade estudar algumas das principais alterações legislativas na Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), bem como quais as suas aplicações pela jurisprudência, com análise dos sujeitos passivo e ativo. Além disso, tem por foco avaliar algumas peculiaridades da Lei, como a independência e comunicabilidade entre as instâncias cível e criminal, a possibilidade de aplicação das medidas protetivas e a sua natureza jurídica e, por fim, a complementaridade com outros instrumentos protetivos, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente.
Sumário: 1. Introdução; 2. A violência contra a mulher; 2. Aspectos basilares da Lei 11.340/06; 3. As aplicações da Lei Maria da Penha pelos tribunais brasileiros: para além de relacionamentos afetivo-sexuais; 4. Peculiaridades da Lei 11.340/06; 4.1. Independência e comunicabilidade entre as instâncias cível e criminal; 4.2. Medidas protetivas de urgência e sua natureza; 4.3. Da análise complementar da Lei Maria da Penha com outros instrumentos protetivos (Estatuto do idoso e da criança do adolescente); 5. Conclusão; 6. Referências.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Violência doméstica e familiar; Violência contra a mulher; Medidas protetivas de urgência.
1. INTRODUÇÃO
A existência da desigualdade de gênero remonta a tempos tão antigos quanto a própria humanidade. Se, por um lado, alguns estudos apontam o próprio papel do cristianismo na culpabilização da mulher e na definição dos papéis sociais do feminino e masculino nos anos que se seguiram,[1] cientistas identificam a existência da predominância do homem há 8.000 anos, ao vislumbrarem uma super-representação masculina em registros arqueológicos da pré-história - mais especificamente no período neolítico -, em detrimento de mulheres.[2]
Nesse passo, embora não se saiba ao certo a origem da desigualdade entre gêneros, a certeza que se tem é que não se trata de um fenômeno novo. Muito pelo contrário. Nas palavras de Maria Berenice Dias, “desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada”.[3]
No entanto, por muito tempo a referida desigualdade foi encarada com bastante tenuidade pela sociedade, fazendo com que houvesse a reprodução sistemática de uma construção simbólica desenvolvida em períodos incertos e que colocou a mulher, apenas pelo fato de ser mulher, em um lugar de inferioridade perante os homens.
Contudo, recentemente a temática passou a adquirir novos contornos, inclusive com uma maior abordagem e regulamentação por parte dos Estados, seja em suas relações internas, através de atos normativos editados pelo Poder Legislativo, quanto externas, por meio de instrumentos internacionais.
Não se tem dúvidas que a referida desigualdade de gêneros acaba tendo como reflexo a banalização das mais variadas formas de violência em detrimento da mulher. Nesse cenário, a Lei 11.340/06, denominada de Lei Maria da Penha, é o principal instrumento normativo interno apto a coibir, prevenir e tutelar a mulher em situação de violência doméstica e familiar.
Este é justamente o objeto deste artigo, que tem por finalidade trazer algumas peculiaridades sobre a referida Lei, inclusive pincelando algumas das mais recentes alterações legislativas.
2. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
No cenário internacional, a igualdade de direitos entre homens e mulheres consta como um dos pilares das Nações Unidas desde a sua fundação, através da Carta de 1945,[4] tendo-se seguido, no entanto, em mera retórica na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, prevendo a igualdade de direitos entre homem e mulher durante o casamento e por ocasião da sua dissolução (art. 16).
No ano de 1948, a Organização dos Estados Americanos (OEA) editou a Convenção Interamericana sobre Concessão dos Direitos Civis à mulher,[5] definindo-se que “os Estados Americanos convêm em outorgar à mulher os mesmos direitos civis que goza o homem” (art. 1º). Não obstante a linguagem utilizada, que parece atribuir certo grau de conveniência aos Estados ratificantes, nos anos que se seguiram, outras Convenções Internacionais abordaram com um pouco mais de ênfase os direitos das mulheres. É o caso, por exemplo, da Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1953, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, ambas do sistema ONU, além de Convenções da Organização Internacional do Trabalho, como, por exemplo, as de número 100, de 1951, e 111, de 1958.
Evidencia-se, então, que a igualdade de gêneros se converteu em uma pauta internacional relevante apenas a partir da metade do século passado, o que é muito, mas muito recente, ao se analisar em uma perspectiva histórica. O mesmo ocorreu no cenário nacional.
Mas, mesmo se tratando de um tema atual no catálogo de discussões políticas, não se pode perder de vista o caráter complexo e multidimensional que ele enceta. No cenário brasileiro especificamente, embora o direito ao voto tenha sido garantido à mulher no ano de 1932, permanecia a perpetuação da distinção sexista através de outros atos emanados pelo próprio Estado. É o caso, por exemplo, da previsão contida no Código Civil de 1916, que estabelecia que a mulher casada, enquanto subsistisse a sociedade conjugal, era considerada relativamente incapaz (art. 6, II), regramento que só foi revogado em 1962, pela Lei nº 4.121 (“Estatuto da Mulher Casada”).
Ademais, a própria figura do “pátrio poder” era uma clara representação da sociedade patriarcal e machista existente, fixando o Código Civil de 1916 um nítido caráter subsidiário da mulher, ao determinar que “durante o casamento, exerce o pátrio poder o marido, como chefe de família, e, na falta ou impedimento seu, a mulher” (art. 380). E mais, o “pátrio poder” é um instituto amplamente reconhecido no direito romano, onde os homens tinham, literalmente, poderes de vida ou morte sobre as mulheres e filhos, através do adágio “ius vitae et necis”.[6]
Chega-se ao ponto: o homem tinha poder de vida ou morte sobre a mulher.
Não se tem dúvidas que um panorama desigual pode ser representativo também de um cenário de violência ao mais vulnerável. No entanto, não se trata de uma análise de “mera” desigualdade de oportunidades, mas sim de um exercício histórico, institucionalizado e reforçado pelo Estado, no sentido que a mulher era “apenas” uma propriedade do homem (ou, em outras palavras, um objeto), proposta que foi revigorada pelo aparecimento e valorização da propriedade privada sobre as relações humanas e afetivas.
Aliás, para Simone de Beauvoir, “a propriedade privada aparece: senhor dos escravos e da terra, o homem torna-se também proprietário da mulher” e, “nisso consiste a grande derrota histórica do sexo feminino”, já que na “família patriarcal baseada na propriedade privada [...] a mulher é oprimida”.[7]
Desse modo, embora se trate de fenômeno extremamente complexo e multidimensional, como dito, ao qual não se pode imputar apenas uma causa fundante, pode-se evidenciar que a ótica perpetuada da mulher como propriedade, ou como objeto, está umbilicalmente correlacionada e constitui, em grande medida, a base estrutural da violência doméstica e familiar em nossa sociedade.
No Brasil, ainda que a Constituição da República e 1988 tenha trazido uma verdadeira virada axiológica nas estruturas sociais e familiares, impondo igualdade de gêneros, e, ainda, a exigência de que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, §8º), não é necessário grande esforço de raciocínio para se constatar que muito chão ainda precisa ser percorrido para que se atinja uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres.
Enquanto isso (e, até mesmo, na aceleração desse processo), a atuação positiva do Estado é imprescindível para que se logre êxito em tal intento. Nesse cenário, a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) adquire uma importante função para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, exercendo papel transformador da realidade social.
Neste propósito, estipulou-se alguns aspectos basilares, eu foram inicialmente definidos pelo legislador e posteriormente ratificados pelo Judiciário. Passa-se à sua análise.
2. ASPECTOS BASILARES DA LEI 11.340/06
Especificamente a respeito da violência contra a mulher, no ano de 1994 houve a aprovação da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (“Convenção de Belém do Pará”).[8] Levando em consideração o cenário historicamente desequilibrado, logo em seu preâmbulo se define que “a violência contra a mulher constitui ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres”.
Até mesmo como um consectário do mandamento constitucional disposto no artigo 228, §8º, da Constituição da República de 1988, e, ainda, do compromisso firmado no âmbito internacional, o Brasil editou a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, tratando do tema de forma específica e criando um sistema protetivo em favor das mulheres.
Trata-se de lei que haverá incidência quando houver “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art. 5º, Lei nº 11.340/06). Além disso, o caráter exemplificativo das formas de violência pode ser extraído da previsão “entre outras”, contida no artigo 7º da Lei.
Deve-se destacar que este elenco exemplificativo nas formas de expressão de violência tem por finalidade viabilizar a concessão de medidas protetivas, que possuem natureza civil, conforme posicionamento do STJ.[9] Desse modo, toda violência perpetrada contra a mulher é hábil a ensejar a incidência tutelar da Lei Maria da Penha, mas nem toda violência será considerada automaticamente crime. Afinal, a esfera civil e penal são independentes e, de acordo com o princípio da legalidade, apenas serão crimes aquelas condutas previamente tipificadas em lei (art. 1º, Código Penal). No ponto, o STJ já definiu que
[...] em feitos criminais de violência doméstica e familiar, não cabe ampliação interpretativa das formas de violência, dos sujeitos protegidos e das penas - mesmo cautelares - incidentes, por afetarem ao fundamental princípio da legalidade. 6. Em direito penal, os interesses sociais somente podem gerar apenamento por prévia alteração legal. É ao legislador e não ao juiz que cabe a ampliação de hipóteses incriminadoras ou alteração de penas.[10]
Por certo, as formas de violência, que servem de padrões para a identificação de condutas baseadas questões de gênero, podem ser evidenciadas a partir de noções socialmente estigmatizadas e que apenas perenizam a condição de pessoa em condição de inferioridade perante os homens.
No ponto, o STJ exige “que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher”.[11] Para além da vulnerabilidade ou subordinação,[12] alguns tribunais estaduais entendem que é imprescindível que haja a demonstração de uma “relação de hierarquia ou subjugação entre autor e vítima”, ou, ainda, uma “relação de dominação pela força ou poder”.[13]
Mas, para além da motivação, a Lei ainda estabelece que a violência deve ser perpetrada no âmbito da unidade doméstica (a), da família (b) ou em qualquer relação íntima de afeto, isto é, em razão da afetividade existente entre os envolvidos (c).
No contexto doméstico (a), a violência pode ocorrer em um espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, como, por exemplo, em relação à empregada doméstica ou de amigos que moram juntos (art. 5º, I). A lei é clara ao pontuar que quando se estiver diante de uma violência doméstica, não haverá a necessidade de se ter uma relação familiar concomitante.
Por isso, frisa-se: uma coisa é a violência doméstica, outra, a violência familiar. Esta última (b) pode se verificar quando os indivíduos forem ou se considerarem parentes, unidos por laços naturais, de afinidade ou por vontade expressa (art. 5º, II). Por fim, a Lei também incidirá quando houver qualquer relação íntima de afeto (c), na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (art. 5º, III).
Percebe-se, então, que entre as três formas de incidência da Lei, a coabitação será uma exigência intrínseca apenas da violência doméstica (a), já que esta, por óbvio, é aquela que se desenvolve no espaço domiciliar. Tanto a violência familiar (b) quanto aquela que ocorra em qualquer relação íntima de afeto (c) dispensam tal requisito.
Aliás, diferenciar a violência doméstica e analisá-la de modo isolado da violência familiar ou por relações afetivas é uma mostra clara que haverá a incidência da Lei Maria da Penha independentemente de qualquer relação afetiva-sexual entre os envolvidos.
Ademais, o STJ entende que a “mulher possui na Lei Maria da Penha a proteção acolhida pelo país em direito convencional de proteção ao gênero, que independe da demonstração de concreta fragilidade, física, emocional ou financeira".[14] No ponto, questiona-se: haveria uma presunção de vulnerabilidade a toda e qualquer mulher, ou haveria a necessidade de demonstração fática de tal requisito, com ampla produção probatória?
Corriqueiramente, o STJ aplica a sua Súmula 7, que impede o reexame fático-probatório, impedindo-se a averiguação se “a violência se deu em razão de gênero e em contexto de vulnerabilidade".[15] No entanto, o mesmo Tribunal já definiu expressamente que “é presumida, pela Lei Maria da Penha, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar”,[16] de modo que “basta a comprovação de que a violência contra a mulher foi exercida no âmbito da unidade doméstica, da família ou de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou haja convivido com a ofendida”.[17] Em julgado paradigmático, a Ministra Laurita Vaz fixou em seu voto que:
A situação de vulnerabilidade e fragilidade da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, nas circunstâncias descritas pela lei de regência, se revela ipso facto. Com efeito, a presunção de hipossuficiência da mulher, a implicar a necessidade de o Estado oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente, constitui-se em pressuposto de validade da própria lei. Vale ressaltar que, em nenhum momento, o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração dessa presunção, que, aliás, é ínsita à condição da mulher na sociedade hodierna.[18]
A partir de tal entendimento, deve-se frisar que, se, por um lado, existe presunção de hipossuficiência e vulnerabilidade da mulher, dispensando-se tal comprovação nos autos (revelando-se ipso facto), o mesmo não ocorrerá quando se estiver buscando demonstrar a existência de relação íntima de afeto, para que, com isso, haja a incidência da Lei 11.340/06. Não se pode esquecer que relações afetivas podem ser mais sutis em sua demonstração do que aquelas que envolvem relações domésticas ou familiares. Justamente por isso, a prova pode ser essencial para a incidência – ou não – da Lei Maria da Penha.[19]-[20]
Por outro lado, nos últimos anos, a Lei 11.340/06 sofreu importantes alterações legislativas. Uma delas é a Lei nº 13.505, de 2017, que fixou que “é direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados” (art. 10-A).
Essa Lei teve por finalidade trazer uma série de medidas para que haja um adequado atendimento da mulher por parte dos órgãos oficiais, visando coibir a violência institucional, com foco na não revitimização.
Para tanto, a inquirição da mulher deve seguir algumas diretrizes. São elas: a) a salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar; b) garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher, seus familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas; c) não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada (art. 10-A, §1º).
A Lei estabeleceu, ainda, um procedimento adequado para inquirição da vítima, incluindo o atendimento em um recinto especialmente projetado para esse fim, em atenção à idade da mulher e à gravidade da violência sofrida, a intermediação por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial e, por fim, a referida Lei determinou que o depoimento seja gravado em meio eletrônico ou magnético (art. 10-A, §2º).
Em 2019, a Lei nº 13.871 inovou no ordenamento jurídico ao fixar que o agressor ficará obrigado a ressarcir todos os danos causados (inclusive ao Sistema Único de Saúde - SUS), os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços. Ademais, os dispositivos de segurança destinados ao monitoramento das vítimas também deverão ter os seus custos ressarcidos pelo agressor (art. 9º, §4º e §5º, Lei 11.340/06). Esse ressarcimento não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada (art. 9º, §6º, Lei 11.340/06).
O STJ já teve a oportunidade de julgar alguns casos distintos daquele que se refere ao vínculo conjugal ou de companheirismo e, em razão das peculiaridades, o próximo tópico será destinado à sua análise.
3. AS APLICAÇÕES DA LEI MARIA DA PENHA PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS: PARA ALÉM DE RELACIONAMENTOS AFETIVO-SEXUAIS
Não se tem dúvidas que a incidência mais comum da Lei Maria da Penha ocorrerá em casos em que exista, de forma concomitante, uma violência doméstica e, também, familiar. Seria o caso de violência perpetrada pelo marido em face da esposa, ou do companheiro em face da companheira.
É essencial destacar que apenas a mulher como sujeito passivo poderá se beneficiar da aplicação da Lei. Assim, no conceito de mulher enquadram-se “as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. A agressão contra elas no âmbito familiar também constitui violência doméstica”, segundo Maria Berenice Dias.[21] Para o STJ, podem compor “o polo passivo da ação delituosa as esposas, as companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do agressor e também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar ou afetivo com ele”.[22]
Por outro lado, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, independentemente do gênero. Foi o que decidiu o STJ, ao descrever que o “sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade”.[23]
Denota-se, então, que haverá incidência da Lei também em situações distintas dos relacionamentos afetivo-sexuais.
É o caso, por exemplo, da violência entre irmãos, caso haja a demonstração da motivação específica, isto é, ser baseada em gênero. Sobre o tema, o STJ já entendeu que “delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica”.[24] Nesse caso, o Tribunal consignou a inexistência de motivação baseada em gênero, ao dispor que, “no caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar”.[25]
Em relação ao irmão, o STJ é firme em reputar que “a agressão perpetrada pelo irmão contra a irmã incide na hipótese de violência praticada no âmbito familiar, tipificado no art. 5º, II, da Lei nº 11.340/06”.[26] No entanto, em outro julgamento o mesmo tribunal já entendeu pela não aplicação da Lei em caso de lesão corporal leve de um irmão contra uma irmã.[27]
Via de regra, não atrai a incidência da Lei Maria da Penha o conflito entre irmãos motivado por questões financeiras, na ótica de alguns tribunais. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que “a briga da qual resultou as lesões corporais teve motivação específica, e decorreu de discórdia entre irmãos sobre a partilha de bem imóvel havido por herança”, de modo que “o fato de os possíveis agressores serem irmãos da vítima não atrai, por si só, a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher”.[28] No mesmo sentido, é possível encontrar jurisprudência no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.[29]
Também a relação entre pais e filhas poderá desencadear a incidência da Lei. No entanto, o STJ já negou a aplicação de suas disposições quando o “ato praticado pelo pai em face da filha decorreu de desavença em relação ao valor da conta de energia, inexistindo vínculo com o gênero da vítima, razão pela qual foi mantido o afastamento da competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar”.[30]
Também é possível incidir a Lei 11.340/06 nas relações entre mãe e filha, “desde que esteja presente o estado de vulnerabilidade caracterizado por uma relação de poder e submissão”.[31]
Em relação às questões etárias, quando a vítima possui tenra idade, o STJ tem se posicionado contrariamente à aplicação da Lei Maria da Penha. Em uma ocasião, o Tribunal da Cidadania reputou que em casos de estupro de vulnerável, a motivação é justamente a tenra idade da ofendida, e não o fato de ser a vítima do sexo feminino. Assim, trazendo reflexos bastante contraditórios, definiu que
No caso dos autos, verifica-se que o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, mas sim a tenra idade da ofendida, que residia sobre o mesmo teto do agravante, que com ela manteve relações sexuais consentidas, motivo pelo qual não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.[32]
Em relação à mulher idosa, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem julgados no sentido de que “a Lei Maria da Penha protege a mulher, sendo irrelevante o fato de ela ser idosa ou não”.[33] Contudo, o STJ já entendeu que a
o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a prática da contravenção penal, mas sim a idade avançada da ofendida e a sua fragilidade perante o agressor, seu próprio filho, motivo pelo qual não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.[34]
No tocante à violência exclusivamente doméstica (e não familiar), o STJ também já admitiu a incidência da Lei Maria da Penha em um caso de assédio sexual em relação entre empregador e empregada doméstica, principalmente em razão da “inegável relação hierárquica e hipossuficiência entre a vítima e o suposto agressor”, que “partilhavam, em caráter diário e permanente, a unidade doméstica onde os fatos teriam ocorrido”.[35] No entanto, o tema não é pacífico, já que em outro julgado o tribunal consignou que
A recorrida foi denunciada por submeter adolescente do sexo feminino a trabalhos domésticos inadequados a sua saúde e condição física, consistentes em arrumação da casa e cuidados de criança. Os supostos maus tratos narrados na exordial são oriundos de relação de subordinação entre patroa e empregada e não de submissão da vítima a constrangimento em razão de ser mulher inferiorizada na relação de convivência, motivo pelo qual o caso concreto não atrai a proteção da Lei Maria da Penha.[36]
Em relação ao vínculo meramente afetivo entre as partes (em relações não familiares e sem a ocorrência de violência no âmbito da unidade doméstica), o STJ reputa que a lesão corporal praticada por namorado se enquadra na hipótese do art. 5º, III, da Lei 11.340/06,[37] da mesma forma que a violência perpetrada em razão do inconformismo do agressor com o fim do relacionamento.[38] Desse modo, ainda que o namoro tenha chegado ao fim, mas que a violência seja praticada como decorrência de tal fato, incidirá a Lei Maria da Penha.[39]
Nessa seara, um dilema prático que pode ser vislumbrado nas instâncias ordinárias é a comprovação da existência de relação íntima de afeto, o que deve ser objeto de produção probatória, como já mencionado.
A mera transitoriedade do relacionamento também não parece afastar a aplicação da Lei 11.340/06.[40] Porém, como não poderia deixar de ser, o tema também não é pacífico. É o caso ocorrido, por exemplo, com Eliza Samúdio e o Goleiro Bruno, onde ela requereu a aplicação de medidas protetivas de urgência em seu favor em 2009, que foi denegada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sob o fundamento de que “a Lei Maria da Penha não se aplicava ao caso, visto que eles não mantinham relação afetiva estável”,[41] tendo sido vítima de homicídio em 10 de junho de 2010 pelo próprio agressor.
Os relacionamentos entre prostitutas e clientes também merecem um olhar mais atento por parte do intérprete, embora ainda possua um debate jurisprudencial bastante incipiente. Sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reputou cabível a aplicação da Lei em tais situações, mas ressaltou a “existência de elementos suficientes a comprovar que o relacionamento havido entre réu e vítima extrapolou a relação profissional e supostamente contratual, denotando intimidade suficiente para a incidência da Lei Maria da Penha”.[42]
Nos casos acima citados, em que os Tribunais entenderam que não haveria a incidência da Lei Maria da Penha, deveria se seguir os procedimentos judiciais regulares previstos no ordenamento jurídico: ações cautelares, com obrigações de fazer e não fazer, ações criminais, entre outras. Não significa que o caso ficará imune a qualquer tipo de resposta estatal, mas, sim, que não haverá a competência específica dos Juizados da Violência Doméstica, nem a possibilidade de se valer dos benefícios que visam equilibrar os dois lados dessa relação.
Mas, quais seriam os mecanismos trazidos pela Lei Maria da Penha? É o que se analisará no próximo tópico.
4. ALGUMAS PECULIARIDADES DA LEI 11.340/06
4.1. INDEPENDÊNCIA E COMUNICABILIDADE ENTRE AS INSTÂNCIAS CÍVEL E CRIMINAL
Parece inquestionável que um dos grandes méritos da Lei 11.340/06 foi ter viabilizado a concessão de medidas protetivas de urgência em favor de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Mas, para além delas, também se elencou uma independência das esferas cíveis e criminais, embora as comunicando através do julgamento pelo mesmo juízo, que acumulará competência híbrida cível e criminal (art. 14, Lei 11.340/06).
Com o advento da Lei 13.894/19, é opcional à ofendida propor a ação de divórcio e dissolução da união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com exclusão da partilha de bens (art. 14-A, caput e §1º).
Todavia, antes mesmo de tal alteração legislativa, em um entendimento ainda contemporâneo, o STJ já previa a competência deste juízo especializado para as ações de direito de família, desde que houvesse uma atual correlação destas com a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (como causa de pedir), independentemente da aplicação das medidas protetivas de urgência (que também assumem natureza civil, mas são autônomas em relação às ações de direito de família).[43]
Aliás, para a mulher que residia em país estrangeiro, já se consignou a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar até mesmo para a regulamentação da guarda unilateral de filho menor. [44]
Desse modo, também as questões correlacionadas aos direitos dos filhos menores podem ser analisadas pelo Juízo da Violência Doméstica e Familiar, em nome de uma maior funcionalidade do sistema jurisdicional e da garantia do princípio do melhor interesse da criança. Para o STJ, “é o juízo da correlata Vara Especializada que detém, inarredavelmente, os melhores subsídios cognitivos para preservar e garantir os prevalentes interesses da criança, em meio à relação conflituosa de seus pais”.[45]
Nessa toada, verifica-se que o Juizado de Violência Doméstica e Familiar possui a competência potencial para três tipos autônomos de demandas: a) a ação cível para aplicação de medidas de proteção; b) a ação de direito de família; c) a ação criminal. Aliás,
A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção.[46]
No âmbito criminal, em recurso submetido ao rito dos repetitivos, o STJ definiu que, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja requerimento da acusação ou da ofendida (por meio de pedido expresso), dispensando-se instrução probatória, já que “uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados”.[47]-[48]
Enquanto a ação cível de direito de família e a criminal seguirão o rito específico previsto no Código de Processo Civil e Penal, a ação autônoma de medida protetiva merece um estudo um pouco mais aprofundado. É o que será analisado no próximo tópico.
4.2. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E SUA NATUREZA
A Lei Maria da Penha inaugurou um sistema protetivo um favor da mulher, precipuamente em razão de consignar a viabilidade de se deferir medidas de urgência visando debelar a situação de violência doméstica e familiar vivenciada.
Em tais casos, a urgência é ínsita à situação, já que dados do Instituto de Pesquisa Econômica e aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que entre 2012 a 2017, crimes dentro das residências cresceram 17,1%.[49]
Aliás, a violência contra a mulher foi potencializada durante a pandemia da Covid-19. Dados apontam que apenas no Estado de São Paulo houve um aumento de 44,9%.[50] Já no Rio de Janeiro, esse número aumentou em 10%,[51] tendência que tem se repetido nos demais Estados brasileiros, o que levou o Ministério Público de São Paulo a editar uma nota técnica (Raio-X da violência doméstica durante o isolamento) fixando que "a casa é o lugar mais perigoso para uma mulher", já que "a maioria dos atos de violência e feminicídios acontece justamente em casa".[52]
Existe certa divergência a respeito da natureza jurídica de tais medidas protetivas, mas, tem preponderado que elas ostentam natureza civil.[53] Ademais, já entendeu o STJ que “a intervenção do juiz cível, usando de cautelares previstas ou não na Lei Maria da Penha previstas, se dá por seu poder geral de cautela, ínsito à jurisdição, mas exclusivamente em feitos de sua competência”.[54]
Portanto, “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis” (art. 10, Lei 11.340/06), regra que também se aplicará no caso de descumprimento da medida protetiva deferida.
Tem-se que as medidas protetivas de urgência “podem ser obtidas pela instauração de um procedimento cautelar embora sem conteúdo cautelar (ou seja, de caráter satisfativo)”,[55] e o fato de terem um início bastante facilitado e diferente das demais ações (que dispensa a apresentação de uma petição inicial nos moldes tradicionais), a sua natureza de demanda não pode ser afastada pelo intérprete.
É que a Lei conferiu à mulher capacidade postulatória para realizar requerimento de medidas protetivas de urgência em seu benefício, que será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter a qualificação da ofendida e do agressor, o nome e a idade dos dependentes, a descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida e, ainda, informações sobre a condição da ofendida ser pessoa com deficiência ou se da violência sofrida resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente (art. 12, §1º). Desse modo, os elementos da demanda, compostos por partes, pedido e causa de pedir estão claramente delineados neste termo.
Mas frisa-se: a mulher terá capacidade postulatória apenas para dar início a referida ação, requerendo a aplicação de medidas protetivas. Mas, a partir de então, deverá estar acompanhada por advogados para todos os demais atos processuais, nos moldes previstos no artigo 27 da Lei. Na doutrina, Fredie Didier assim explica tal situação:
O pedido de concessão de medidas protetivas de urgência pode ser formulado diretamente pela suposta ofendida, que, para tanto, tem capacidade postulatória. Não é necessário, portanto, que esteja acompanhada de advogado ou defensor público (art. 27 da Lei Maria da Penha). A capacidade postulatória é concedida à mulher, neste caso, apenas para formular a demanda das medidas protetivas de urgência (arts. 22-24 da Lei Federal nº 11.340/06); não a tem, porém, para o acompanhamento do processo a partir daí.[56]
Ademais, a Lei 11.340/06 estabeleceu uma larga tutela protetiva à mulher, definindo três tipos de medidas protetivas de urgência: a) aquelas que obrigam o agressor – art. 22; b) aquelas destinadas à proteção da vítima – art. 23; c) aquelas que visam proteger o patrimônio da vítima – art. 24.
O rol contido em todas as hipóteses descreve medidas protetivas típicas, mas, diante da previsão exemplificativa prevista no caput dos respectivos dispositivos legais, é plenamente possível a aplicação de medidas atípicas.
Além disso, as medidas protetivas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados (art. 19, §2º, Lei 11.340/06).
No ano de 2020, a Lei nº 13.984 ampliou o rol de medidas protetivas típicas que obrigam o agressor (art. 22, VI e VII), ao prever que a autoridade competente poderá determinar o seu comparecimento a programas de recuperação e reeducação, bem como o acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Para efetivação das medidas previstas no artigo 22 da Lei, é possível que o juiz determine a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, entre outras.
Consoante disposição expressa do artigo 20 da Lei 11.340/06, a prisão preventiva somente terá vez no procedimento criminal (em qualquer fase do inquérito policial ou instrução criminal), de modo a não ser possível, na visão tradicional, a fixação da prisão unicamente no caso de descumprimento das medidas protetivas, já que, como visto, nem todas as formas de violência configuram em crime propriamente dito. O STJ tinha entendimento de que “o descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP)”, já que a Lei “previu alternativas para que ocorra o efetivo cumprimento das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, prevendo sanções de natureza civil, processual civil, administrativa e processual penal.”
No entanto, tal celeuma foi debelada com o advento da Lei 13.641/18, pela previsão de que o descumprimento das medidas protetivas de urgência é considerado crime, com detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos (art. 24-A, Lei 11.340/06).[57]
Também o rol de medidas protetivas típicas e aplicáveis à ofendida (art. 23) foi ampliado com a Lei nº 13.882/19, que previu que a autoridade poderá “determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga” (art. 23, V, Lei 11.340/06).
Por fim, essencial destacar que a partir da Lei 13.827/19, viabilizou-se a concessão de uma das medidas protetivas de urgência típicas, referente ao afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, pelo delegado de polícia (quando o Município não for sede de comarca) ou pelo policial (quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia), que devem comunicar o juiz no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas. Antes, as medidas somente poderiam ser concedidas pela autoridade judicial.
Mais recentemente, a partir da Lei 14.022/20, que vigorará durante o estado de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Covid-19, viabilizou-se a requisição online e a concessão de quaisquer medidas de proteção, para além da autoridade judicial, também pelo delegado de polícia ou pelo policial, devendo ocorrer a comunicação imediata ao Ministério Público e ao Poder Judiciário (art. 4º, §3º e §4º). Ademais, as medidas serão automaticamente prorrogadas até a cessação da vigência da Lei 13.979/2020 ou da declaração de estado de emergência de caráter humanitário e sanitário em território nacional.
4.3. DA ANÁLISE COMPLEMENTAR DA LEI MARIA DA PENHA COM OUTROS INSTRUMENTOS PROTETIVOS (ESTATUTO DO IDOSO E DA CRIANÇA DO ADOLESCENTE)
Quanto à lei aplicável ao processo, julgamento e execução das causas cíveis e criminais aplicar-se-ão tanto as normas do Código de Processo Penal quanto do Código Processo Civil. E, ainda, quando existir a incidência concomitante de mais de um instrumento normativo protetivo, como o Estatuto da Criança e do Adolescente ou o Estatuto do Idoso, é possível que haja a aplicação de suas normas no que couber (art. 13, Lei 11.340/06).
Isso faz com que se denote uma ampliação da rede de proteção às mulheres que se encontram em situação de violência e que haja a incidência concomitante de mais de um instrumento tutelar, justamente em razão da existência de múltiplas vulnerabilidades. Parece bem claro que o propósito do legislador não foi conferir uma sobreposição de um mecanismo tutelar em detrimento do outro, mas, sim, da complementaridade entre tais instrumentos. Se não fosse assim, se cogitaria que essa pessoa em condição de vulnerabilidade mais acentuada (múltipla) estaria recebendo do Estado uma proteção menor e, ainda, inadequada.
É o caso, por exemplo, da violência doméstica e familiar praticada em face de uma mulher idosa, ou, por outro lado, de uma criança/adolescente do sexo feminino. Em ambos os casos, haveria a incidência potencial tanto do Estatuto protetivo respectivo (do Idoso ou da Criança e do Adolescente) quanto da Lei Maria da Penha. Excluir automaticamente a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos - na suposição de que haverá a adequada proteção conferida pelo Estatuto protetivo respectivo - poderá gerar uma complexa e inadequada resposta estatal.
Isso porque, embora exista expressa autorização de aplicação de medidas protetivas também no Estatuto do Idoso e no da Criança e do Adolescente, às quais são meramente exemplificativas, aquelas dispostas na Lei Maria da Penha possuem um procedimento mais facilitado para a sua concessão. É o caso, por exemplo, da possibilidade de aplicação das medidas protetivas de afastamento do lar e da convivência com a ofendida pelo delegado (quando o Município não for sede de comarca) ou, até mesmo, pelo policial (quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia), sendo o juiz comunicado dentro das próximas 24 horas, consoante dispõe o artigo 12-C, fruto das alterações trazidas pela Lei 13.827/2019. E, atualmente, como visto, em razão da Lei nº 14.022/20, todas as medidas protetivas podem ser concedidas pela própria polícia.
Tal facilidade não foi concedida às medidas de proteção previstas no Estatuto do Idoso, que devem ser autorizadas pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário, a requerimento daquele (art. 45, EI), e no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao fixar apenas a atribuição da autoridade competente para a sua concessão (art. 101, ECA).
No entanto, muito mais do que o Poder Judiciário ou o Ministério Público, não se tem dúvidas que a Polícia é a principal porta de acesso à informações a respeito da ocorrência de violências, as quais demandam uma atuação estatal imediata para a proteção da própria vida da vítima. Por isso, defende-se que a utilização dos institutos deve ser complementar, de modo que a exclusão peremptória da incidência concomitante da Lei Maria da Penha pode não se mostrar a saída mais indicada, sob pena de se criar uma perplexa situação de menor tutela justamente às pessoas mais vulneráveis.
Diante disso, falar em lei aplicável de maneira complementar, viabilizando uma tutela imediata e concessão de medidas de proteção pela própria Polícia, pode não afetar a fixação da competência perante o juízo mais especializado ao caso, que poderá ser, a depender da situação concreta, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar, a Vara da Infância e Juventude ou, por outro lado, a Vara Especializada do Idoso. Aliás, especificamente quanto à competência, em um caso de estupro de uma menina de 4 anos de idade pelo próprio pai, o STJ afirmou que “ainda que fosse o caso de violência doméstica, deve prevalecer, para fins de fixação de competência, a condição de criança da vítima, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente”.[58]
Quanto ao idoso, uma dificuldade prática entra em cena. É que, se, por um lado, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar é amplamente difundido e instituído pelos Tribunais estaduais, por outro, “ainda são escassas as varas especializadas para atendimento de pessoas idosas pelo Brasil afora”.[59] De fato, cada Estado possui a sua Lei de Organização Judiciária, sendo que alguns preveem requisitos mínimos para a criação de Varas especializadas.[60]-[61]
No caso de inexistência de Vara Especializada do Idoso, o trâmite para o processo e para a concessão de medidas protetivas de urgência poderá recair em Varas cíveis residuais, que, além de uma alta demanda (extremamente heterogênea), podem não ter meios adequados para garantir adequadamente a tutela dessas pessoas, como auxílio policial e uma estrutura mais específica para lidar com tais questões. De maneira indireta, isso significa prestar uma tutela menos adequada à pessoa idosa, caso se entenda de maneira peremptória que não haverá a incidência da Lei Maria da Penha.
Todo esse cenário parece justificar que, pela análise complementar das referidas leis, a fixação da competência deverá se utilizar do “direito material adequado e os instrumentos processuais que garantam a defesa e a efetividade da prestação jurisdicional, de modo que sejam afastadas esquemas abstratos rígidos de competência”,[62] o que corresponderia à aplicação do princípio da competência adequada, onde o caso concreto não pode ser descartado pelo juiz, para apenas aplicar a letra fria da lei como mandamento definidor puro da competência, em completa dissonância da sua efetividade. Por isso,
O órgão jurisdicional competente deve ser aquele que, no exame das capacidades institucionais (que envolvem variáveis estruturais e funcionais dos diferentes órgãos, aferíveis por indicadores objetivos), seja o mais adequado para julgar o caso, a fim de que seja alcançado o melhor resultado jurisdicional – o que resume a perspectiva qualitativa da eficiência.[63]
Desse modo, a análise complementar dos instrumentos tutelares, inclusive no tocante à fixação da competência adequada, parece a medida mais salutar para que haja uma resposta estatal rápida e adequada à proteção dos direitos da vítima.
5. CONCLUSÃO
A Lei Maria da Penha trouxe um espectro normativo mais adequado a tutela das vítimas da histórica e perversa violência doméstica e familiar. Diante da consolidação de tais direitos na seara normativa nacional e internacional, a Lei apresentou uma proteção para mulheres em situação de violência doméstica (a), familiar (b) e em relações íntimas de afeto (c). A coabitação é essencial apenas na violência doméstica, mas não necessariamente na pautada em relações familiares ou afetivas.
A violência deve ser baseada em questões de gênero, pela condição de mulher da vítima. No entanto, violência não se confunde com crime. Enquanto o crime deve sempre ser objeto de prévia previsão em lei (princípio da legalidade), a violência contra a mulher, que pode viabilizar a aplicação de medidas protetivas, é meramente exemplificativa pela lei.
Quanto às aplicações, a Lei Maria da Penha incidirá em qualquer tipo de relação (não apenas meramente a relacionamentos afetivo-sexuais), desde que seja contra a mulher (sujeito passivo). Inclusive, uma mulher pode também ser o sujeito ativo, como a mãe ou a irmã, por exemplo.
A Lei traz também algumas peculiaridades, como a independência e comunicabilidade entre as instâncias cível e criminal, a possibilidade de aplicação das medidas protetivas e a sua natureza cível e, por fim, a complementaridade com outros instrumentos protetivos, como o Estatuto do Idoso e da Criança e do Adolescente, aos quais devem sempre ser analisados pelo viés da efetividade, inclusive na fixação da competência.
6. REFERÊNCIAS
ALCÂNTARA, Alexandre de Oliveira et al. Estatuto do Idoso: comentários à Lei 10.74/2003. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 4. Ed. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1970.
CINTAS-PEÑA, Marta; SANJUÁN, Leonardo García. Gender Inequalities in Neolithic Iberia: A Multi-Proxy Approach. European Association of Archaeologists 2019, 20 mar. 2019. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/european-journal-of-archaeology/article/gender-inequalities-in-neolithic-iberia-a-multiproxy-approach/7CA3A7DB7D56AFF67784371206E1D86C. Acesso em 26 out. 2020.
CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1961.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos Processuais Civis da Lei Maria da Penha (Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher). Disponível em: http://tmp.mpce.mp.br/nespeciais/promulher/artigos/Aspectos%20Processuais%20Civis%20da%20Lei%20Maria%20da%20Penha.pdf. Acesso em 10 mar. 2021.
DIDIER, Fredie. Cooperação judiciária nacional. Salvador: Juspodivm, 2020.
SILVEIRA, Clara Maria Holanda; OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. A mulher é Eva, o homem é Adão? Reflexões sobre o significado de ser homem e de ser mulher na sociedade. Disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/view/24016/15336. Acesso em 26 out. 2020.
[1] Entre muitos, SILVEIRA, Clara Maria Holanda; OSTERNE, Maria do Socorro Ferreira. A mulher é Eva, o homem é Adão? Reflexões sobre o significado de ser homem e de ser mulher na sociedade. Disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/view/24016/15336. Acesso em 26 out. 2020.
[2] CINTAS-PEÑA, Marta; SANJUÁN, Leonardo García. Gender Inequalities in Neolithic Iberia: A Multi-Proxy Approach. European Association of Archaeologists 2019, 20 mar. 2019. Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/european-journal-of-archaeology/article/gender-inequalities-in-neolithic-iberia-a-multiproxy-approach/7CA3A7DB7D56AFF67784371206E1D86C. Acesso em 26 out. 2020.
[3] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 15.
[4] No preâmbulo, consta que “nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos”.
[5] Ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 31.643, de 23 de outubro de 1952.
[6] “Os poderes do paterfamilias sobre os seus dependentes se resumem no ius vitae et necis, no ius exponendi, no ius vendendi e no ius noxae dandi. O ius vitae et necis é o direito de vida e de morte sobre as pessoas dependentes”. CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1961, p. 98.
[7] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 4. Ed. São Paulo: Difusão europeia do livro, 1970, p. 74-75.
[8] Ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 1.973, de 01 de agosto de 1996.
[9] STJ, REsp 1550166/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe de 18/12/2017.
[10] STJ, REsp 1623144/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6T, DJe de 29/08/2017.
[11] STJ, AgRg no AREsp 1020280/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 5T, DJe de 31/8/2018 e STJ, AgRg no REsp 1858438/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5T, DJe de 24/08/2020.
[12] TJDFT, Acórdão n. 915242, 20150510100804RSE, Rel. Souza E Avila, 2TC, DJE de 26/01/2016.
[13] TJ-GO, CC: 03015870620128090044, Rel. Des. Nicomedes Domingos Borges, Seção Criminal, DJ de 03/08/2018.
[14] STJ, AgRg no RHC n. 74.107/SP, 6T, DJe de 26/09/2016 e AgRg no AREsp 1623974/SP, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, 6T, DJe de 13/08/2020.
[15] STJ, AgRg no REsp 1574112/GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6T, DJe de 07/11/2016; AgRg no AREsp 1437852/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5T, DJe de 28/02/2020.
[16] STJ, AgRg no AREsp 1649406/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6T, DJe de 28/05/2020.
[17] STJ, AgRg no AREsp 1649406/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6T, DJe de 28/05/2020.
[18] STJ, REsp 1416580/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5T, DJe de 15/04/2014.
[19] “Não cabe a esta Corte Superior, em habeas corpus, desconstituir a valoração das instâncias locais quanto à existência de relação íntima de afeto porque indevida pretensão de revisão probatória” (STJ, AgRg no RHC 74.107/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6T, DJe de 26/09/2016).
[20] “Hipótese em que, tanto o Juízo singular quanto o Tribunal a quo, concluíram que havia, à época dos fatos, uma relação de namoro entre o agressor e a primeira vítima; e, ainda, que a agressão se deu no contexto da relação íntima existente entre eles. Trata-se, portanto, de fatos incontestes, já apurados pelas instâncias ordinárias, razão pela qual não há falar em incidência da Súmula n.º 07 desta Corte”. (STJ, REsp 1416580/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5T, DJe de 15/04/2014).
[21] DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 41.
[22] STJ, HC n. 310.154/RS, 6T, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 13/05/2015 e AgRg no AREsp 1626825/GO, Rel. Ministro Felix Fischer, 5T, DJe de 13/05/2020.
[23] STJ, CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, 3S, DJe de 18/12/2008.
[24] STJ, CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, 3S, DJe de 18/12/2008.
[25] STJ, CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, 3S, DJe de 18/12/2008.
[26] STJ, AgRg no AREsp 1437852/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5T, DJe de 28/02/2020.
[27] STJ, HC 212.767/DF, Rel. Min. Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJ/RS), 6T, DJe de 09/11/2011.
[28] TJDFT, CCR: 20150020266178, Rel. Jesuino Rissato, CC, DJE de 19/11/2015.
[29] TJRS, Conflito de Jurisdição nº 70080750037, 1CC, Rel. Sylvio Baptista Neto, Julgado em 24/04/2019).
[30] STJ, AgRg no AREsp 1544860/GO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020
[31] STJ, HC 175.816-RS, 5T, DJe de 28/6/2013; HC 250.435-RJ, 5T, DJe de 27/9/2013 e HC 277.561-AL, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/11/2014.
[32] STJ, AgRg no AREsp 1020280/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 5T , DJe de 31/08/2018.
[33] TJMG, APR nº 10024170641393001 MG, Rel. Catta Preta, Dje de 19/03/2018.
[34] STJ, REsp 1726181/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5T, DJe de 15/06/2018.
[35] STJ, HC 500.314/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, 5T, DJe de 01/07/2019.
[36] STJ, REsp 1549398/TO, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6T, DJe de 14/03/2017.
[37] STJ, AgRg no RHC 74.107/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6T, DJe de 26/09/2016 e HC 357.885/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5T, DJe de 31/08/2016.
[38] STJ, CC 103.813/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, 3S, DJe de 03/08/2009.
[39] STJ, CC 100.654/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, 3S, DJe de 13/05/2009; HC 181.217/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5T, DJe de 04/11/2011; AgRg no AREsp 59.208/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 5T, DJe de 07/03/2013; REsp 1416580/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5T, DJe de 15/04/2014.
[40] AgRg no AREsp 59.208/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 07/03/2013.
[41] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-jul-13/juiza-porque-nao-aplicou-lei-maria-penha-bruno. Acesso em 29 out. 2020.
[42] TJ-RJ, Embargos Infrigentes e de Nulidade N° 0241411-80.2013.8.19.0001. Rel. Des. José Muiños Piñeiro Filho. Julgado em 28/03/2017.
[43] STJ, REsp 1496030/MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe de 19/10/2015.
[44] “A pretensão da genitora de retornar ao seu país de origem, com o filho que pressupõe suprimento judicial da autorização paterna e a concessão de guarda unilateral à genitora, segundo o Juízo a quo deu-se em plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante encontrava-se submetida”. STJ, REsp 1550166/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe de 18/12/2017.
[45] “Eventual exposição da criança à situação de violência doméstica perpetrada pelo pai contra a mãe é circunstância de suma importância que deve, necessariamente, ser levada em consideração para nortear as decisões que digam respeito aos interesses desse infante. No contexto de violência doméstica contra a mulher, é o juízo da correlata Vara Especializada que detém, inarredavelmente, os melhores subsídios cognitivos para preservar e garantir os prevalentes interesses da criança, em meio à relação conflituosa de seus pais”. STJ, REsp 1550166/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe de 18/12/2017.
[46] STJ, REsp 1496030/MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe de 19/10/2015.
[47] “Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa”. STJ, REsp 1675874/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3S, DJe de 08/03/2018.
[48] Tese firmada: “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”. STJ, REsp 1675874/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3S, DJe de 08/03/2018.
[49] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-06/ipea-homicidios-de-mulheres-cresceram-acima-da-media-nacional#:~:text=Entre%202012%20e%202017%2C%20o,aumentou%20em%2029%2C8%25. Acesso em 10 mar. 2021.
[50] Conforme relatório divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Informação disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-04/sp-violencia-contra-mulher-aumenta-449-durante-pandemia. Acesso em 8/7/2020.
[51] Conforme avaliação realizada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro. Informação disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-06/no-rio-crime-de-violencia-contra-mulher-aumentou-10-na-quarentena. Acesso em 8/7/2020.
[52] Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/pls/portal/!PORTAL.wwpob_page.show ?_docname=2659985.PDF. Acesso em 8/7/2020.
[53] STJ, REsp 1550166/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe de 18/12/2017.
[54] STJ, REsp 1623144/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6T, DJe de 29/08/2017.
[55] DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos Processuais Civis da Lei Maria da Penha (Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher). Disponível em: http://tmp.mpce.mp.br/nespeciais/promulher/artigos/Aspectos%20Processuais%20Civis%20da%20Lei%20Maria%20da%20Penha.pdf. Acesso em 10 mar. 2021.
[56] DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos Processuais Civis da Lei Maria da Penha (Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher). Disponível em: http://tmp.mpce.mp.br/nespeciais/promulher/artigos/Aspectos%20Processuais%20Civis%20da%20Lei%20Maria%20da%20Penha.pdf. Acesso em 10 mar. 2021.
[57] DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA. O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). De fato, a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, para a configuração do crime de desobediência, não basta apenas o não cumprimento de uma ordem judicial, sendo indispensável que inexista a previsão de sanção específica em caso de descumprimento (HC 115.504-SP, Sexta Turma, Dje 9/2/2009). Desse modo, está evidenciada a atipicidade da conduta, porque a legislação previu alternativas para que ocorra o efetivo cumprimento das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, prevendo sanções de natureza civil, processual civil, administrativa e processual penal. REsp 1.374.653-MG, 6T, DJe de 2/4/2014; e AgRg no Resp 1.445.446-MS, 5T, DJe de 6/6/2014; RHC 41.970-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2014.
[58] STJ, AgRg no REsp 1490974/RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, 6T, DJe de 02/09/2019.
[59] ALCÂNTARA, Alexandre de Oliveira et al. Estatuto do Idoso: comentários à Lei 10.74/2003. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019, p. 211.
[60] É o caso, por exemplo, do Estado do Espírito Santo, que para cria-las, precisa cumprir requisitos cumulativos que compreendem população e distribuição mínima em percentuais preestabelecidos (ES, Lei Complementar Estadual 234/2002, Art. 7º, § 2º A criação de Varas Especializadas dependerá da ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: I - população mínima da Comarca de 50.000 (cinquenta mil) habitantes; II - distribuição anual de, pelo menos, 4.000 (quatro mil) processos na Comarca; e III - distribuição anual média, no último triênio, igual ou superior a 150% (cento e cinquenta por cento) da média registrada em unidades judiciárias de competência análoga). Nesses casos, a questão vai além da mera vontade política, já que cada Estado deverá respeitar os requisitos essenciais para a criação dessas varas.
[61] Em alguns Estados, ainda, existem Varas conjuntas da Infância, Juventude e Idoso, o que, poderá acarretar um conflito entre direitos com prioridades integrais, precipuamente pelo fato de que as crianças e adolescentes, além de também serem detentoras do princípio da prioridade integral, possuem uma maior demanda judicial (civil e por ato infracional), fazendo com que os direitos dos idosos acabem sendo deixados em um segundo plano.
[62] DIDIER, Fredie. Cooperação judiciária nacional. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 44.
[63] DIDIER, Fredie. Cooperação judiciária nacional. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 45.
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