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Plano de coparentalidade
Maria Berenice Dias
Advogada
Vice Presidente Nacional do IBDFAM
Com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, houve a necessidade da participação dos pais nos afazeres domésticos e cuidado para com os filhos. Assim, quando do fim da conjugalidade, buscam eles continuar participando da vida da prole.
No entanto, em face da crença de que as mães são as responsáveis pelos filhos, restando aos pais a obrigação pelo seu sustento, as mulheres sentem-se proprietárias deles. Querem que fiquem sob sua “guarda”, fazendo concessões aos pais para “visitá-los” ocasional e esporadicamente.
Só que esta moldura não mais cabe dentro da realidade dos dias de hoje. Até porque sobrecarrega demasiadamente as mulheres, que sofrem prejuízos de ordem pessoal, profissional e afetiva, acumulando tarefas e encargos que não são obrigações exclusivas delas.
A conflituosidade que se estabelece acaba nas portas da justiça, que não dispõe de ferramentas para dar uma resposta que preserve o melhor interesse dos filhos, os quais têm o direito de conviver com ambos os pais dentro de um clima que lhe garanta seu desenvolvimento emocional, intelectual e psíquico.
Apesar de a Constituição da República (art. 229), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 22) e o Código Civil (arts. 1.566, IV e 1.634, I) imporem a ambos os pais os encargos de cuidado, educação e sustento, quando deixam de conviver sob o mesmo teto limita-se a lei a regulamentar o que chama de “guarda” e “direito de visitas”. Duas expressões para lá de inadequadas.
Guarda significa colocar algo em algum lugar, armazenar. E visita é uma relação protocolar. Visitam-se amigos, doentes, pessoas presas. Ou seja, nada a ver com a obrigação dos pais de conviverem com os filhos. Indispensável é substituir a palavra guarda por convivência, que necessariamente tem que ser compartilhada. Somente nas hipóteses em que a justiça reconhece que o convívio com um dos pais pode colocá-los em risco ou perigo, pode o juiz determinar a custódia unilateral. Não guarda, custódia, que significa estar sob os cuidados de alguém.
Algo inquestionável: são os filhos têm direito de conviver com os pais. Direito que decorre do poder familiar do qual nenhum dos pais pode abrir mão, como equivocadamente permite a lei (CC, art. 1.584, I e § 2º). Basta atentar que a omissão configura abandono afetivo que gera obrigação indenizatória por dano moral, como reiteradamente vêm decidindo os tribunais.
A garantia assegurada aos filhos de conviver com ambos os pais não pode esbarrar em ressentimentos, mágoas e rancores que, muitas vezes, se instalam quando do fim da conjugalidade.
Tanto a chamada Lei de Mediação (Lei 13.140/2015), como a determinação de que sejam buscadas formas alternativas de solução de conflitos (CPC, arts. 3º, § 3º) impõem aos tribunais a criação de centros de conciliação e mediação (CPC, arts. 165 a 175). Claro que estas estruturas não existem na grande maioria das comarcas. E, onde existem, são deficitárias, não contam que equipe suficiente e eficiente para atender à demanda.
Um ou dois encontro protocolares dos mediadores ou conciliadores com os pais, nada significa se um ou ambos manifestarem que não têm interesse em fazer um acordo. Ora, de todo desarrazoado simplesmente delegar ao juiz – um estranho mergulhado em milhares de processos – a impossível tarefa de estabelecer a forma de convivência dos pais com os filhos, Não há como atentar a todas as nuances que envolvem uma dinâmica familiar em que inexiste comunicação saudável entre os genitores. Claro que, seja o que for o que o juiz decidir, não irá funcionar!
Daí a bela iniciativa que já vigora em vários países do mundo, trazida ao Brasil pela Psicóloga Jurídica Elsa de Mattos, sobre a necessidade de se criar a cultura de construir um Plano de Exercício da Coparentalidade.[1]
Afinal, a separação não afeta e nem restringe a autoridade parental de nenhum dos pais, tendo ambos o dever de cuidado, criação e educação dos filhos.
Mesmo nos relacionamento em que há alta conflituosidade, é necessário promover a organização familiar para que os filhos não sejam afetados pelas dificuldades que envolvem os pais em razão do fim de um relacionamento de ordem afetiva.
Não há outra forma para estabelecer um equilíbrio não somente em relação à convivência, mas principalmente das responsabilidades a serem assumidas por cada um dos genitores.
Como a necessidade de comunicação entre os pais necessariamente se perpetua no tempo, importante que tal ocorra de forma positiva e saudável. Ou seja, o relacionamento coparental precisa ser cuidadosamente construído pelos pais com o acompanhamento de um Coordenador Parental.
Compete ao Coordenador Parental buscar a adesão dos pais para o estabelecimento de um diálogo de modo a facilitar a comunicação entre eles na busca de soluções para a gestão de conflitos.
Indispensável definir prioridades, de modo a estabelecer o compartilhamento das responsabilidades, com a indicação das tarefas de cada um dos genitores nas atividades diárias dos filhos.
Estas rotinas precisam ser bem definidas, podendo contar, inclusive com a colaboração do filho. Afinal, tem ele o direito de expressar suas opiniões. Não que se vá deixá-lo tomar decisões ou acatar seus desejos.
O Plano de Exercício da Coparentalidade é um instrumento de reorganização familiar e que serve de proteção dos filhos não somente frente aos conflitos parentais, mas também quanto a violência perpetrada por algum dos genitores. A tentativa de um desqualificar o outro, com a finalidade de afastá-lo do convívio, necessita ser adequadamente avaliados. Quando a fala de um não corresponde ao que o filho sente ao entrar em contato com o outro, provoca sentimentos ambivalentes, medo e insegurança, o que vai se refletir no seu desenvolvimento emocional e psíquico.
Mas não basta apenas elaborar um plano parental. É necessário acompanhar sua implementação, especialmente quando existem sentimentos conflituosos entre os pais que não conseguem distinguir as mágoas do fim da conjugalidade com a necessidade de um exercício sadio da coparentalidade.
Trata-se de um verdadeiro exercício dos pais, pelo período necessário, até que as rotinas estabelecidas, estejam implementadas de forma satisfatória sem precisarem do auxílio do gestor.
Não há outra forma de assegurar o direito do filho de viver em um ambiente saudável, contando com o cuidado e o afeto de ambos os pais. Este é um compromisso que também precisa ser assumido pelo Estado, a quem cabe assegurar a crianças e adolescentes todos os direitos que lhe são assegurados constitucionalmente com absoluta prioridade.
Este o propósito da justiça gaúcha que está implantando, de forma pioneira, o projeto Plano de Coparentalidade, como nova ferramenta para auxiliar os pais a assumirem as obrigações de garantir a convivência familiar, de forma a melhor atender ao interesse dos filhos.
[1] MATTOS, Elsa de. Plano de parentalidade: um novo paradigma para a reorganização familiar após a separação/divórcio. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, set/out 223, v. 59, pp.64-79.
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