Artigos
A desmitificação da constelação familiar no âmbito do direito
Aline Mendes Mota
Presidente da Comissão de Direito Sistêmico do Instituto Brasileiro do Direito das Famílias – IBDFAM/DF. Pós-graduada em Direito Sistêmico pela Innovare – São Paulo/HellingerSchule – Alemanha. Atualmente, exerce o cargo de Coordenadora Adjunta do Centro de Estudos Judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. . Idealizadora e Coordenadora científica certificada pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) e Conselho da Justiça Federal (CJF), com o apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e da Escola nacional da Magistratura (ENM), no ano de 2018, pelo primeiro Workshop nacional e internacional: “O Direito Sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos”, sobre os projetos existentes no Judiciário. Coordenadora certificada pelo primeiro módulo do curso de Direito Sistêmico realizado no Conselho da Justiça Federal (CJF). Certificada pela participação no primeiro Congresso Internacional da Instituição educacional Hellinger em Direito Sistêmico. Formada em Cinesiologia Aplicada certificada pelo Instituto Brasileiro de Balanceamento Muscular. Coautora do livro: A Filosofia Jurídica Sistêmica – Um olhar humanizado na Justiça.
É primordial trazermos debates e conhecimentos a respeito da prática da Constelação Familiar, uma técnica que vem crescendo a cada dia em vários segmentos da sociedade e trazendo um novo caminho, como foi demonstrado na Audiência Pública, em Brasília.
A Audiência Pública sobre Constelação familiar e Cura Sistêmica ocorrida no Senado Federal, no dia 24 de março de 2022, por meio da Comissão de Assuntos Sociais, presidida pelo Senador Eduardo Girão, foi um marco para a história das Constelações. O amplo debate quanto a sua aplicação nos Órgãos Públicos destaca, até os dias de hoje, a importância de obtermos cada vez mais conhecimento, de desmitificar as Constelações e de trazer soluções para as lacunas ainda existentes.
O Senador Federal ressaltou a importância de haver debates saudáveis no sentido de enriquecer e evoluir o estudo das constelações, sempre visando o que realmente importa — a população.
Durante a Audiência, mais de mil mensagens da população foram enviadas por meio do canal do Senado transmitido virtualmente, o que confirma a polêmica do tema. O tempo de fala dos expositores, alguns contra e outros a favor da Constelação, foi equilibrado e, após, houve uma sequência de considerações finais e contrapontos.
Os expositores contrários alegaram situações como:
- Os consteladores terem uma narrativa anedótica e a constelação ser uma pseudociência;
- Questionamentos sobre qual seria a comprovação científica de que durante a prática os representantes sentem o mesmo que familiares ausentes;
- A importância de métodos e estatísticas;
- Questionamentos sobre o termo campo morfogenético e campo quântico serem hipóteses e não evidências;
- Evidências insuficientes sem valores científicos e baseados em opiniões pessoais;
- Estudo com baixa qualidade e segurança, e apelo ao oculto, não ao real;
- Vítimas de violência doméstica contra a mulher serem revitimizadas; causa de danos irreparáveis para vítimas; corroboração com a violência de gênero;
- Ferir os Direitos humanos e das mulheres, por colocarem mulheres e mães sempre como o centro dos problemas e não o homem, como por exemplo, nos casos de pessoas com câncer, já que segundo Bert Hellinger, o problema estaria relacionado à mãe e que pessoas com câncer inconscientemente anseiam pela morte;
- Conforme citações em livros do Bert Hellinger, casos de esquizofrenia, bipolaridade e autismo significar que alguém na linhagem anterior de uma família teve um destino difícil, um assassinato, e geralmente alguém da geração atual se identificou tanto com a vítima tanto com o agressor, o que causa um profundo conflito interno por carregar esse fardo;
- Prática religiosa não poder estar acima do Estado laico;
- A constelação não passar pelas etapas de todo o método científico que são: 1) observação 2) pergunta 3) pesquisa 4) hipótese 5) experimentação 6) análise de dados 7) publicação para a comunidade científica e replicações 8) conclusão (hipótese validada ou não) — antes de ser aplicada em órgãos públicos.
- Questionamentos de quais são os motivos de consteladores usarem a constelação no sistema público brasileiro;
- Necessidade de pesquisas científicas, bem como debates técnicos e científicos;
- Juízes não devem intimar partes a fazer constelação como uma juíza em Brasília fez.
Alguns profissionais convidados como Décio Oliveira, Sophie Hellinger, Renato Bertarte, SamiStorch, Mateus Santos, Rose Militão, Inácio Junqueira e Daniela Migliari se pronunciaram e trouxeram os benefícios e vantagens das Constelações.
Dentre tantos casos que foram citados trazendo maior elucidação, destaco, por exemplo, o caso de uma mãe que distanciava a filha do próprio avô, filha esta que se encontrava definhando sem explicações médicas, e após uma constelação, a mãe foi impactada e se emocionou ao enxergar somente naquele momento, por uma perspectiva de fora, como aquela distância estava adoecendo a filha por sentir a falta do próprio avô. Após, a mãe parou de julgar e distanciar o avô, a filha recuperou a saúde e a família se restabeleceu. Esse foi um dos benefícios que ocorreu após a realização de uma constelação.
Ressalto alguns pontos positivos, observações e sugestões extraídas no decorrer da Audiência:
- A velocidade com que a constelação foi introduzida em muitas instituições não teve o seu tempo de maturação necessária para que a sociedade possa compreender os impactos e os benefícios que esse método possa vir a trazer;
- No livro “Discurso do método”, de René Descartes, com muito bom senso, a obra aborda de maneira mais profunda as fases de como adquirir conhecimento e a preocupação do filósofo sobre as metodologias científicas e suas etapas que validam ou refutam uma idéia. São questionamentos que podemos utilizar nos estudos das constelações como formas de crescimento. Assim, as Políticas Públicas serão baseadas em princípios científicos;
- A importância de a Constelação Familiar constar no rol das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) do Sistema Único de Saúde (SUS) como um novo recurso terapêutico, contribuindo para a saúde e bem-estar da sociedade;
- Citou-se como exemplo de contribuição na área da saúde o trabalho do professore médico ginecologista José Miguel de Deus, gerente de ensino e pesquisa ecoordenador do ambulatório de dor pélvica do Hospital das Clínicas daUniversidade Federal de Goiás, vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) HC-UFG/Ebserh, e pela médica anestesiologista Vânia Meira e Siqueira Campos, atualmente aluna de mestrado da UFG. O casal realiza mensalmente grupo de constelações familiares e vem obtendo benefícios significativos. Esse Grupo foi criado em 2006 com o intuito de ajudaras pacientes com dor pélvica crônica em tratamento no Ambulatório de Ginecologia do HC. Desde então, acontecem encontros mensais. Atualmente, as Constelações Familiares reúnem, em média, 150 participantes a cada encontro. Em 2016, o projeto atendeu um total de 1.763 pessoas [i];
- A constelação Familiar não substitui a terapia médica, psicológica ou a aplicação do Direito. É uma ferramenta a mais de apoio e melhoria da qualidade de vida das pessoas;
- Os diversos relatos de casos no Brasil de diferentes operadores do Direito dentro do Judiciário não possuem validade para os cientistas, porém sempre que o ser humano introduz algo novo na sociedade, necessitamos de tolerância e paciência para uma análise experimental, (incluindo as devidas etapas científicas) o aprimoramento e a conclusão de um estudo mais aprofundado, baseado em dados e estatísticas. A própria ciência da medicina também começou através de evidências empíricas;
- A constelação se baseia em uma abordagem filosófica (postura fenomenológica) e não possui um viés religioso; Precisamos sim investigar esse fenômeno mais a fundo, mas o fato é que ele existe, tanto que a constelação foi conhecida e se alastrou no Brasil e mundialmente;
- Sugestão para implementar comissões que possam estabelecer um estudo e um método dentro de instituições, assim não haverá gastos desnecessários futuros de recursos públicos para a implementação de políticas em órgãos públicos e ampliará o conhecimento — estabelecer estudos científicos no sentido de definir a prática para que não haja envio de questionários falhos; averiguar como essas afirmações serão levantadas (por quem será feito o registro dos questionários, por quem será assinado e enviado); considerar variáveis para investigar possíveis fragilidades e riscos; ter cuidado para não haver coletas de dados diferentes e juntar a um modelo estatístico escolhido que possa trazer veracidade às informações; averiguar possíveis discursos de atuação diversos e pesquisar como atualmente se utiliza a constelação em cada órgão público (como por exemplo com a utilização de bonecos, bonecos na água, com pessoas) e para quais tipos de casos e áreas;
- Pesquisas são baseadas em números e perde-se de vista o mais importante quando nos fixamos apenas nelas. Os sentimentos de tantas pessoas que mudaram suas vidas para melhor não invalidam uma tese;
- Nos casos isolados citados nos livros de Bert Hellinger, com relação à esquizofrenia, bipolaridade, autismo e o câncer, Bert observa e traz as dinâmicas que comumente ocorrem e se repetem por trás das doenças, mas não são verdades absolutas, precisamos analisar caso a caso, pois cada ser humano é único e as constelações são subjetivas. Temos que ter muito cuidado com distorções, julgamentos e generalizações;
- A psicanálise auxilia milhões de pessoas e é considerada também uma pseudociência, porém isso não a invalida, não a deprecia, ela possui a sua função, desde que se baseie na ética e nos valores morais. Uma das posturas da constelação ao atender uma pessoa é que o constelador não coloque a sua verdade sobre o outro e nem se coloque como salvador da pessoa a ser constelada;
- Opiniões contrárias à constelação também são anedóticas, os relatos contra não são baseados em evidências científicas, ademais existem muito mais relatos positivos que negativos;
- Na Câmara dos Deputados existe um Projeto de Lei com o intuito de regulamentar o exercício da profissão de Constelador Familiar Sistêmico ou Terapeuta Sistêmico (Projeto de lei n. 4.887, de 2020);
- Ainda necessitamos de um estudo mais apurado e metodologias definidas, porém existem sim dados estatísticos confiáveis;
- A constelação familiar é amplamente utilizada em mais de 50 países pelo mundo, e no Brasil (em pelo menos 16 Estados e o Distrito Federal). Muitas comissões de direito sistêmico de advocacia estão atuando de forma eficiente (há pelo menos 117 Comissões no país, sendo vinte estaduais, mais o Distrito Federal). Todas trabalham no desenvolvimento de uma nova postura para o exercício de uma advocacia baseada na Cultura da Paz.
Como o próprio Senador Eduardo Girão destacou no dia da Audiência Pública, os pioneiros e revolucionários são sempre as pessoas mais atacadas, como em toda história e como todo movimento que cresce, mas o tempo é o senhor da razão, e este corre naturalmente, sem que sejamos arrogantes ou presunçosos. Na ocasião, o Senador trouxe um pensamento do Escritor Manoel de Barros, enviada por mensagem, por um dos ouvintes enquanto este acompanhava de forma virtual a Audiência: “A importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças, nem barômetros, etc. A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.” [ii]
Convido a todos para saírem do campo apenas da teoria e adentrarem o campo do sentir e da prática, para participarem de constelações, seja como representante ou levando um tema pessoal. Não há como negar que há algo diferente acontecendo e o impacto positivo que vem ocorrendo na vida das pessoas, mas para isso é preciso abrir o coração e soltar as amarras. Ninguém nasce pronto, a vida é para quem tem coragem de arriscar, buscando evoluir como pessoa, ajudar ao próximo e ter humildade para aprender. Isso não quer dizer que os profissionais não irão dar lugar às pesquisas científicas, entretanto, alguns que criticam o tema sequer se abrem para participar de alguns trabalhos sistêmicos ou constelações. Como podemos sentir se não experimentarmos? Mas é importante que se busque profissionais da área que são referências no assunto e que praticam com responsabilidade e seriedade.
Com o apoio uns dos outros, todos, mutuamente, chegarão muito mais longe, cientistas juntamente com consteladores podem traçar um plano de estudo de forma mais dogmática e com um aprofundamento científico.
A constelação, realizada por profissionais sérios, protege e valoriza a mulher. Não cabe um viés de militância ideológica, a constelação não tem essa função, ao contrário, um dos princípios da constelação é o pertencimento. Homens e mulheres igualmente pertencem. As vítimas de violências domésticas, por exemplo, devem ser acolhidas e os agressores responsabilizados. Além disso, é importante que se realize um trabalho com o intuito de que os agressores sejam esclarecidos e conscientizados de forma profunda por meio de dinâmicas familiares sistêmicas, com o intuito de: romper um padrão tóxico e disfuncional familiar muitas vezes existente, evitar a reincidência do agressor, aumentar a sua consciência e respeitar o limite de toda e qualquer mulher. Quanto às vítimas, estas precisam sentir-se acolhidas pelo judiciário e não mais invadidas, invalidadas, subjugadas ou desrespeitadas por quem quer que seja. E por meio de dinâmicas sistêmicas podemos romper igualmente a repetição de emaranhamentos e padrões familiares sistêmicos de mulheres que sofrem violências e trazer a força necessária para o seu empoderamento. Portanto, a constelação compactua com os direitos humanos e das mulheres, além de defender a figura da mãe, como o próprio Bert Hellinger preconiza: “Dinheiro, mãe e vida são energias equivalentes. Como tratamos a mãe, assim nos trata a vida e o dinheiro”; “somente quando estamos em sintonia com o nosso destino, com os nossos pais, com a nossa origem e tomamos o nosso lugar, temos a força” e “os sofrimentos familiares são como elos de uma corrente que se repetem de geração em geração, até que um tome consciência e transforme maldição em benção”.
Bert também traz ensinamentos como: “A paz começa onde cada um de nós pode ser da forma que é, onde cada um de nós permite ao outro ser tal como é e ficar onde está. Isso significa, ao mesmo tempo, respeitar os limites mútuos, que ninguém ultrapassa o limite do outro, que cada um permaneça dentro do âmbito dos seus próprios limites”; “Constelação familiar não é mágica. É uma chance de ver e aceitar o nosso lugar e nosso papel no nosso sistema familiar. Com a postura certa, nos auxilia a assumir a responsabilidade que nos pertence e assim tomar as atitudes necessárias para caminhar adiante.”
Sabemos que a responsabilidade de atuar na punição de atos praticados com violência de gênero contra as mulheres é do Estado e sempre será, não há privatização para soluções domésticas, mas se pode contribuir introduzindo esses conhecimentos sistêmicos de uma forma sensível e corroborando com o combate à revitimização de mulheres, trazendo força e justiça para todas.
Cabe ressaltar que Juízes não podem intimar as partes processuais a fazerem constelação familiar, como ocorreu uma vez em Brasília, conforme citado durante a Audiência Pública. Na realidade, esse foi um caso isolado.
Os próprios juízes que realizam ou delegam a prática a um(a) constelador(a), não intimam as partes, perguntam se as partes têm o interesse em participar de forma direta ou indireta — por meio de representante, — ou até mesmo de palestras ou vivências coletivas, sem exposições de nomes ou números de processos. As dinâmicas são realizadas de forma sutil, sem adentrar o mérito. Somente após a parte se manifestar de forma favorável, a constelação ocorre. O judiciário possui o dever de tratar bem o cidadão e de forma digna, e assim, muitos juízes e consteladores vêm atuando juntos de forma muito competente e respeitosa.
Conforme destaquei como coautora do livro “A Filosofia Jurídica Sistêmica — Um Olhar Humanizado na Justiça”, (2020, p. 284), “com os bons resultados que têm sido alcançados no âmbito do Judiciário, com o aumento de acordos e a redução de reincidências nos processos, a expectativa é que esse conhecimento seja cada vez mais propagado, sempre com o intuito de somar forças em prol da harmonia e da pacificação social”, atitudes em consonância com o novo Código de processo Civil, bem como, a Resolução n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estimula práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário.
O Poder Judiciário já possui uma visão interdisciplinar, uma abertura para inovações e pluralidades, os meios adequados de solução de conflitos já são consolidados no âmbito do judiciário, o que se configura como um grande avanço e melhoria do sistema.
Podemos corroborar essas informações no “Workshop Inovações na Justiça: O Direito Sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos” — com projetos existentes no Judiciário— primeiro Workshop nacional e internacional, ocorrido no Conselho da Justiça Federal (CJF), com o apoio do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Escola Nacional da Magistratura (ENM), no ano de 2018, onde tive a oportunidade de atuar como coordenadora científica.
Na ocasião, vivenciamos palestras de Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversos casos concretos impactantes trazidos por distintos operadores do direito, incluindo dados estatísticos.
O Workshop foi transmitido ao vivo e a sua íntegra publicada no canal do Youtube, podendo ser acessadopor meio de três links — parte introdutória, parte I, e parte II, [iii] ou no livro, onde cito alguns desses projetos e casos existentes no meio jurídico [ix].
O evento foi uma demonstração prática da efetividade do chamado Direito Sistêmico por meio de casos exitosos e boas práticas desenvolvidas por operadores do direito. Foi um grande evento onde tivemos a presença de 17 instituições. Contamos com a participação de magistrados, membros do Ministério Público, advogados, defensores públicos e servidores públicos, que vieram de diversos estados brasileiros, como também profissionais nacionais e internacionais renomados da área.
Podemos averiguar o programa do evento publicado na época, no site do Conselho da Justiça Federal (CJF) [x].
Durante os casos apresentados, pudemos observar que as vivências conduzidas pelos operadores do direito ajudaram a identificar conflitos inconscientes que estavam por trás de demandas judiciais, viabilizando a resolução de lides com a redução da judicialização excessiva, promovendo a humanização e possibilitando uma profunda compreensão pelas partes.
A constelação vem sendo recepcionada por, pelo menos, 16 Estados, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [xi].
O ano de 2018 foi permeado por grandes confirmações no campo do Direito Sistêmico e uma grande consolidação da Constelação no Brasil. Podemos ter acesso à informação no portal de notícias Migalhas, artigo de minha autoria [xii].
Cabe destacar que os investimentos do judiciário em consteladores são voluntários, não há despesas públicas, inclusive, é importante que façamos uma reflexão do quanto se economiza com a prática das constelações — podemos evitar audiências desnecessárias, processos intermináveis e delongados para as partes, sobrecarga de trabalho de juízes, servidores, advogados e Ministério Público — assim, contribui-se com a estrutura do poder judiciário e a redução de despesas.
No referido Workshop ocorrido no CJF, dentro de tantos casos citados por representante de tribunais, trago a título de exemplo, a existência de uma Comissão Sistêmica no Tribunal de Justiça do Pará, comissão esta que formou parceria com a Comissão Sistêmica da Defensoria Pública do Estado do Pará. Na dinâmica do trabalho são realizadas palestras de sensibilização com as partes, ou quando necessário, com tratativas de conciliação, e caso frustradas, passavam a aplicar a técnica de constelação familiar. No caso de autocomposição, é elaborado o termo do acordo para a sentença de homologação. Essas informações podem ser acessadas no livro “A Filosofia Jurídica Sistêmica — Um Olhar Humanizado na Justiça”:
Assim, “de agosto a dezembro de 2017, foram realizadas 11 atividades de mutirão, voltadas ao direito de família. Segundo informações do CNJ (ano de 2013 como referência), um processo custa em média R$ 2.021, 13. Com os trabalhos da comissão, obtendo 505 acordos, obtiveram uma economia de custo para o tribunal de R$ 1.000.020.670,65 — isso nos 11 mutirões realizados no período de 4 meses”(2020, p. 279).
Esse trabalho possuiu respaldo pela Portaria 3434/2017, expedida em 2017, pelo TJ/PA, conforme citou o juiz Dr. Augusto Carlos Correa Cunha. “Com o bom desempenho, nova Portaria foi publicada e os trabalhos foram renovados em 2018, em caráter de mutirão e também itinerante” (2020, p. 279). Passo a destacar também resultado do Promotor Público, Dr. Elkio Uehara, da Comarca de Itajubá, Estado de Minas Gerais. Durante sua participação no Workshop, relatou um caso concreto impactante durante audiência na Promotoria onde atua, e ao final, ressaltou que “muito se pode fazer em benefício do próximo, inclusive por meio de dinâmicas ou apenas posturas sistêmicas, com consciência, estado de presença e contribuindo para a efetiva autocomposição” (2020, p. 283) — palavras essas que podem ser conferidas tanto no livro ou na íntegra do “Workshop Inovações na Justiça: O Direito Sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos” [xiii], acessada na plataforma digital Youtube.
Sabemos que a desestrutura familiar é causadora de muitas mazelas sociais e disputas judiciais. O direito sistêmico vem para reconstruir essas relações. Mas isso não alude na ausência da aplicação da lei, as leis devem ser aplicadas e o direito tradicional honrado, o que, inclusive, configura-se como um dos princípios da constelação — a hierarquia e a precedência.
Cabe ressaltar também que as partes não são expostas a um tratamento com foco terapêutico, pode-se aplicar apenas conhecimentos sistêmicos, que advém do pertencimento, da ordem e do equilíbrio, e princípios da constelação familiar, que regem qualquer relação humana.
Apenas com breves intervenções e falas pontuais, o aplicador do direito já pode obter resultados satisfatórios. O magistrado, incumbido de aplicar o direito ao caso concreto, ou qualquer outro operador do direito, passa a ser exercido não apenas com o olhar processualista, mas sim com o ampliar da consciência, através da aplicação das leis sistêmicas, que propiciam às partes sentirem a verdadeira razão do conflito. Com isso, ficam mais propensas a firmarem um acordo e há a redução da judicialização excessiva tão existente no judiciário brasileiro.
Como bem falado no dia da Audiência Pública por Mateus Santos, Biomédico e Constelador experiente, o pedido de união para consteladores, cientistas e operadores do direito somarem forças e elaborarem pesquisas não foi dito no sentido de a constelação ser fraca e indefesa, mas sim no sentido de olharmos juntos para a população. Ainda não existe um instrumento para medir o chamado campo morfogenético ou campo quântico formado pela constelação, mas não há como evitar a existência de uma ferramenta a mais como uma forma de solução de conflitos.
Durante a Audiência, Mateus Santos fez referência ao Magnetismo: “Observa-se que o fenômeno do Magnetismo, já conhecido pela humanidade desde a Antiguidade, antes não se podia comprovar cientificamente, porém esta força que não vemos é muito importante e está presente em diversos equipamentos tecnológicos atuais. Podemos indagar: se podemos comprovar o fenômeno somente atualmente, então este nunca existiu? Ou só existiu a partir do momento em que pudemos comprovar? Muitas vezes,a força contrária a uma idéia é proporcional à sua importância.”
Continuou: “Precisamos obter uma postura humilde, centrada e respeitosa. Não é atacando que se constrói. Nas narrativas envolvendo a constelação há um viés ideológico, o que se perde de vista a ciência. O que conhecemos atualmente talvez não seja o suficiente, como por exemplo, a função da consciência no sistema familiar de um indivíduo, o qual não pode ser medido, e talvez conheçamos apenas no amanhã, como já aconteceu tantas vezes dentro do mundo acadêmico, de coisas ou assuntos serem execrados, mas posteriormente, reconhecidos.”
Finalizou pontuando que “ainda temos muito a estudar sobre o inconsciente, mas ele existe. A constelação, ao ser investigada, ao invés de refutada, com uma postura científica não cartesiana, pode nos trazer um embasamento, com observações e pesquisas qualitativas e quantitativas. A constelação não precisa ser desvalorizada, não é porque não se conhece tanto que se perde o seu valor.”
Como bem diz o filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “Toda verdade passa por três estágios. No primeiro, ela é ridicularizada. No segundo, é rejeitada com violência. No terceiro, é aceita como evidente por si própria.” E como preconizava Carl Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
Um ponto importante abordado durante a Audiência Pública — além de o Brasil ser um Estado laico, é a constelação familiar não ter a menor ligação com religião.
Bert faleceu em 2019, aos 93 anos. Foi um teólogo, filósofo, pedagogo e pesquisador alemão, com sólida formação científica, reconhecido mundialmente e autor de 110 livros traduzidos em 38 idiomas. Trabalhou durante 16 anos como missionário para uma ordem católica entre os Zulus na África do Sul e desenvolveu a constelação familiar na década de 1980, essa técnica terapêutica que leva em consideração conceitos familiares, energéticos e fenomenológicos. A constelação chegou ao Brasil em 1989. E Bert veio ao Brasil pela primeira vez em 1999.
A constelação significa um reencontro com nós mesmos em primeiro lugar, acalenta a alma, cura dores e ressentimentos acumulados.
Vem sendo aplicada em várias vertentes e em vários segmentos da sociedade, nas famílias, na saúde, (o Ministério da Saúde já anunciou 10 novas práticas integrativas e complementares para o Sistema Único de Saúde (SUS), dentre elas, cita-se a constelação familiar) nas empresas, instituições públicas e privadas. Enquadra-se para todos aqueles que buscam o apaziguamento de emoções negativas, e uma maior efetividade e compreensão na administração de conflitos.
A cada ano, mais especialistas passam a conhecer, a se despertar e a aderir a essa prática que pode ser aplicada em diferentes áreas do conhecimento.
Diante disso, profissionais experientes no assunto, como o(a)s magistrado(a)s Dr. SamiStorch, Dra Silvana Freitas e Dr. Clayton Rosa, e as advogadas Kellen Medeiros, Daniele Précoma e Zilma Guimarães, emendaram esforços e trouxeram diferentes abordagens com o intuito de continuarmos a contribuir na divulgação de conhecimentos sobre as constelações familiares, sua aplicação e compreensão prática no âmbito da justiça.
Referências:
[i] GOVERNO DO BRASIL. Site do Gov, 2022. Pesquisadores do HC-UFG/Ebserh procuram voluntárias para projeto de pesquisa sobre constelação familiar e dor pélvica crônica. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-centro-oeste/hc-ufg/comunicacao/noticias/pesquisadores-do-hc-ufg-ebserh-procuram-voluntarias-para-projeto-de-pesquisa-sobre-constelacao-familiar-e-dor-pelvica-cronica. Acesso em 16 out. 2023.
[ii] BARROS, M. Memórias Inventadas: A Segunda Infância. São Paulo: Planeta, 2006.
[iii] YOUTUBE. Site do YouTube, 2018. Workhop Inovações na Justiça, abertura e conferência de abertura. Disponível em: https://youtu.be/zx11p9FbZDI. Parte I. Disponível em https://youtu.be/WDMGK7jYLaQ Parte II. Disponível em https://youtu.be/8JRtptQ6i88. Acesso em: 16 out. 2023.
[ix] A Filosofia Jurídica Sistêmica:Um Olhar Humanizado na Justiça. Brasília:UltimaRatio, 2020.
[x] CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Site do CJF, 2018. Workshop Inovações na Justiça: O direito sistêmico como meio de solução pacífica de conflitos. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/eventos/eventos-cej/2018/workshop-direito-sistemico. Acesso em: 16 out. 2023.
[xi] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Site do CNJ, 2018. Constelação Familiar: no firmamento da Justiça em 16 Estados e no DF. Disponível em https://www.cnj.jus.br/constelacao-familiar-no-firmamento-da-justica-em-16-estados-e-no-df/. Acesso em: 16 out. 2023.
[xii] MIGALHAS, Site Migalhas, 2018. O ano em que as constelações familiares se consolidaram no Brasil. Disponível em:http://m.migalhas.com.br/depeso/284924/2018-o-ano-em-que-as-constelacoes familiares-se-consolidaram-no-brasil. Acesso em 16 out. 2023.
[xiii] DIREITO SISTÊMICO, Blog Direito Sistêmico, por SamiStorch, 2018. Direito Sistêmico mostra força e múltiplas possibilidades no Conselho da Justiça Federal. Disponível em: https://direitosistemico.wordpress.com/2018/04/18/direito-sistemico-mostra-forca-e-multiplas-possibilidades-no-conselho-da-justica-federal/. Acesso em 16 out. 2023;
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, site do STJ, 2018. Workshop sobre direito sistêmico debate constelações familiares na solução de conflitos. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-04-10_15-08_Workshop-sobre-direito-sistemico-debate-constelacoes-familiares-na-solucao-de-conflitos.aspx. Acesso em 16 out. 2023;
JUSBRASIL, site Jusbrasil, 2018. Workshop inovações na Justiça terá como tema o direito sistêmico na solução de conflitos. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/workshop-inovacoes-na-justica-tera-como-tema-o-direito-sistemico-na-solucao-de-conflitos/562240504. Acesso em 16 out. 2023;
ESCOLA NACIONAL DA MAGISTRATURA, site da ENM, 2018. ENM convida magistrados para o Workshop Inovações na Justiça, do CJF. Disponível em: https://escoladamagistratura.amb.com.br/noticias/enm-workshop-inovacao-na-justica-do-cjf?hs_amp=true. Acesso em 16 out. 2023;
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL, site da AJUFE, 2018. AJUFE participa no auditório do CJF, do “Workshop Inovações na Justiça”. Disponível em: https://www.ajufe.org.br/imprensa/noticias/10524-ajufe-participa-no-auditorio-do-cjf-do-workshop-inovacoes-na-justica. Acesso em 16 out. 2023.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM