Artigos
O Ato Sucessório de Testar e a Importância de evitar Conflitos por meio da Mediação
Manuella Maria Varejão Costa
Advogada, Professora de Direito e Mediação, Mestranda em Direito Internacional, Mediadora Judicial e Tecnóloga em Mediação
Resumo
O instituto do testamento permeia a legislação brasileira desde o Código Civil de 1916, que em linhas gerais nada mais é do que a disposição expressa da última vontade de uma pessoa. Neste documento, o testador disporá acerca da distribuição e partilha de seus bens, após a morte. Contudo, é necessário observar que o direito brasileiro disciplina algumas nuances sobre como essa exposição de vontades precisará ser feita, tais como: o respeito a ordem sucessória dos herdeiros necessários, a partilha igualitária entre os herdeiros necessários, e a capacidade para testar, que necessariamente é preciso ter no mínimo 16 anos para realizar tal ato. Nesta esteira, será discorrido ao longo do respectivo artigo, a importância de se realizar o testamento, principalmente com a finalidade de se evitar litígios entre os recebedores da herança, em um momento futuro, não obstante isso não quer dizer que o litigio após a abertura do testamento não possam acontecer, em virtude da discordância entre os herdeiros, mas, olhando pelo prisma do mínimo existencial dos conflitos familiares, a disposição de ultima vontade pode significar a paz se bem compreendida entre os envolvidos e respeitada a vontade do falecido, e é nesta esteira, a mediação de conflitos surge como meio resolvedor e apaziguador de conflitos, após a abertura do testamento do de cujus.
Palavras-chave: Testamento, Mediação de Conflitos, Acesso à Justiça
Abstract
The institution of the will has permeated Brazilian legislation since the Civil Code of 1916, which in general terms is nothing more than the express disposition of a person's last will. In this document, the testator will govern the distribution and sharing of his assets after death. However, it is necessary to note that Brazilian law regulates some nuances regarding how this presentation of wills will need to be made, such as: respect for the succession order of the necessary heirs, the equal sharing between the necessary heirs, and the capacity to test, which necessarily You must be at least 16 years old to carry out this act. In this vein, throughout the respective article, the importance of making a will will be discussed, mainly with the purpose of avoiding disputes between the recipients of the inheritance, in a future moment, however, this does not mean that the dispute after the opening of the will cannot happen, due to disagreement between the heirs, but, looking at the prism of the existential minimum of family conflicts, the disposition of last will can mean peace if well understood between those involved and the will of the deceased is respected, and is In this sense, conflict mediation emerges as a means of resolving and pacifying conflicts, after the opening of the deceased's will.
Keywords: Testament, Conflict Mediation, Access to Justice
Introdução
Discorrer sobre resolução de conflitos, é entender que existem formas de se resolver contendas de forma pacifica e célere, e nesta esteira o instituto do testamento também pode fazer uso desta ferramenta importante. O ato de testar está positivado atualmente no artigo 1.857 do Código Civil, reafirmando assim, a importância da autonomia da vontade da pessoa detentora de um patrimônio ao dispor de bens, desde que observadas os requisitos legais. No plano sucessório ainda se encontra outra positivação acerca da modalidade testamentária, que é o testamento vital, que apresenta e/ou expressa a última vontade de uma pessoa acerca da forma, procedimentos, tratamentos e cuidados que serão adotados sobre de si, em caso de algum tipo de doença que o de cujus possa vir a ter, bem como, está modalidade ainda pode dispor acerca do funeral do testador. Testar é acima de tudo, o desejo positivado e solene da expressão de ultima vontade de alguém, bem como de se evitar conflitos futuros, que por ventura venham a existir entre os herdeiros e demais recebedores de uma herança.
A importância do Testamento e a utilização da Mediação
Evitar conflitos é acima de tudo evitar confrontos, embates e impasses, e quando pessoas optam pela realização de testamento é no intuito de resguardar direitos dos herdeiros necessários na linha sucessória, além de garantir a sua disposição de última vontade e ainda evitar possíveis conflitos familiares, bem como, dispor de um percentual de sua herança a realização de qualquer ato de vontade, desde que respeitado, a parte que cabe aos herdeiros necessários e legais, com isso, é imprescindível discorrer que, mesmo havendo essa disposição de ultima vontade de quem testa, não quer dizer que os familiares não possam questionar a forma de partilha da herança, após a morte do de cujus, contudo, claramente esses questionamentos podem ser resolvidos por meio do diálogo, de sessões individuais de mediação para uma maior compreensão do conflito existente. O papel de um terceiro, neutro e imparcial facilitará o diálogo e fará toda diferença no entendimento dos pontos que ocasionam as divergências referentes ao testamento. A mediação de conflitos é uma ferramenta muito eficaz dentro do direito sucessório, ao passo que o instituto visa restabelecer relações quebrantadas existentes no seio familiar, bem como evitar que os conflitos se arrastem por anos no Judiciário. Nesta esteira, o ato de testar além de ser solene enraíza a disposição de ultima vontade do falecido, que via de regra expressa em linhas gerais a forma como o mesmo gostaria de ter os seus bens partilhados.
Neste diapasão, Juan Carlos Vezzulla (2005) discorre que:
O conflito consiste em querer assumir posições que entram em oposição aos desejos do outro, que envolve uma luta pelo poder e que sua expressão pode ser explícita ou oculta atrás de uma posição ou discurso encobridor.
Olhar sob a perspectiva da desjudicialização de demandas, é abraçar os princípios da celeridade e da economia processual, ambos positivados na Constituição da República do Brasil de 1988, e, consequentemente garantir a satisfação dos envolvidos no conflito ao ter uma maior autonomia de sua vontade por meio da mediação na resolução de contendas, garantindo assim a efetividade do acesso à justiça e nesta esteira encontramos como garantia deste acesso o ato de testar.
O conceito de acesso à justiça muda constantemente e de acordo com a necessidade e os anseios da sociedade, logo observa-se que a mediação de conflitos tem tomado um maior protagonismo, haja vista as perspectivas de resolução dos litígios tem abraçado cada vez mais os meios autocompositivos, inclusive pelo Judiciário Brasileiro.
Nesta esteira, Bacellar (2012, p.52) citado na obra de Leal, Marcela Nunes (2020, p. 35) discorre que:
Essa concepção de múltiplas portas de resolução de conflitos recomenda compatibilização estruturada em que o encaminhamento e a abertura de uma porta não precisem concorrer com a abertura de outra. O encaminhamento adequado fará com que as soluções também possam ser mais adequadas.
Pode-se ressaltar que direito brasileiro faz questão de mostrar aos envolvidos nos conflitos que eles são os protagonistas da sua história, logo eles detêm o condão de resolver os empasses existentes, e com o instituto do testamento não é diferente, uma vez que caberá aos herdeiros a busca pelo entender deixado no ato solene praticado pelo de cujus.
A disposição de última vontade por meio do Testamento Vital e a aplicação da mediação de conflitos aos casos concretos
Por certo que não é fácil lidar com questões inerentes as últimas disposições de vontade de alguém, contudo é compreensível que se dialogue como os motivos pelos quais aquela pessoa deseja expor o acondicionamento no que diz respeito de como ocorrerá o tratamento de saúde, em casos de doença terminal ou estágio avançado, aonde se busca um maior conforto por parte de quem está doente e deseja diminuir a dor. Nesta esteira o testamento vital, é um o ato solene que disporá os métodos utilizados, inclusive como será o seu funeral. Em casos práticos, os familiares não aceitam esse ato de testar, mas é necessário entender que esses pontos podem ser resolvidos através da mediação de conflitos. Não é comum dialogar sobre a morte, mas é preciso no momento de sofrimento de uma pessoa, que deseja ter o mínimo existencial de acordo com as suas necessidades.
Neste ponto, podemos encontrar objeções por parte dos familiares durante a condução desta condição que o testador expressou, e muitas vezes, em virtude desta vontade, nasce o conflito dentro da família, e aqui, vê-se que por meio da mediação estes pontos podem ser sanados através do diálogo. O testamento vital gera grandes debates no Brasil em virtude de aqui se abordar a temática da maior possibilidade da autonomia da vontade relacionada as formas, meios e métodos de tratamento que o testador escolhe, contudo de acordo com o enunciado 528 das Jornadas de Direito Civil tem-se que:
Enunciado 528 das Jornadas de Direito Civil: É válida a declaração de vontade expressa em documento autêntico, também chamado “testamento vital”, em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade. [2]
Ou seja, pode-se observar que o Direito Brasileiro regulamenta esse dispositivo de maneira objetiva e prática, permitindo e fortalecendo o testamento vital e ampliando assim o direito do testador em externar sua vontade. Observa-se ainda que, este momento crucial de escolha do testador pode não ser bem aceito por membros da família e que recorrem a mediação de conflitos afim de se obter o restabelecimento do diálogo com o objetivo de se ter uma maior compreensão da decisão do ente que realizou o testamento. Se colocar no lugar de quem está enfrentando a situação, muitas das vezes é a melhor solução para a compreensão de quem resolveu testar.
Revogabilidade, Extinção e Nulidade do Testamento
A de se observar que existem pontos no testamento que precisam ser abordados acerca da revogabilidade, extinção e nulidade do testamento. Em um primeiro momento a revogabilidade pode se dá a qualquer tempo, justamente pelo testamento ser um ato negocial e afetar a partilha do patrimônio de modo a não dispor da proporcionalidade correta do patrimônio aos herdeiros legítimos necessários. Outro ponto de revogabilidade se dá pelo simples fato de o testador desejar alterar o seu testamento por motivos de sua própria conveniência e vontade a qualquer momento, a exemplo disso seria a inclusão de alguém para recebimento de herança na parte que lhe é livre para disposição de vontade. Contudo, existem pontos que são irrevogáveis como por exemplo disposições que tenham o caráter extrapatrimonial e nesta temática é possível encontrar o principal exemplo de irrevogabilidade, é que o reconhecimento de filhos havidos fora no núcleo familiar, pois essa disposição expressa de reconhecimento encontra-se positivada nos artigos 1.609 e 1.610 do Código Civil Brasileiro, com a seguinte redação:
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.
Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.
Portanto, observa-se que o direito brasileiro possuí algumas nuances que resguardam o direito de outrem, e o testamento se apresenta como uma forma legal e eficaz de garantia do direito, logo se vê a importância de se realizar o testamento.
No que tange a extinção do testamento, pode-se observar que a sua disposição encontra-se elencada e fundamentada no artigo 1.859 do Código Civil, que discorre que:
Art. 1.859. Extingue-se em cinco anos o direito de impugnar a validade do testamento, contado o prazo da data do seu registro.
Um ponto peculiar acerca da extinção é que para que exista a impugnação do testamento, é necessário que já tenha havido o falecimento do de cujus e a partir deste ponto se questione a sua existência, e muitos não compreendem que esse critério encontra-se positivado na legislação brasileira e muitas vezes, por falta deste conhecimento, o conflito se instaura, ocasionando inclusive demandas ao Judiciário, com a finalidade de se obter uma sentença judicial que aborde tal questionamento, mas ao mesmo tempo, vislumbra-se que ao invés de litigar em juízo, estes questionamentos podem ser solucionados na mediação de conflitos, visando justamente se obter o entendimento de maneira célere e eficaz acerca deste dispositivo do Código Civil.
Em relação a nulidade testamentária, observa-se aqui que como o ato de testar é solene e negocial realizado pelo próprio testador, a sua nulidade só ocorrerá se houver cláusulas que retirem do testador o direito de revogar quaisquer atos, logo essas cláusulas são chamadas no direito brasileiro de derrogatórias. Ou seja, o que se verifica é que, quando ou se o testamento dispuser de cláusulas que impeçam o testador de revogar os atos praticados por si mesmo, esse testamento será nulo, logo não terá eficácia e nem validade perante o mundo jurídico.
Portanto o ato de testar vai mais além do que simplesmente a partilha de patrimônio entre os herdeiros, é um ato de amor e principalmente, é um ato em que o testador deseja que a sua disposição de última vontade seja respeitada, uma vez que se trata da pretensão de alguém que em vida gostaria que tudo que fora construído por si, fosse partilhado da forma em que se encontra positivado no testamento. Indo além, mesmo que exista o conflito em virtude da não concordância da partilha, a mediação de conflitos se apresenta com meio sólido dentro do direito brasileiro para que da melhor forma seja resolvida a contenda.
Manuella Maria Varejão Costa discorre que:
O conflito em linhas gerais é todo pensamento divergente e ocasionador, na maioria das vezes, de discórdia/confronto/problema/disputa, responsável pelo distanciamento e falta de diálogo entre as pessoas, deixando por vezes, relações quebrantadas.
E quando trazemos para o testamento essa definição, podemos observar que o pensamento divergente é o ocasionador do conflito, logo quando se tem discordância do que encontra-se positivado no testamento, o conflito/litigio passa a existir, com isso, a mediação de conflitos transita de maneira clara dentro do caso concreto com a finalidade de restabelecer relações familiares quebrantadas e buscar fazer com que os recebedores da herança possam compreender a vontade do testador e só assim respeitem o que encontra-se positivado no ato solene.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Vezzulla, Juan Carlos, citado da página d1aaee6d8a529d6737b303af6e4909d6.pdf (institutoelo.org.br) Acessado em 23/10/2023 Às 13:29h
Bacellar, R.P. (2012). Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, citado da Obra de Leal, Marcela Nunes. A mediação enquanto instrumento de acesso à justiça material: perfilhando o caminho da cultura de paz/ Marcela Nunes Leal. – Belo Horizonte: Editora Dialética, 2020. 60 p. ISBN 978-65-5877-308-5.
1 Advogada. Professora de Direito e Mediação. Palestrante. Autora de Artigos. Mestranda em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Assunção-UAA. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Metropolitana de Ribeirão Preto. Tecnóloga em Mediação pela Universidade Estácio de Sá. Mediadora Judicial com Formação pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco-TJPE. Associada ao IBDFAM. E-mail: manuellavarejao.adv@hotmail.com
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM