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Se a vida imita a arte, as leis devem imitar a arte e a vida: sim às relações afetivas LGBTQIAPN+
Diogo Silveira Garcia[1]
É recente a produção de filmes, telenovelas, mainstreams e comerciais que abordam as questões afetivas das pessoas LGBTQIAPN+, não as retratando através da criação de personagens caricatos e repletos de estereótipos. Geralmente os personagens LGBTQIAPN+ eram -e dependendo da produção ainda são utilizados para trazer o alívio cômico à história, uma técnica que a direção se utiliza(va) para arrancar os risos dos telespectadores.
Infelizmente, a graça que motivava essas gargalhadas estava sempre relacionada às características físicas ou comportamentais desses personagens, que eram habitualmente representados por uma mulher extremamente masculinizada, ou um homem bastante afeminado ou uma identidade trans.
Merece o registro de que não há nenhum problema com as características desses personagens, mas na forma como eles eram explorados, reduzindo as identidades sexuais e de gênero a algo jocoso. Em decorrência da cultura LGBTfóbica em que a sociedade está submersa, por muito tempo, essa foi uma ótima estratégia, por conta da “anormalidade” dessas identidades classificadas como desviantes.
Entretanto, parece que algo no cinema e nas telenovelas mudou. Em algum momento as identidades sexuais (infelizmente mais do que as identidades de gênero) passaram a ter suas realidades afetivas representadas, deixando de lado os personagens engraçados que davam alívio cômico à produção e dando espaço a outras características.
Trazendo histórias onde pessoas LGBTQIAPN+ são As Protagonistas, as quais possuem qualidades e defeitos, amigos e inimigos, sendo mocinhes e vilães (aqui teve uma tentativa de retirar o gênero das duas palavras, como forma de incluir mais identidades), que se apaixonam, têm familiares, emprego, se preocupam com a saúde, ficam tristes e uma série de outros hábitos e sentimentos que qualquer indivíduo possui.
Atualmente, as telenovelas e plataformas de streaming vem conquistando o carisma do público com conteúdo artístico que aborda relacionamentos homoafetivos, trazendo esse contexto como o tema principal do enredo.
A título de exemplo, cito três produções que abordam histórias de homens que se amam. Pontuo que escolho esses materiais por compreender que além do meu local de telespectador, essas produções tocam no meu local de fala, já que sou um homem gay, que quer ver a sua “expressão de amar” sendo transmitida, como forma de representatividade.
A primeira, que inclusive é a minha favorita, se trata de uma série chamada heartstopper (mesmo nome do livro que deu origem à série) e pode ser assistida na Netflix. Esse seriado possui duas temporadas, sendo que cada uma delas conta com oito episódios de curta duração de tempo. Essa produção traz a história de amor de dois adolescentes que estudam no ensino médio da mesma escola, sendo um deles gay e o outro bissexual. O romance entre ambos é abordado de forma leve, respeitosa e ingênua. Além disso, a série incentiva o debate sobre questões de aceitação, preconceito, identidade de gênero e a descoberta do primeiro amor, tudo isso de forma agradável e com um roteiro simples que qualquer produção de romance adolescente possui.
Já a segunda produção, se trata de um filme chamado Vermelho, Branco e Sangue Azul (mesmo nome do livro que deu origem ao filme), podendo ser assistido na plataforma Amazon. O filme traz a história de dois rapazes, sendo um deles o filho da presidenta dos EUA e o outro o príncipe da Inglaterra. Da mesma forma da série indicada anteriormente, o filme também traz o debate sobre a aceitação, o medo da rejeição gerado pelo preconceito, os desafios de se relacionar com uma pessoa do mesmo gênero -por conta de toda intolerância- e a felicidade que é expressar o amor de forma livre, sem qualquer maneira de preconceito. A produção possui um roteiro simples e usa os mesmos artifícios de filmes de romances famosos, sendo a sua única diferença, a escolha das pessoas que compõem a relação amorosa.
Já a terceira produção, se trata da novela Terra e Paixão, onde os personagens Ramiro e Kelvin vem conquistando o público de telespectadores da Rede Globo. Na trama, Kelvin é um homem gay assumido, enquanto Ramiro, rapaz que trabalha de capataz para um grande fazendeiro, está em um período de descoberta da sua sexualidade. Quanto às técnicas utilizadas pela direção da novela para construir a história do casal homoafetivo, é possível perceber que a direção tenta não “assustar” a audiência, fazendo com que os personagens sejam até meio infantis e a relação se desenvolva de forma ingênua. Quanto ao termo “assustar”, sei que não é o mais correto, mas levando em consideração toda moralidade que permeia as relações amorosas, me pareceu a mais fidedigno à realidade, embora discorde veementemente dele. Enfim, apenas consigo concluir que a técnica está funcionando, pois o casal mais amado de todas as telenovelas atuais em transmissão, É FORMADO POR DOIS HOMENS!
É evidente que essa nova roupagem dada aos filmes, séries e novelas, com a humanização de personagens LGBTQIAPN+ muda a relação imposta pela heterocisnormatividade a esses corpos. Além disso, traz uma representatividade extremamente importante, que a minha geração infelizmente não teve, mas que agora pode assistir, se emocionar e até mesmo desejar que aquela cena se torne uma realidade na sua vida.
No entanto, no Brasil, há uma tentativa legislativa medíocre de dizer “não às uniões afetivas LGBTQIAPN+”, mas isso não acontecerá! Sabe o motivo?! “A VIDA IMITA A ARTE”. E a arte está aí, contanto ao mundo que nosso amor existe, nossos sentimentos existem, nossas famílias existem, nós existimos e resistiremos para manter a liberdade de expressar nosso jeito de ser, de agir, de rir, de falar e de AMAR.
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