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Maioridade de um direito reconhecido
Recordo, no início dos anos 2.000, quando então atuava como Juiz da Infância e da Juventude de Porto Alegre, que uma das questões que mais incomodava a mim e aos colegas dessa área de atuação, em todo Brasil, era como solucionar a questão das adoções por pessoas do mesmo gênero, as quais até então eram indeferidas. Adoções eram permitidas para uma só pessoa (geralmente mulheres), mesmo que tal situação não correspondesse à similitude de uma família biológica, mas para duas pessoas do mesmo gênero, não. Verdade é que tais ordenamentos familiares, dois homens ou duas mulheres constituindo uma família já existiam, eles conseguiam adotar, contanto apenas um deles fizesse o pedido em juízo. A questão que para nós juízes era insatisfatória, decorria das possíveis situações futuras, quando apenas um deles constava do registro da criança adotada. Caso aquele que tinha a criança como filha, mas tal situação não constasse do registro, viesse a falecer, como ficariam as questões previdenciária e sucessória? Caso esse casal viesse a se separar, tal como ocorre nas uniões entre homens e mulheres, e não houvesse consenso na separação, como ficariam questões como a guarda e os alimentos? Sem dúvida alguma aquele que detivesse o registro ficaria muito com mais poder em uma situação de conflito, realidade que poderia não ser aquela que melhor atendesse os interesses da criança. Para mim, especificamente, tal realidade começou a mudar em 28 outubro de 2.005, quando tive acesso a uma decisão do colega de Bagé, Dr. Marcos Danilo Edon Franco, que enfrentando com simplicidade uma situação fática já existente, deferiu a adoção de duas crianças para duas mulheres, determinando que nos assentos de nascimento não mencionassem as palavras pai e mãe, adotando o mesmo procedimento em relação aos avós. Não sei se essa foi a primeira sentença brasileira que deferiu adoção de criança para duas pessoas do mesmo gênero, pois esses processos tramitam em segredo de justiça, mas foi a primeira que tive acesso, e serviu, para mim e para muitos colegas de todo Brasil, como um início, para que situações de muitas famílias brasileiras, regulares e positivas para seus integrantes, fossem visualizadas e aceitas como naturais, deixando para trás um preconceito que não mais se justificava. São 18 anos de uma conquista da sociedade brasileira. A sentença do Dr. Marcos pode ser acessada: https://drive.google.com/file/d/1ttEDgCUytyv8QlfnosyaU-q7Szg9JFl9/view?usp=drive_link
Des. José Antônio Daltoé Cezar
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