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A Influência da Crise em Nagorno-Karabakh na Estrutura Familiar dos Refugiados
Patricia Gorisch
O direito de família tem por fundamento a proteção do núcleo familiar, sendo crucial em cenários de crise e conflito, como o evidenciado pela recente situação de tensão em Nagorno-Karabakh. Este território, de maioria armênia e cristã, tem vivenciado intensos conflitos resultantes da ofensiva militar do Azerbaijão, gerando um êxodo significativo de armênios temerosos de represálias.
Impacto nas Famílias
A recente crise em Nagorno-Karabakh, um território de maioria armênia e cristã, ilustra de maneira clara e impactante como conflitos armados e tensões geopolíticas afetam diretamente as estruturas familiares, gerando um grande número de refugiados e deslocados. Os conflitos subsequentes à ofensiva militar do Azerbaijão desencadearam um êxodo massivo de armênios, que, receosos de represálias, buscaram segurança e abrigo.
A saída tumultuada e urgente de mais de 100 mil armênios aponta para uma devastação do tecido social e familiar, expressa em separações, perdas e deslocamentos forçados. Cidadãos abandonaram seus lares, destacando a vulnerabilidade particularmente intensa de mulheres, crianças e idosos nestes cenários.
Desintegração Familiar
O êxodo forçado de armênios tem evidenciado a perturbação e desestruturação das unidades familiares, com muitos sendo compelidos a deixar para trás lares, bens e um pedaço de suas identidades. Esse movimento migratório traz consigo traumas profundos e transformações abruptas na vida de milhares de famílias, que vivem agora uma realidade marcada por medo, incertezas e vulnerabilidade.
Mulheres, crianças e idosos, os mais vulneráveis nesses contextos de crise, são particularmente afetados, sendo inseridos em um cenário onde a segurança e a estabilidade são constantemente ameaçadas. Essa desintegração de núcleos familiares tem consequências de longo alcance, refletindo na saúde mental, bem-estar e desenvolvimento das gerações presentes e futuras.
Apoio a Refugiados Armênios: O papel do Brasil e das Entidades Humanitárias
O Brasil, com sua longa tradição de acolhimento a refugiados e imigrantes, tem uma oportunidade singular de estender a mão amiga às vítimas do conflito em Nagorno-Karabakh, integrando-as de maneira eficaz e solidária. A presença de uma comunidade armênia já estabelecida no Brasil pode funcionar como um suporte vital para os recém-chegados, facilitando processos de integração e adaptação.
A comunidade armênia no Brasil pode atuar como um elo de ligação entre os refugiados e a sociedade brasileira, proporcionando um ambiente de acolhimento e entendimento mútuo. Esta comunidade pode auxiliar na superação de barreiras linguísticas e culturais e na construção de redes de apoio para os recém-chegados, mitigando impactos do deslocamento forçado.
As entidades humanitárias e ONGs no Brasil têm um papel crucial a desempenhar. A mobilização de recursos e serviços pode ser direcionada para atender às necessidades específicas desses refugiados, oferecendo apoio psicossocial, assistência jurídica, moradia, educação e oportunidades de emprego. A colaboração entre entidades locais, nacionais e internacionais pode maximizar o impacto das ações de assistência e garantir uma resposta mais ágil e eficiente.
O governo brasileiro, por meio de políticas públicas inclusivas e humanitárias, pode facilitar o processo de recepção e integração dos refugiados armênios, proporcionando mecanismos legais para regularização, acesso a direitos básicos e incentivos para inserção no mercado de trabalho. A promoção de diálogos e parcerias com a comunidade armênia existente e com entidades de apoio a refugiados pode fortalecer estratégias de acolhimento e contribuir para o desenvolvimento de soluções duradouras.
A sociedade brasileira, conhecida por sua diversidade e empatia, tem o potencial de receber de braços abertos as famílias afetadas, promovendo um ambiente de respeito, solidariedade e inclusão. A participação ativa da sociedade civil em iniciativas de apoio pode fortalecer laços comunitários e fomentar uma cultura de acolhimento e tolerância.
Proteção Internacional e Direitos Humanos
Diante das complexidades deste cenário, o direito internacional, assim como o direito de família internacional, deve atuar de maneira incisiva para amparar as necessidades das famílias afetadas. O envio de uma missão da ONU ao território é um passo fundamental para avaliar e atender as demandas humanitárias urgentes. Ademais, as acusações de "limpeza étnica" intensificam a necessidade de intervenções judiciais internacionais visando proteger os direitos humanos e familiares das populações atingidas.
Considerações finais
O conflito em Nagorno-Karabakh ilustra como as crises geopolíticas impactam direta e profundamente as famílias, que frequentemente são as mais afetadas pelos embates e tensões. O direito de família, em conjunto com o direito internacional, deve propiciar estratégias de amparo, proteção e reparação para as vítimas de tais conflitos, almejando a reconstrução do tecido social e o estabelecimento de condições de vida dignas para as famílias deslocadas.
O cenário de Nagorno-Karabakh ressalta a indispensabilidade da atuação comprometida de organismos internacionais e nacionais na proteção dos direitos humanos e de família, frente aos impactos devastadores de conflitos militares sobre as comunidades e seus integrantes.
O auxílio ao povo armênio em tempos de crise reflete os valores humanitários fundamentais de solidariedade e compaixão. A interação entre a comunidade armênia no Brasil, entidades humanitárias, o governo e a sociedade pode construir um refúgio seguro e promissor para aqueles que fogem da adversidade, reforçando o compromisso brasileiro com a paz, a justiça e os direitos humanos.
Em reflexão final, a desolação que permeia o cenário de conflito em Nagorno-Karabakh ecoa a universal necessidade de empatia, solidariedade e, mais proeminentemente, a necessidade de paz. O Brasil, com sua tradição de acolhimento e sua diversidade cultural enraizada, tem a oportunidade e, por assim dizer, a responsabilidade moral, de estender a mão àqueles que fogem da desdita da guerra, corroborando seu compromisso com a humanidade e os princípios dos direitos humanos.
É imperativo que as entidades, o governo e a comunidade armênia já estabelecida no Brasil unam-se para edificar pontes de solidariedade e acolhimento, tendo como guia as leis, acordos e convenções nacionais e internacionais. Ao abrirmos nossas portas e nossos corações para os refugiados, solidificamos não somente nosso respeito pela dignidade humana, mas também nosso compromisso com a construção de um mundo mais justo, humano e fraterno.
Recorro, para encerrar, a uns versos de Emily Dickinson, que refletem uma visão de esperança e humanidade que deveríamos almejar:
“Esperança” é a coisa com penas -
Que pousa na alma -
E canta a melodia sem palavras -
E nunca para - em absoluto”
Neste mundo convulsionado, que a “coisa com penas” que é a esperança, continue a cantar em nossas almas, guiando-nos por caminhos de compaixão, solidariedade e paz.
Referências
1. Constituição Federal do Brasil (1988): Artigo 4º, inciso X: Estabelece o princípio da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil.
2. Lei Nº 9.474/1997 - Lei de Refúgio: Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 no Brasil.Artigos 1º ao 5º: Discorrem sobre a elegibilidade para refúgio, os procedimentos de solicitação e a proteção legal a refugiados.
3. Estatuto dos Refugiados (1951) e Protocolo de 1967:Ambos oferecem um marco legal internacional para a proteção de refugiados, ao qual o Brasil é signatário. Artigo 1º: Define quem pode ser considerado refugiado e estabelece os direitos e deveres dos mesmos.
4. Lei Nº 13.445/2017 - Lei de Migração:Estabelece os direitos e deveres do migrante e do visitante, regula a entrada e estada de estrangeiros no Brasil.Artigo 3º, inciso I: Reafirma o respeito à dignidade humana e aos direitos humanos dos migrantes.
5. Decreto Nº 9.199/2017:Regulamenta a Lei de Migração, abordando aspectos como vistos, regularização migratória e medidas de proteção ao migrante.
Artigo 122 e seguintes: Tratam especificamente da regularização de estrangeiros no Brasil.
6. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948):Artigo 14: Afirma que toda pessoa, em caso de perseguição, tem o direito de procurar asilo e de gozar asilo em outros países.
7. Convenção de Genebra (1949):Artigo 3: Trata dos Direitos e deveres fundamentais relacionados à proteção de civis em tempos de conflito armado.
8. Lei Nº 7.713/1988:Artigo 12: Trata da isenção de imposto de renda para rendimentos percebidos por pessoas físicas residentes no Brasil, vindas de países com os quais o Brasil mantenha acordos, tratados ou convenções internacionais, ou na hipótese de reciprocidade de tratamento.
Presidente da Comissão Nacional de Direito dos Refugiados do IBDFAM. Advogada do escritório @sociedadedeadvogadas Pós Doutora em Direitos Humanos pela Universidad de Salamanca. Pós Doutora em Direito da Saúde pela Università degli Studi di Messina, Itália. Pós Doutora em Psicologia pela Universidad de Flores, Argentina. Doutora e Mestre em Direito Internacional, Professora do PPG em Direito e Ciência e Tecnologia da Unisanta. Coordenadora do Observatório dos Direitos do Migrante - Unisanta.
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