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A renúncia sucessória no pacto antenupcial: O aumento do clamor social e a nova posição que vem se formando na doutrina brasileira
A renúncia sucessória no pacto antenupcial: O aumento do clamor social e a nova posição que vem se formando na doutrina brasileira
Arthur Del Guércio Neto – Tabelião de Notas e Protestos em Itaquaquecetuba. Especialista em Direito Notarial e Registral. Especialista em Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica. Escritor e Autor de Livros. Palestrante e Professor em diversas instituições, tratando de temas voltados ao Direito Notarial e Registral. Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB do Estado de São Paulo. Coordenador do Blog do DG (www.blogdodg.com.br)
Carolina Edith Mosmann dos Santos – Advogada e Pesquisadora Jurídica. Ex-escrevente do 1º Tabelionato de Notas e Protesto de Novo Hamburgo/RS. Pós-graduanda em Direito Notarial e Registral pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito. Graduada em Direito pela Universidade do Rio dos Sinos – Unisinos. Aderente Individual da União Internacional do Notariado – UNIL. Associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB do Estado de São Paulo.
João Francisco Massoneto Junior – Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Centro Universitário Ítalo Brasileiro (2021). Especialista em Direito Notarial e Registral pela USP – Ribeirão Preto (2019). Especialista em Direito Notarial e Registral, com formação para o magistério superior pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2012). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná - UNOPAR (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto-SP (2005). Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB do Estado de São Paulo. Preposto Substituto do Tabelião de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP, onde iniciou suas atividades em 1999.
Maria tem 35 anos, é divorciada e tem uma filha de 8 anos. Trabalha como escrevente em um Tabelionato de Notas e, por isto, sabe que, mesmo no regime da separação convencional de bens, eleito em pacto antenupcial, o cônjuge ou companheiro é herdeiro em concorrência com os descendentes, na forma do artigo 1829, inciso I, do Código Civil.
Em razão disto, Maria não quer saber de namorar, manter união estável ou muito menos se casar. Apesar de ser ainda jovem, tem muito receio de manter um relacionamento e por algum infortúnio da vida, vir a faltar prematuramente, tendo sua filha que dividir seu único bem, um apartamento adquirido com muito esforço, com eventual companheiro ou marido que venha deixar.
É sabido que o namoro não gera efeitos patrimoniais, de forma que alguns poderiam argumentar que Maria poderia permanecer somente neste tipo de relacionamento, resguardando sua filha. Contudo, dada a linha tênue que separa namoro e união estável atualmente, o seu medo é totalmente fundado. Quem garante que o namorado não tentará alegar e eventualmente conseguir a configuração da união estável, herdando metade do apartamento que ela deixar?
Ademais, é justo que Maria não possa viver em união estável ou mesmo casar-se em razão de regras sucessórias escritas na década de 70, época em que não havia sequer sido publicada a Lei do Divórcio, que é de 1977?[1] Sim, o Código Civil “atual”, publicado em 2002, foi escrito na década de 1970[2]. Ou seja, já nasceu velho.
Fruto da mentalidade de outrora e de uma Sociedade que não existe mais, por certo que o Código Civil precisa de reformas urgentes, especialmente no que concerne ao Direito Sucessório. Com efeito, a sociedade é lebre e o Direito é tartaruga, não acompanhando o legislador as mudanças, evoluções e anseios sociais e as novas formas de relacionamentos e de famílias.
Diante disto, a possibilidade de afastar o direito concorrencial em contrato de convivência ou pacto antenupcial, retirando o companheiro ou cônjuge da herança quando em concorrência com descendentes ou ascendentes, vem ganhando cada vez mais respaldo doutrinário. Capitaneada por Mário Delgado e Rolf Madaleno, a ideia vem recebendo adeptos, havendo vários doutrinadores, antes contrários, mudando de opinião para entenderem pela possibilidade e validade de tal cláusula.
Ora, a maior parte das pessoas que se casam no regime da separação total de bens convencional, especialmente as pessoas que já têm filhos de relacionamentos anteriores (famílias mosaico), quer e imagina que tanto em vida, como na morte, os patrimônios sejam totalmente blindados e não se misturem. De fato, em vida, não se misturam, e, em caso de divórcio, cada um permanecerá com o seu patrimônio individual. Porém, em caso de sucessão, isso não acontece, conforme a previsão estabelecida no artigo acima mencionado, que coloca o cônjuge como concorrente na herança com descendentes e ascendentes.
Esta busca pela proteção patrimonial dos filhos diante de um novo relacionamento não é de interesse somente das pessoas ricas. Na verdade, o cotidiano dos Tabelionatos de Notas mostra que é um grande equívoco afirmar que esse tema é de interesse somente de pessoas mais abastadas, pois, independentemente do tamanho do patrimônio, seja ele constituído por inúmeros imóveis de alto padrão ou apenas por um imóvel onde reside, como é o exemplo da Maria, a importância para o proprietário daquele patrimônio é a mesma, ou seja, aquilo é tudo que ele tem, e certamente deseja que fique para seus filhos.
Outra afirmação injusta é a de que os Tabeliães de Notas, que entendem pela possibilidade de inserir no pacto antenupcial o desejo dos nubentes de não concorrerem na herança um do outro, fazem isso por interesse financeiro, pois, os que aceitam, farão mais pactos do que os que não aceitam.
Em primeiro lugar, essa afirmação demonstra total desconhecimento sobre a atividade notarial, considerando que os Cartórios, em inúmeras pesquisas realizadas, são as instituições de maior credibilidade na sociedade quando se trata de confiança do usuário.
Em segundo lugar, os pactos antenupciais estão longe de gerarem qualquer tipo de expectativa ou interesse financeiro, uma vez que são os atos menos praticados nas serventias notariais, representando menos de 1% do faturamento, além do fato de os valores cobrados pelos pactos contidos nas tabelas de todos os Estados serem muito pequenos, o que poderá ser verificado pelos leitores ao final deste artigo.
Desse modo, não há interesse algum por parte dos Tabelionatos na tomada de medidas que visem à realização de mais pactos em sua serventia, primeiro pela idoneidade dos tabeliães de notas que nunca aceitariam inserir nos atos notariais algo que possui divergência de entendimento somente pelo fato de obterem algum lucro, e, principalmente, pela inexistência de expectativa de lucro nesse tipo de ato notarial.
Na verdade, muitos notários, amparados na sua independência funcional, prevista no artigo 28, da Lei 8.935/94, aceitam inserir esse desejo no contrato de convivência ou no pacto antenupcial sensíveis e atentos à realidade social, deixando sempre claro às partes, contudo, sobre a divergência existente sobre o tema. Neste sentido, aliás, são as recém-publicadas Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Parte Extrajudicial, que autorizam expressamente o notário a prever tal cláusula:
Art. 390. Da escritura de reconhecimento de união estável, dentre outras, poderão constar cláusulas patrimoniais dispondo sobre o regime de bens, incluindo a existência de bens comuns e de bens particulares de cada um dos conviventes, assim como cláusulas existenciais, desde que não vedadas por lei.
§ 3º. A cláusula de renúncia ao direito concorrencial (art. 1.829, I, do CC) poderá constar do ato a pedido das partes, desde que advertidas quanto à sua controvertida eficácia.
Com efeito, a previsão da norma do Rio de Janeiro é a tradução do respeito ao afeto enquanto núcleo constitutivo da família, enquanto princípio constitucional implícito[3]. A possibilidade de inclusão na escritura pública de pacto antenupcial ou de declaração de união estável da renúncia ao direito concorrencial significa dar uma “chance” às pessoas, dar uma chance à Maria, de viver o afeto com plenitude e tranquilidade, uma chance de ser feliz. A doutrina que antes era majoritária no sentido da nulidade de tal cláusula vem se modificando, de forma que a previsão da renúncia ao direito concorrencial nos contratos de convivência e nos pactos antenupciais é essencial para que, no futuro, tal tema seja enfrentado pelos Tribunais e Maria possa ter uma chance do seu desejo ser respeitado.
Veja-se, a propósito, mais um exemplo que há na renúncia ao direito concorrencial uma chance de plenitude na vivência do afeto: Eduardo e Mônica têm mais de 50 anos, se conheceram e começaram a namorar. Ambos são divorciados, e em seus relacionamentos anteriores tiveram filhos. Eduardo é advogado, possui dois imóveis, um deles é sua residência e também seu escritório, e o outro ele aluga. Mônica é arquiteta, possuí três imóveis, mora em um deles, tem escritório em outro, e outro ela aluga. Ambos têm uma vida considerada de classe média. Tanto Eduardo como Mônica têm projetos profissionais para conquistar mais bens, e garantir um patrimônio um pouco maior para deixar para seus filhos como herança. Como ainda são novos e possuem uma vida pela frente, Eduardo e Mônica desejam se casar, mas nenhum dos dois quer misturar o patrimônio que já possui ou venha a conquistar, por isso desejam escolher o regime da separação de bens, onde só irão compartilhar a vida amorosa, e não a financeira, não misturando seus bens. Tanto Eduardo como Mônica não desejam receber ou comunicar bens com o outro, muito menos desejam herdar bens um do outro, diminuindo o que os seus filhos receberiam. Dessa forma, no pacto antenupcial querem deixar assentes esses desejos de não participarem da concorrência sucessória um do outro, pois seria injusto, na visão deles, prejudicarem seus filhos. Não só querem que seus filhos não sejam prejudicados, mas, também, não desejam prejudicar os filhos do seu futuro cônjuge. Porém, se esse direito lhes é negado, é criado um cenário de medo e incertezas, que acaba fazendo com que adiem o casamento, podendo inclusive fazer com que desistam de se unirem.
Assim como Eduardo e Mônica, e também Maria, do exemplo trazido no início deste artigo, muitos acabam prorrogando ou até deixando de constituir uma família, em razão de parte da doutrina e, inclusive, de algumas decisões judiciais do Estado de São Paulo[4], que entendem que a cláusula de renúncia ao direito concorrencial é nula por contrariar norma de ordem pública, prevista no artigo 426, do Código Civil, o qual proíbe a contratação de herança de pessoa viva.
Várias são as situações indesejadas e prejudiciais que estão presentes atualmente na sociedade por causa dessa interpretação, no entender dos autores, equivocada.
Assim, o objetivo deste artigo é demonstrar os motivos pelos quais os autores entendem que a renúncia ao direito concorrencial em pacto antenupcial e em contrato de convivência, em que o casal afasta, reciprocamente, a participação na herança um do outro, quando em concorrência com descendentes e ascendentes, não está abrangida pela vedação do artigo 426, do Código Civil, sendo, portanto, perfeitamente válida e eficaz.
Para tanto, privilegiando a didática e a melhor compreensão do tema, os argumentos serão divididos em itens, a seguir relacionados.
- A existência de um artigo específico que vedava a alteração da ordem legal da sucessão no pacto antenupcial no projeto primário do Código Civil de 1916, sua exclusão pelo Senado e pela Câmara, e a posição de Clóvis Beviláqua sobre o tema.
Analisando-se o Projeto do Código Civil de 1916, é possível concluir que a renúncia ao direito concorrencial em pacto antenupcial não está abrangida pela vedação do artigo 426, do Código Civil de 2002, antigo 1.089, do Código Civil de 1916. Explica-se.
Primeiramente é importante ressaltar que o artigo 426, do Código Civil de 2002, tem a mesma redação, sem nenhuma palavra ou pontuação diferente, do artigo 1089, do Código Civil de 1916[5]. Tal redação foi sugerida pelo jurista responsável pela elaboração do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua.
Beviláqua, em comentários ao Código Civil de 1916, destaca que:
O Codigo Civil, fiel a tradição do nosso direito, condena os pactos sucessórios. (...) Duas excepções, entretanto, insinuaram-se, destruindo a pureza do systema do Codigo: a) Nos contractos antenupciais, é lícito aos cônjuges regularem a sua sucessão reciproca. Veja-se a este respeito o volume II deste livro, observação 4, ao artigo 257. b)- Podem os paes por acto entre vivos, partilhar os seus bens com os filhos (art. 1.776) [6](grifo nosso)
O renomado jurista assim se manifestou porque o Senado, ao aprovar o Projeto do Código Civil de 1916, suprimiu o §2º, do artigo 257, que assim previa:
Também não serão validas as convenções ante-nupciaes:
2º. Que alterarem a ordem legal da sucessão;[7]
Segundo Beviláqua, “(...) apezar de não permitir o Código Civil os pactos sucessórios, nem os testamentos conjunctivos, nas convenções antenupciais, é lícito aos cônjuges estabelecer clausulas relativamente à sua sucessão.”
Ora, se o artigo que previa a proibição real de alterarem a ordem legal da sucessão em convenção antenupcial foi excluído (não recepcionado), duas são as conclusões lógicas, ao encontro do exposto por Beviláqua: I) tal proibição não estava abrangida pelo artigo 1089, do Código Civil de 1916, uma vez que estava expressamente prevista no artigo 257; e, II) ao excluir, não recepcionar, a proibição prevista no §2º, do artigo 257, ficou claro que o legislador quis permitir que os cônjuges estabelecessem cláusulas relativamente à sua sucessão.
Cabe salientar que, diferentemente de outros artigos, também excluídos por ocasião da aprovação no Senado, não houve justificativa de sua exclusão remetendo ao fato de já haver outro artigo que tratava da mesma situação, o que reforça a conclusão de que tal proibição, de os cônjuges estabelecerem cláusulas relativamente à sua sucessão, não estava abrangida pelo artigo 1.089, do Código Civil de 1916.
Além disto, é importante dizer que o artigo 257, do Código Civil, tem redação similar ao correspondente no atual Código Civil, o artigo 1.655, que prevê que é nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei.
Assim, não havendo modificação substancial no Código Civil atual em relação aos artigos 1089 e 257 do Código Civil de 1916, a interpretação do Código Beviláqua em relação ao tema foi recepcionada pelo atual Diploma Civil.
Ainda que manifestando contrariedade ao tema, ao dizer que a “pureza do Código foi destruída”, Beviláqua assume que, diante da exclusão do §2º, do artigo 257, os cônjuges podem sim estabelecer cláusulas relativamente à sua sucessão recíproca.
Ora, se o próprio autor do Código Civil de 1916 afirma que a proibição da pacta corvina não atinge a regulação da sucessão recíproca nos contratos antenupciais e isto se repetiu no Código atual, por que se perpetuou na doutrina a interpretação em sentido contrário?
Aparentemente, isto se deu, inicialmente, pela falta de prejuízos para a sociedade. Isto porque, quem não queria que o cônjuge fosse seu herdeiro, se divorciava e constituía uma união estável. De acordo com o artigo 1790, do Código Civil, o companheiro só herdava nos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. A questão estava resolvida e era assim que se realizavam os planejamentos sucessórios. Não havia necessidade da renúncia ao direito concorrencial e, portanto, não havia necessidade de discussão.
Contudo, com a equiparação da sucessão do companheiro ao do cônjuge pelo STF[8], tal alternativa foi por “água abaixo” e as pessoas ficaram desguarnecidas de proteção jurídica para viver em plenitude o afeto.
Com isto, ganhou força a discussão sobre a possibilidade da renúncia ao direito concorrencial em pacto antenupcial e em contrato de convivência e, inicialmente, a doutrina majoritária se posicionou contra, embasada no artigo 426, do Código Civil.
De fato, o texto do artigo 426, do Código Civil, parece, à primeira vista, vedar a inclusão de renúncia ao direito concorrencial nas convenções antenupciais. Mas a verificação mais apurada da vontade do legislador, ao encontro do que expôs Bevilaquá, mostra o contrário.
Acompanhando esta linha de raciocínio, muitos doutrinadores que antes defendiam a proibição da renúncia ao direito concorrencial, passaram a entendê-la válida e eficaz. Hoje, então, ao lado de Mario Delgado e de Rolf Madaleno, há outros renomados civilistas nessa corrente, a exemplo de Mauro Antonini, Jânio Urbano Marinho Junior, Daniel Bucar, Conrado Paulino, Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves, Francisco José Cahali, Rafael Cândido da Silva, Elder Dutra.
Atualmente, também existem muitos artigos publicados que discorrem sobre o tema, e, inclusive, teses de doutorado. Dentre tais publicações, pode-se citar alguns autores como João Pedro de Oliveira de Biazi, Felipe Frank, Matheus Filipe de Moraes Souza França, Alexandre Miranda Oliveira, Bárbara Dias Duarte de Carvalho, Renato Maluf, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, Jorge Rachid Haber Neto, Letícia Franco Maculan, Gabriela Franco Maculan Assumpção, e os próprios coautores deste artigo, Carolina Mosmann e João Massoneto.
Nós próximos itens, serão abordados outros importantes e pontuais argumentos a favor da renúncia ao direito concorrencial trazidos pelos autores mencionados.
2) Existência de artigo específico sobre o tema, o qual não impõe limitação ao que as partes podem estipular quanto aos seus bens.
Em relação ao pacto antenupcial, a legislação trouxe um artigo específico que regula expressamente o que os nubentes podem ou não convencionar quanto aos seus bens antes do casamento. Trata-se do artigo 1639, do Código Civil:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1 o O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
§ 2 o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
O texto do artigo é claro em dizer que as partes podem estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. Há ampla liberdade na convenção, sem qualquer tipo de limitação. Portanto, não há como interpretar que só podem convencionar regras em relação aos seus bens para enquanto estiverem vivos, e não para depois da morte.
O artigo 1.639 não mencionou como exceção o disposto no artigo 426, do CC, nem ao menos inseriu no texto, como em muitos outros casos, os dizeres: “salvo disposição legal em contrário”.
Se não houve exceção no próprio artigo que é específico sobre a liberdade dos nubentes em relação à estipulação de seus bens antes do casamento, parece desarrazoado buscar uma interpretação restritiva em outro artigo, localizado na parte de contratos, e que se refere expressamente a contratos, como é o caso do artigo 426, do Código Civil.
Desta forma, não parece se adequar ao ordenamento jurídico a proibição de renúncia ao direito concorrencial com base no artigo 426, do Código Civil, cujo objetivo é evitar outras situações em que realmente estaria presente a pacta corvina, e ignorar completamente o artigo 1.639, do Código Civil, que é específico sobre o que pode ou não ser pactuado sobre os bens antes do casamento. Se o intuito é não afrontar norma cogente, então o correto é não afrontar o disposto no artigo que tem vínculo direto com o tema, que é o artigo 1.639.
3) Renúncia pura ou abdicativa não é Contrato.
Renúncia pura ou abdicativa é aquela em que não há uma contraprestação. Ela não trata de um negócio ou acordo; trata-se, sim, de um ato unilateral, onde não há nenhum tipo de pagamento ou contraprestação.
Desse modo, não há como confundir a renúncia com o contrato. Contrato é um ato bilateral, que envolve uma negociação realizada pelas partes contratantes, onde uma delas promete a entrega de um bem, de um direito ou de um serviço, em troca de uma quantia em dinheiro, ou da entrega de outro bem, serviço ou direito, existindo uma vantagem financeira para as partes com a contraprestação que lhe é prometida.
Assim, a renúncia recíproca ao direito concorrencial sucessório realizada no pacto antenupcial ou no contrato de convivência não pode ser considerada como contrato, pois não se enquadra na definição deste. Trata-se de uma renúncia pura e abdicativa, que é realizada dentro de uma escritura pública de pacto antenupcial ou de declaração de união estável.
Nesta linha, o pacto antenupcial é negócio jurídico autônomo, distinto do contrato e do testamento, portanto, não estaria adstrito aos limites impostos pela lei a estes dois institutos.
Assim, o artigo 426, do Código Civil, que foi criado pelo legislador para que não fosse possível contratar, vender ou ceder herança de pessoa viva, obtendo vantagem em contrapartida e gerando uma expectativa no contratante de morte do titular da herança, não se aplica à renúncia recíproca ao direito de concorrer à herança, realizada pelos nubentes no pacto antenupcial, a qual, conforme já dito, não se enquadra na definição de contrato.
Outra importante distinção entre as duas situações aqui estudadas é a seguinte: no contrato de herança de pessoa viva não há a participação do autor da herança. Há uma negociação entre o futuro herdeiro e um terceiro, sem participação do titular da herança, gerando uma expectativa no herdeiro de morte do detentor do patrimônio com o objetivo de receber a contraprestação do negócio efetivado com o terceiro. Esta é a verdadeira pacta corvina. Em que o herdeiro age como um corvo, torcendo pela morte do titular da herança para beneficiar-se dela. É isto que o artigo 426, do Código Civil, refuta e proíbe.
Já na renúncia recíproca ao direito sucessório no pacto, as únicas partes envolvidas são os próprios autores da herança, não há terceiros envolvidos. Os renunciantes não lucram nada com a morte do outro. Ao contrário. Com a renúncia, eles deixam de concorrer na herança. Portanto, a renúncia não gera qualquer expectativa de morte do titular da herança, não há qualquer intenção de “corvo”, não estando abrangida na vedação do artigo 426, do Código Civil.
4) A renúncia do direito concorrencial não se enquadra nos dois argumentos básicos que impulsionaram a proibição dos pactos sucessórios.
O primeiro argumento a justificar a proibição da pacta corvina, previsto no artigo 426, do Código Civil, é que resultaria odioso e imoral especular sobre a morte de alguém para obter vantagem patrimonial, podendo suscitar o desejo da morte pela cobiça de haver os bens.
Já o segundo é que pactos sucessórios restringem a liberdade de testar.
Esses dois argumentos não se aplicam ao caso da renúncia recíproca ao direito concorrencial realizadas pelos nubentes no pacto antenupcial. Conforme já mencionado no item anterior, é nítido não haver qualquer vantagem patrimonial para nenhum dos dois com a morte do outro. Pelo contrário. Nesse caso, com a renúncia, já estariam previamente renunciando a qualquer vantagem quando da morte do outro.
Da mesma forma, muito menos a renúncia restringe a liberdade de testar. Ela, na verdade, amplia este direito, pois permite o afastamento do cônjuge do planejamento sucessório.
Evidente, portanto, que a renúncia ao direito concorrencial não se trata de pacta corvina e não está abrangida na proibição do artigo 426, do Código Civil.
Causa-nos certa estranheza querer forçar uma pacta corvina inexistente, no caso de renúncia recíproca ao direito concorrencial na sucessão, realizada no pacto antenupcial, ignorando tantos outros instrumentos jurídicos que, ao contrário da renúncia recíproca no pacto, podem realmente ensejar o desejo pela morte do contratante, por gerar lucro direto ou indireto para a outra parte contratante, tais como: i) partilha em vida; ii) usufruto vitalício; iii) substituições, no direito de acrescer; iv) seguro de vida; v) reversão de doação; vi) testamento.
5) A proibição da renúncia ao direito concorrencial contraria a atuação e o incentivo da legislação brasileira em prol ao casamento e à constituição de família.
Sabe-se que no Brasil a legislação sempre foi no sentido de incentivar o casamento, prova disso está na própria facilitação da conversão de União Estável em casamento.
Desse modo, ao impedir que as pessoas possam proteger seus filhos de concorrência de outra pessoa em sua herança, principalmente quando ambas as partes desejam não concorrer na herança um do outro, e sim, somente ter um relacionamento amoroso, há um afastamento da intenção da lei brasileira de incentivo ao casamento, pois, por medo de prejudicarem seus filhos, acabam se privando de viver um novo relacionamento amoroso.
Muitas pessoas viúvas ou divorciadas, principalmente pessoas com mais de cinquenta anos de idade, acabam não assumindo um relacionamento com quem estavam se sentindo muito felizes e queriam de fato viver juntos, exatamente por serem impedidos de inserir seus desejos de não participar da concorrência na herança um do outro.
Isso demonstra que a interpretação no sentido de aplicar o artigo 426, do Código Civil, a essa renúncia recíproca na concorrência da herança no pacto antenupcial, acaba ferindo outros dispositivos legais, e retirando, pode-se dizer, a felicidade das pessoas, o direito de amar e ser amadas, e, até, de constituírem uma nova família.
6) A proibição da renúncia ao direito concorrencial contraria a legislação brasileira em relação à atuação altamente protetiva aos filhos menores ou incapazes.
Sabe-se da máxima proteção do Estado aos menores ou incapazes. Prova disso é a necessidade de autorização judicial para comprar ou vender imóveis em nome de filhos menores ou incapazes, independentemente de os pais estarem representando-os. Antigamente, a autorização judicial era somente para alienar bens que estivessem em nome de menores ou incapazes; atualmente essa se faz necessária até para a aquisição.
Trazendo esta questão da proteção por parte do Estado aos menores e incapazes, em especial nesse aspecto de dilapidação de patrimônio, ou aquisição de patrimônio que seja prejudicial ao menor/incapaz, para o tema específico da renúncia ao direito concorrencial, pode-se dizer que a proibição de sua pactuação no pacto antenupcial ou no contrato de convivência coloca em risco parte do patrimônio de um filho menor ou incapaz de um dos nubentes, ou de ambos, pois com a concorrência do cônjuge a cota parte do incapaz diminui.
Em resumo, se os nubentes tiverem filhos menores, a proibição aos cônjuges de renunciarem reciprocamente, por livre e espontânea vontade, estaria ocasionando efeito diverso do que a legislação brasileira prevê em vários dispositivos legais, no sentido de proteção total ao patrimônio do menor incapaz.
7) A negativa para se evitar uma pacta corvina inexistente e a possibilidade de se criar uma pacta corvina inversa.
Na renúncia pura e abdicativa, ambos os nubentes estão abrindo mão, com antecedência, de concorrer com os descendentes ou ascendentes na herança um do outro. Conforme já dito, a renúncia não gera expectativa de morte do outro, justamente porque não há qualquer benefício para o renunciante com a morte do cônjuge.
Assim, não podendo eles renunciar antecipadamente, os herdeiros de ambos os cônjuges ficarão em uma situação de tudo ou nada. Ou terão que dividir a herança com o cônjuge, caso seu ascendente (pai ou mãe) faleça primeiro, onde sairão muito prejudicados. Ou poderão ser muito beneficiados, se o cônjuge de seu ascendente (padrasto ou madrasta) falecer primeiro, pois seu ascendente (pai ou mãe) irá adquirir o patrimônio do consorte, que futuramente passará a ser deles. Isso claramente pode despertar a especulação da morte do cônjuge de seu ascendente, não só para obter vantagem no patrimônio do padrasto ou da madrasta, como para não serem prejudicados na herança a que terão direito, gerando uma pacta corvina inversa.
8) A incorreta intervenção estatal em assuntos exclusivamente particulares, que não dizem respeito nem atingem direitos de terceiros e a possível INCONSTITUCIONALIDADE quando da recusa ao direito de livremente decidirem sobre o planejamento familiar que desejam para eles.
O Estado não tem o direito de intervir nos assuntos que envolvam somente as partes e seus interesses particulares, e que não têm qualquer risco a terceiros, muito menos prejudicam o Poder Público.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevê em seu artigo 226, § 7º, o seguinte:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (grifou-se)
Desse modo, a interpretação extensiva de aplicação do artigo 426, do Código Civil, para restringir a liberdade dos nubentes em renunciar de forma recíproca o direito de concorrer com os descendentes na sucessão de seu cônjuge, parece ser inconstitucional, por ferir o artigo acima mencionado. Ainda, referida privação da liberdade dos nubentes para decidir tudo sobre seus bens, ataca frontalmente o artigo 1.639, do Código Civil, conforme já explanado em item anterior.
9) O princípio da autonomia da vontade privada e o direito de família mínimo
O renomado jurista Conrado Paulino, em sua obra “Planejamento Sucessório: teoria e prática”, sinaliza a sua mudança de posicionamento a favor da renúncia ao direito concorrencial em pacto antenupcial e em contrato de convivência, com base na lógica contemporânea de menor intervenção estatal na esfera familiar, no denominado “direito de família mínimo”.[9]
Segundo Conrado, “(...) mostra-se imperioso resguardarmos aos integrantes dos relacionamentos afetivos o livre planejamento de poder afastar a participação na herança quando da morte do parceiro afetivo”, permitindo, mesmo antes de qualquer alteração legislativa, a renúncia antecipada da herança em pacto antenupcial e contrato de união estável.[10]
Ao encontro do que foi explanado no item 1 deste artigo, Paulino afirma que não há previsão expressa de proibição de renúncia antecipada em pacto antenupcial[11]. Portanto, com base no artigo 113, §2º, do Código Civil, o qual prevê que as partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei, a vontade dos contratantes, a autonomia privada, deve prevalecer.
O princípio da autonomia da vontade privada e o direito de família mínimo, somados aos demais argumentos expostos neste artigo, demonstram, no entender dos autores, que a renúncia prévia ao direito concorrencial em pacto antenupcial ou contrato de convivência não se trata de pacta corvina, não estando, assim, abrangida na proibição do artigo 426, do Código Civil.
10. A nulidade questionável e a possibilidade de inclusão da cláusula de renúncia no pacto antenupcial e no contrato de convivência.
Ao encontro do direito de família mínimo, Eduardo Pacheco afirma que “a liberdade de escolha das pessoas, no âmbito de suas vidas privadas, não pode ser tolhida por excessiva intervenção estatal, sob pena mesmo de ferir princípios constitucionais”. Segundo o autor, “não pode morrer a autonomia de vontade das partes, no caso em foco consentânea com os anseios mais atuais, e que não importa numa nulidade inquestionável, ao exame da legislação brasileira.”[12]
Sabe-se, conforme já explanado, que parcela da doutrina considera a renúncia recíproca ao direito concorrencial sucessório realizada pelos nubentes no pacto antenupcial uma cláusula nula, por contrariar norma ordem pública, prevista no artigo 426, do Código Civil. Contudo, seria esta nulidade inquestionável?
É notório que não. Diante da grande discussão doutrinária que envolve o tema, está claro que a renúncia ao direito concorrencial se trata de nulidade altamente questionável.
Assim, o tabelião de notas, enquanto intérprete e aplicador do direito, tem total liberdade de aceitar inserir esse desejo dos nubentes no pacto antenupcial, após orientar as partes sobre todas as circunstâncias envolvidas.
Neste sentido, Eduardo Pacheco afirma que, “ao se fazer uma ponderação sobre todas as circunstâncias da renúncia à condição de herdeiro pelos cônjuges, por ocasião da celebração do pacto, a conclusão a que se chega é que deve ficar ao arbítrio das partes a opção ou não pela renúncia.” Segundo Pacheco, “não há uma nulidade inquestionável e, em consequência, não cabe ao notário recusar a prática do ato, se compartilha desse entendimento. Pelo contrário, é dever do notário praticar o ato, com as orientações e advertências cabíveis.”[13]
A situação é muito diferente, cabe salientar, de quando um tabelião está diante de um ato nulo incontestável, onde não há controvérsia sobre o tema, a exemplo de um menor incapaz comparecer como comprador em uma escritura pública, sem alvará judicial autorizando e sem a participação de seus representantes legais. Logicamente, neste caso, o tabelião se negará a realizar este ato notarial, justificando se tratar de ato nulo.
Porém, o tema objeto do presente estudo, conforme já visto, abrange uma nulidade não só questionável, contestável, como, também, a existência de inúmeros argumentos jurídicos já publicados que mostram que não se trata de ato nulo, e que demonstram que, muito em breve, esse entendimento já será majoritário e seguido pela jurisprudência.
Desse modo, diante desse cenário, o tabelião pode e deve se utilizar de sua independência no exercício de sua atribuição, contida no artigo 28, da Lei 8935/1994, para analisar juridicamente o desejo das partes, e decidir se permitirá inserir tal desejo no pacto, e quais as exigências que ele fará para que possam inserir.
Não se pode esquecer que o tabelião foi o profissional de direito escolhido pelo legislador para lavrar o pacto antenupcial, e isso, por si só, já lhe qualifica como o profissional do direito que deve analisar tudo o que pode ou não ser inserido no pacto antenupcial, não só pela atribuição legal a ele concedida, mas também pelo contato direto com os que pretendem realizar o ato. Além do fato de que o tabelião é um profissional de direito altamente qualificado, que para poder exercer esse cargo precisa ter altíssimo saber jurídico e ser aprovado em concurso específico para o cargo, que hoje é um dos mais difíceis e concorridos do país.
Existem atualmente três situações enfrentadas na prática notarial sobre o tema. Há tabeliães que se recusam a inserir a renúncia no pacto, sendo estes minoria, segundo pesquisa informal realizada pelos autores. Por outro lado, a maioria aceita inserir no pacto a renúncia, e, dentre estes que aceitam, existem dois posicionamentos: a) o de ao menos inserir no ato que as partes estão cientes sobre os atuais entendimentos sobre o tema; e, b) os que além dessa ciência expressa no ato notarial, também exigem que a redação sobre o desejo da renúncia seja, obrigatoriamente, vinculada a possibilidade futura, quando, ao tempo da morte, eventualmente já seja entendida como possível a renúncia.
Nesta linha, com o objetivo de contribuir com a construção de doutrina e de jurisprudência aptas a atender este anseio social, em artigo publicado no site Migalhas e na Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões nº. 43[14], foi feita, pelos coautores, uma sugestão de texto para o pacto antenupcial e o contrato de convivência que remete a validade do desejo ali externado a eventual possibilidade futura. Tal alternativa foi criada para resolver provisoriamente o problema, diante desta fase de transição na doutrina.
Agora, neste artigo, aproveita-se a oportunidade para sugerir um novo texto, previsto ao final, seguindo essa mesma linha de raciocínio, para que possa servir de inspiração para outras possíveis redações nesse sentido. A intenção da sugestão proposta é trazer tranquilidade e segurança aos notários na previsão da cláusula de renúncia no pacto antenupcial e no contrato de convivência, permitindo que eles auxiliem na modificação definitiva da doutrina e na criação de jurisprudência a respeito do tema.
É importante ter em mente que, diante desse cenário de modificação de entendimento sobre o tema, permitir que os nubentes ou companheiros deixem esse desejo expresso é muito mais justo e responsável do que lhes negar esta possibilidade, o que fere o seu direito de autodeterminação, de livre planejamento familiar e o seu direito constitucional de viver em plenitude o afeto.
Desta forma, até que se resolva definitivamente essa divergência de entendimentos sobre o tema, a solução “perfeita” é a utilização desse “meio termo”, que permite aos nubentes ou companheiros inserirem seus desejos no pacto, porém, com a expressa menção de que foram alertados sobre a divergência doutrinária existente.
Assim entendem os autores, respeitadas as opiniões contrárias.
Sugestão de cláusula:
Os declarantes, depois de devidamente esclarecidos por mim, Tabelião, declaram estarem cientes de que atualmente existe grande divergência doutrinária a respeito da possibilidade de renúncia recíproca ao direito sucessório concorrencial no pacto antenupcial, já que parte da doutrina defende se tratar de cláusula nula por ferir norma de ordem pública, contida no artigo 426, do Código Civil Brasileiro (pacta corvina), e, a outra parte, que está em ascensão, defende não se tratar de pacta corvina, pois entende que a renúncia não se enquadra na proibição prevista no artigo acima citado, devendo-se respeitar a liberdade plena dos nubentes de decidirem sobre seus bens, antes do casamento, contida no artigo 1.639, do Código Civil Brasileiro, e o princípio da autonomia privada.
Declaram, ainda, estarem cientes que ao tempo da morte deles, nubentes, pode ou não já ter sido pacificado o tema, o que será decisivo para que o desejo adiante externado surta os efeitos desejados.
Assim, considerando a inegável existência e plena vigência do princípio da autonomia privada no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente em relação a conteúdos exclusivamente relacionados à vida privada dos nubentes, os quais não possuam qualquer vínculo ou prejuízo para terceiros ou para o poder público; considerando o disposto no artigo 1.639, do Código Civil Brasileiro, e a probabilidade deste artigo estar sendo violado, caso futuramente prevaleça o entendimento de que não se trata a renúncia de pacta corvina; e, por fim, considerando ser o notário um profissional do direito que possui a missão de interpretar com autonomia e responsabilidade as normas jurídicas; foi permitido, por mim, Tabelião, que depois de todos os esclarecimentos a respeito do tema, as partes pudessem fazer, ao menos, a declaração a seguir, para que possa surtir efeito, CASO, ao tempo da morte dos nubentes, o entendimento seja o de que eles possuem esse direito e a ele não se aplica o artigo 426, do Código Civil, por não se tratar de pacta corvina.
Após todas essas considerações, as partes DECLARAM, neste ato, que:
i) estão cientes da divergência doutrinária existente e seu entendimento atual, mas também da possibilidade de modificação doutrinária e jurisprudência a respeito do tema, assim como, de que o desejo que irão inserir adiante poderá ou não ser considerado válido, a depender de como será decidida essa divergência no futuro, portanto, para que tenha validade dependerá do entendimento que estiver prevalecendo na época do falecimento deles, nubentes. E, ainda, que de acordo com o artigo 1655, do Código Civil, mesmo que o entendimento seja pela impossibilidade da renúncia, o pacto antenupcial e suas demais cláusulas continuarão válidas, uma vez que a nulidade seria, especificamente, quanto à renúncia sucessória contida no ato.
ii) após todas as ciências, desejam deixar registrado que, se à época do falecimento de qualquer um deles, a doutrina ou a jurisprudência permitir, por entenderem não se tratar de pacta corvina, optam por, de fato, não participarem de futura sucessão um do outro, quando em concorrência com os descendentes ou ascendentes, restando afastada, assim, a regra de concorrência dos incisos I e II, do artigo 1.829, do Código Civil, uma vez que ambos têm seus patrimônios totalmente separados, não desejando, nem por sucessão, caso exista concorrência, receberem patrimônio um do outro.
iii) desejam permanecer na sucessão um do outro quando não houver descendentes, nem ascendentes, e o cônjuge sobrevivente for o único herdeiro, chamado a suceder como herdeiro universal e necessário;
iv) uma vez que, regulando a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela, conforme artigo 1.787, do Código Civil, e, sabendo que a posição doutrinária, assim como a jurisprudencial, em casos com muita divergência como este, que resulta em uma nulidade altamente questionável, podem perfeitamente ser modificadas com o tempo, e, até mesmo a legislação ser modificada para que se atendam os anseios da sociedade moderna, entendem terem o direito de deixar registradas suas vontades e rogarem para que, na ocasião do falecimento de qualquer um deles, estas sejam atendidas, de acordo com os entendimentos vigentes ao tempo da ocorrência do fato.
Valores dos pactos antenupciais nos Estados:
MA - R$ 146,35
RO - R$ 340,18
SP – R$.551,50
MG – R$.590,00
RN – R$.491,13
DF - R$ 161,44
PR - R$.216,00
MT - R$.239,50
PB - R$.129,31
MS - R$.178,35
CE - R$.112,34
SC- R$.54,90
PA - R$.708,55
GO - R$.267,05
AL - R$.73,80
RS - R$.95,40
RJ - R$267,47
Obs: Os valores acima não são líquidos, ou seja, desses valores ainda é deduzido todos os repasses existentes em cada Estado.
BIBLIOGRAFIA:
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SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Renúncia à condição de herdeiro entre cônjuges e companheiros: A atuação notarial na lavratura dos pactos antenupciais do contexto legislativo atual e seus reflexos no registro imobiliário. Estudos em homenagem a Sérgio Jacomino. Organizadores: Alfonso Candau, Ivan Jacopetti do Lago, Madalena Teixeira, Margarida Costa Andrade, Mónica Jardim e Rafael Vale e Reis. – Coimbra, PT: Gestlegal, 2022.
Arthur Del Guércio Neto – Tabelião de Notas e Protestos em Itaquaquecetuba. Especialista em Direito Notarial e Registral. Especialista em Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica. Escritor e Autor de Livros. Palestrante e Professor em diversas instituições, tratando de temas voltados ao Direito Notarial e Registral. Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB do Estado de São Paulo. Coordenador do Blog do DG (www.blogdodg.com.br)
[1] Carolina Edith Mosmann dos Santos – Advogada e Pesquisadora Jurídica. Ex-escrevente do 1º Tabelionato de Notas e Protesto de Novo Hamburgo/RS. Pós-graduanda em Direito Notarial e Registral pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Instituto Damásio de Direito. Graduada em Direito pela Universidade do Rio dos Sinos – Unisinos. Aderente Individual da União Internacional do Notariado – UNIL. Associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB do Estado de São Paulo.
[2] João Francisco Massoneto Junior – Especialista em Direito Notarial e Registral pelo Centro Universitário Ítalo Brasileiro (2021). Especialista em Direito Notarial e Registral pela USP – Ribeirão Preto (2019). Especialista em Direito Notarial e Registral, com formação para o magistério superior pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2012). Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Norte do Paraná - UNOPAR (2010). Bacharel em Direito pela Universidade Paulista de Ribeirão Preto-SP (2005). Membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB do Estado de São Paulo. Preposto Substituto do Tabelião de Notas e Protesto de Monte Azul Paulista-SP, onde iniciou suas atividades em 1999.
[1] Lei 6.515/77
[2] “(...) o Código Civil foi aprovado nos anos 2000, mas foi produto de um debate que se fez na década de 70, um debate anterior a inúmeras questões, que somente se colocaram tempos depois, diante da sociedade e das escolhas legítimas das pessoas. Portanto, o Código Civil é de 2002, mas ele chegou atrasado relativamente às questões de direito de família.” Conforme Voto do Ministro Luis Roberto Barroso, do STF, no julgamento do RE 646721, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204 DIVULG 08-09-2017 PUBLIC 11-09-2017
[3] A Carta Constitucional trouxe à sua seara outros arranjos familiares que não somente aquele oriundo do casamento, “(...) e o fez erigindo o afeto como um dos princípios constitucionais implícitos, na medida em que aceita, reconhece, alberga, ampara e subsidia relações afetivas distintas do casamento”. In: LOUZADA, Ana Maria Gonçalves. Evolução do conceito de família. In:DIAS, Maria Berenice (coord.). Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo. 1. ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 268.
[4] Processo Digital nº: 1022765-36.2023.8.26.0100
[5] Art, 1089. CC 1916. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
[6] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 12. ed. atual. Rio de Janeiro: F. Alves, 1959.
[7] Ibidem.
[8] “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. (STF. RE 878694, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-021 DIVULG 05-02-2018 PUBLIC 06-02-2018)
[9] ROSA, Conrado Paulino da. Planejamento Sucessório: Teoria e Prática. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023. p. 63
[10] Ibidem, p. 64.
[11] Ibidem, p. 64
[12] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Renúncia à condição de herdeiro entre cônjuges e companheiros: A atuação notarial na lavratura dos pactos antenupciais do contexto legislativo atual e seus reflexos no registro imobiliário. Estudos em homenagem a Sérgio Jacomino. Organizadores: Alfonso Candau, Ivan Jacopetti do Lago, Madalena Teixeira, Margarida Costa Andrade, Mónica Jardim e Rafael Vale e Reis. – Coimbra, PT: Gestlegal, 2022.
[13] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Renúncia à condição de herdeiro entre cônjuges e companheiros: A atuação notarial na lavratura dos pactos antenupciais do contexto legislativo atual e seus reflexos no registro imobiliário. Estudos em homenagem a Sérgio Jacomino. Organizadores: Alfonso Candau, Ivan Jacopetti do Lago, Madalena Teixeira, Margarida Costa Andrade, Mónica Jardim e Rafael Vale e Reis. – Coimbra, PT: Gestlegal, 2022.
[14] MOSMANN, Carolina Edith e MASSONETO JR, João Francisco. Análise Propositiva sobre a Renúncia da Herança em Pacto Antenupcial. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões: v.43 (jul/ago.2021). Porto Alegre: Magister, 2021 – Bimestral. Coordenação: Mário Luiz Delgado.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM