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A criação de novas condutas pela Inteligência Artificial e a disposição da imagem post mortem
Patrícia Corrêa Sanches
Presidente da Comissão Nacional
de Tecnologia do IBDFAM
As tecnologias de Inteligência Artificial movimentam e permeiam nosso dia a dia há tempos, porém, suas aplicações, cada vez mais ousadas, levantam inúmeras e interessantes discussões na seara do Direito, especialmente quanto à utilização da imagem post mortem.
Recentemente, fomos impactados pela emoção de vermos duas famosas cantoras, mãe e filha, lado a lado, em uma peça publicitária, convivendo nos dias atuais. A Inteligência Artificial conseguiu reunir Elis Regina, no vigor de sua juventude, cantando ao lado de sua filha Maria Rita, no auge de sua vida adulta. No entanto, mais de 4 décadas distanciam as duas, em razão do falecimento da mãe em 1982, quando sua filha tinha, apenas, 4 anos de idade.
O debate recai sobre o direito dos herdeiros de Elis Regina de permitirem a utilização de sua imagem, utilizando a tecnologia da Inteligência Artificial.
O primeiro norte, seria a existência de disposição de última vontade nesse sentido. No entanto, como uma pessoa falecida há mais de 40 anos poderia supor a existência da IA para permitir a perpetuação de sua imagem e conduta?
A questão sobre o direito de uso da imagem pelos herdeiros já é superada, uma vez que diversas cenas, filmes e shows continuam a ser reproduzidos com a presença de pessoas famosas já falecidas.
A questão nova, trazida pela IA, é o fato de gerar condutas que jamais foram realizadas pela pessoa falecida – como é o caso da Elis Regina, que nunca dirigiu uma Kombi, lado a lado com sua filha Maria Rita, enquanto cantavam juntas.
Então, a dúvida passou a ser incrementada: poderia o direito de imagem pertencente aos herdeiros servir à autorização para a criação de uma conduta que jamais existiu?
Nosso ordenamento jurídico prima pela proteção da imagem como direito fundamental, disposto no art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal. A imagem de uma pessoa é o conjunto de atributos que foram cultivados e reconhecidos socialmente. Nesse contexto, podemos traduzir a imagem como a personalidade moral de seu titular, sua representação social – imagem-moral.
O cerne da discussão recai sobre a proteção da imagem da pessoa falecida, a qual defendo continuar a existir mesmo após o advento da morte de seu titular. Proponho separarmos o direito à imagem, que pertence aos herdeiros, da proteção da imagem post mortem.
Aos herdeiros cabe a autorização para o uso da imagem de sua falecida mãe. A partir dessa afirmação, precisamos conjugar a proteção da imagem com o direito de uso dessa imagem – neste caso em concreto, a imagem que foi construída socialmente pela Elis Regina, com as novas condutas geradas pela IA no post mortem.
Em conclusão, a nova conduta gerada pela tecnologia não deve se distanciar daquela imagem que foi criada e cultivada pela pessoa em vida. Entendemos que o direito à imagem pertencente aos herdeiros poderá prevalecer quando servir à proteção e à perpetuação daquela imagem que foi construída socialmente pela pessoa. No caso específico da peça publicitária em questão, a imagem construída pela cantora falecida condiz com a criação conduzida pela tecnologia e, portanto, não fere a sua proteção.
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