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Os filhos como parte ativa na exigência de prestação de contas na pensão alimentícia: garantindo transparência, proteção de recursos e a restituição de créditos
Fabiano Rabaneda dos Santos é advogado especialista em Direito de Família e Sucessões.
O procedimento de exigir contas é uma medida prevista no Código de Processo Civil para garantir a transparência e o controle de determinadas relações jurídicas, principalmente aquelas que envolvem administração ou gestão de bens administrados por outrem.
Antes da vigência do CPC de 2015, já existia a possibilidade de exigir contas no ordenamento jurídico brasileiro, mas o procedimento era mais complexo e variava conforme as diferentes áreas do direito. Com a entrada em vigor do novo CPC, buscou-se uniformizar e simplificar o procedimento, tornando-o mais acessível e eficiente.
O procedimento de exigir contas está regulamentado nos artigos 550 a 553 do CPC e tem por objetivo possibilitar que qualquer pessoa que tenha interesse legítimo na verificação e fiscalização das contas de outra pessoa, seja ela física ou jurídica, possa iniciar uma ação judicial para requerer a apresentação das receitas, a aplicação das despesas e os investimentos que foram realizados.
Conforme previsto, para iniciar o procedimento, o interessado deve apresentar uma petição inicial fundamentada, indicando as razões pelas quais considera necessária a prestação de contas. Essa petição deve conter informações detalhadas sobre a relação jurídica que envolve as contas e os pontos controversos ou dúvidas que se busca esclarecer.
A ação de exigir contas é um procedimento especial, de método bifásico composto por duas sentenças. A primeira sentença trata da legitimidade para exigir as contas, enquanto a segunda aborda o mérito da ação, ou seja, se as contas foram prestadas ou não, se foram consideradas adequadas ou não.
Uma vez apresentada a petição inicial, o juiz irá analisar sua admissibilidade e, caso considerada válida, determinará a citação do requerido (a pessoa ou entidade responsável pelas contas) para apresentar sua resposta. O requerido terá a oportunidade de contestar os pontos levantados na petição e apresentar suas próprias alegações de modo a desconstituir a legitimidade de quem as exige.
Nesta primeira fase do procedimento, após a apresentação da resposta pelo requerido, o juiz pode designar uma audiência de instrução se necessário e após esta etapa, o juiz emitirá uma decisão que determinará a prestação de contas pelo requerido ou rejeição do pedido.
Se o requerido for condenado a prestar contas, será estabelecido o prazo quinzenal para que ele apresente os documentos e informações necessárias, incluindo aí especificação pormenorizada das despesas realizadas. Uma vez que essas contas forem apresentadas, o juiz irá analisar a sua regularidade. Caso haja impugnação específica em relação a algum lançamento, o juiz poderá determinar a realização de perícia contábil para esclarecer a questão em disputa.
Uma vez que todas as questões controvertidas tenham sido devidamente analisadas e esclarecidas durante a segunda fase do procedimento de exigir contas, o juiz emitirá uma decisão final aprovando as contas, considerando-as adequadas e em conformidade com as obrigações do requerido, ou, por outro lado, o juiz pode reprovar parcial ou totalmente as contas, considerando que houve irregularidades, má administração ou outras questões que comprometam a sua validade. Se as contas não foram prestadas, não lhe será possível impugnar as contas que o autor apresentar.
Cumpridas tais formalidades, o juiz irá apurar o saldo, ou seja, verificar se há valores devidos pelo requerido ou a serem restituídos a quem de direito, com base nas contas apresentadas e na análise realizada. Essa apuração do saldo é relevante para determinar as obrigações financeiras resultantes da prestação de contas, podendo ser executada, se necessário, para garantir o cumprimento das obrigações decorrentes das contas prestadas.
Feitas tais observações acerca do procedimento da Exigir Contas, tomemos agora a seguinte premissa: com base nas disposições legais estabelecidas no artigo 1.703 do Código Civil e na Lei nº 5.478/68, que tratam do dever de prestar alimentos aos filhos, é usual pelo judiciário estabelecer os alimentos na forma de pagamento em dinheiro, conhecidos como alimentos in pecúnia. Esses valores são entregues pelo alimentante ao outro genitor para que sejam administrados de acordo com as necessidades apresentadas pelos alimentados.
Como é feito um pagamento em dinheiro para um dos responsáveis administrar a gestão desses recursos, sob os elementos subjetivos que envolvem o criar e educar, a questão do cabimento do procedimento de exigir contas para fiscalizar a aplicação desses recursos destinados aos alimentos é amplamente debatida no meio jurídico.
A matéria é tão controversa que em 2020, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de ação de prestação de contas com base no parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil. Essa decisão permitiu que o genitor detentor da guarda unilateral fosse fiscalizado quanto aos recursos da pensão alimentícia, conferindo interesse processual àquele que presta alimentos ao filho (primeira fase da exigir contas). O objetivo dessa ação foi verificar se os recursos estavam sendo utilizados adequadamente para promover o desenvolvimento saudável do beneficiário.
De forma diametralmente oposta, um ano depois, em 2021, o STJ decidiu que, nos casos envolvendo alimentos aos filhos, a prestação de contas em pensão seria medida excepcional que não deveria ser incentivada. Embora a fundamentação estivesse fincada no mesmo parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil, neste caso, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou que a prestação de contas é ação voltada aos balanços contábeis, não sendo o caso de quem recebe pensão alimentar, pois não há bens passíveis de restituição, sob pena de se patrimonializar excessivamente as relações familiares, sensíveis por natureza, especialmente em virtude da irrepetibilidade da verba alimentar e consequentemente, inexistência de crédito na forma mercantil, com a especificação das receitas e despesas.
No mesmo ano, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou balizas para a interpretação do parágrafo 5º do artigo 1.583 do Código Civil, onde em decisão, unânime, permitiu que um pai fiscalizasse o uso, pela mãe, da pensão paga em favor de seus filhos gêmeos, ante indícios de mau uso da verba alimentar, definindo que a prestação de contas devia seguir o rito ordinário, com ampla produção de provas, em vez do rito especial previsto no artigo 550 do Código de Processo Civil, mais simples e que prevê apresentação de contas ou contestação em apenas 15 dias.
Em todos os casos, o propósito da ação de exigir tem por objetivo conhecer como os recursos destinados aos alimentos estão sendo empregados e não buscar eventuais créditos ou saldos devedores em benefício próprio. Portanto, o foco estaria na fiscalização do uso correto dos recursos e na garantia de que estão sendo direcionados para suprir as necessidades alimentares do beneficiário.
Ocorre que nestas situações, sob o prisma da irrepetibilidade dos alimentos, a criança ou o adolescente suportará sozinha o prejuízo da má administração de seus recursos por parte daquele genitor desidioso com suas responsabilidades, o que representa infração grave ao artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente e à Teoria da Absorção do Dano prevista pela Doutrina da Proteção Integral, que busca estabelecer a responsabilidade coletiva da sociedade na proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Considerando que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos, e que sua proteção vai além das esferas familiares ou individuais, é responsabilidade da sociedade garantir o respeito e a garantia desses direitos. Além disso, é crucial agir de forma preventiva para evitar situações de risco ou violência que possam prejudicar o desenvolvimento saudável e pleno desses indivíduos.
Nesse contexto, é completamente desproporcional que um genitor negligente na administração dos recursos alimentares, sobretudo quando os utiliza para fins próprios, fique isento de responsabilidade por compensar os danos causados ao filho, especialmente considerando a ideia de irrepetibilidade de algo que o beneficiado nunca teve a oportunidade de usufruir.
Uma estratégia eficaz para superar a repetibilidade é envolver a criança ou adolescente como parte demandante, uma vez que é legítima sua incluídos nessa posição, justamente pelo ao fato da sua verba alimentar ser administrada apenas por um dos genitores.
A criança ou adolescente, devido à sua incapacidade civil, pode ser representado ou assistido pelo genitor alimentante, que independentemente do modelo de guarda vigente, possui o dever legal, conforme estabelecido no inciso VII do artigo 1.634 do Código Civil, de garantir os interesses dos filhos.
Nessa situação, o procedimento de exigir contas não será iniciado pelo alimentante, mas sim pelo filho beneficiário dos alimentos contra o genitor responsável pela administração dos recursos. Ao final do procedimento, caso o procedimento seja julgado procedente, o filho alimentado poderá ser ressarcido pelos valores que lhe foram indevidamente subtraídos.
Faz-se necessário abrir um parêntese, embasado no REsp 1218899/PR, considerando a natureza informal das relações familiares e as particularidades singulares do convívio familiar, assim como ocorre atualmente nos processos de inventário, as contas apresentadas de forma não comercial devem ser consideradas como contas prestadas, evitando assim uma abordagem punitiva para aquele que, além de ter o dever de criar e educar, também precisa administrar os recursos alimentares destinados aos filhos. Dessa forma, é possível fazer uso adequado desse instituto sem promover uma busca por culpados, garantindo o ressarcimento dos alimentados em caso de notório desvio de finalidade de seus recursos.
A exigência de prestação de contas na pensão alimentícia pelos filhos possibilitará uma gestão mais adequada dos valores destinados aos seus alimentos, prevenindo intenções maliciosas de desvio e adquirindo um caráter educativo para o administrador, incentivando-o a conduzir os assuntos financeiros dos filhos de forma correta.
Em conclusão, ao posicionarmos os filhos como legítimos interessados na prestação de contas, embora o tema seja objeto de debates e divergências no meio jurídico, mas sob a premissa de garantir a transparência e a correta utilização dos recursos alimentares e com objetivo de evitar a patrimonialização excessiva das relações familiares, se demonstra uma estratégia eficaz para oportunizar a promoção uma gestão adequada dos valores destinados aos alimentos, prevenindo desvios e educando os responsáveis pela administração financeira dos filhos, sem comprometer o convívio familiar e a harmonia entre os genitores.
Bibliografia.
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CONJUR. STJ delimita cabimento de prestação de contas em pensão alimentícia. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-02/stj-delimita-cabimento-prestacao-contas-pensao. Acesso em: 29 de junho de 2023.
IBDFAM. STJ: Prestação de contas em pensão é medida excepcional que não deve ser incentivada. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/9223/STJ%3A+Prestação+de+contas+em+pensão+é+medida+excepcional+que+não+deve+ser+incentivada. Acesso em: 29 de junho de 2023.
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