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O exercício do direito de visitação em tempos de pandemia e o direito da criança à convivência familiar
Eduarda Rodrigues Messias
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Pós Graduanda em Direito das Famílias e Sucessões pelo IBDFAM.
RESUMO
Guarda é o meio de exercício do poder familiar e pode ser estabelecida de forma unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.583 do Código Civil. Mencionado instituto diz respeito à tomada de decisões substanciais sobre a vida do filho. Diante disso, o presente estudo objetiva abordar a convivência como o tempo que o filho tem assegurado para passar com o genitor que não reside com ele, e como este viabiliza o exercício do dever de cuidado, razão pela qual se firmam as hipóteses legais do direito de visitação. No entanto, pretende-se considerar que, diante dos acontecimentos decorrentes da pandemia, uma das medidas mais eficazes para reduzir a disseminação do vírus foi o isolamento social, e a par disso, os tipos de guarda, tanto a unilateral quanto a compartilhada, sofreram impactos na sua estrutura. Logo, o presente estudo objetiva esclarecer quais fatores influenciaram a eventual adequação do direito de convivência familiar durante a pandemia.
Palavras Chave: Guarda; Direito de Visitas; Pandemia.
ABSTRACT
Guard is the means of exercising family power and can be established unilaterally or shared under the terms of article 1583 of the Civil Code. The aforementioned institute concerns the making of substantial decisions about the child's life. In view of this, the present study aims to approach coexistence as the time that the child has ensured to spend with the parent who does not live with him, and how this makes the exercise of the duty of care possible, which is why the legal hypotheses of law are established. of visitation. However, it is intended to consider that in the face of the events resulting from the pandemic, one of the most effective measures to reduce the spread of the virus was social isolation, and in addition, the types of custody, both unilateral and shared, suffered impacts. in its structure. Therefore, the present study aims to clarify which factors influenced the eventual adequacy of the right to family coexistence during the pandemic.
Keywords: Guard; Right of Visits; Pandemic.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como finalidade abordar o direito de guarda e o exercício do direito de visitação em tempos de pandemia, amparados pela ótica do direito da criança à convivência familiar. O instituto do tema em questão foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro com a edição da Lei nº 11.698/2008, que diz a respeito à guarda compartilhada, e posteriormente, pela Lei nº 13.058/2014 - Lei de Igualdade Parental, a qual trouxe alterações à aplicação do compartilhamento.
Diante disso, ao se pensar no direito de guarda, está-se falando, igualmente, do contato dos filhos com seus pais. Nesse sentido, o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRF/88), estabelecem que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, à criança, ao adolescente e ao jovem, o direito à convivência familiar.
Sendo assim, a convivência familiar e comunitária é um direito reservado a toda e qualquer criança e adolescente, no sentido de ser criado e educado no seio de sua família original, e excepcionalmente se necessário, em família substituta, conforme prevê o artigo 19 do ECA. No entanto, diante dos acontecimentos decorrentes da pandemia, e considerando que uma das medidas mais eficazes para reduzir a disseminação do vírus foi o isolamento social, os tipos de guarda, tanto a unilateral quanto a compartilhada, sofreram impactos na sua estrutura, especialmente no tocante ao direito de visitação.
Diante desse cenário, o presente estudo busca averiguar como as restrições e medidas de segurança da pandemia influenciaram o direito de visitação da criança e dos pais e o direito à convivência familiar. O método utilizado no desenvolvimento, para responder as questões apresentadas, será o bibliográfico, por meio de consultas e pesquisas em livros, artigos publicados sobre o tema e literaturas relacionadas, subsidiados pela análise de leis e convenções relacionados ao tema, bem como sites que demostram informações relevantes.
Destaca-se que o trabalho de investigação bibliográfica permite ao pesquisador explorar determinado tema ou problema com maior ou menor profundidade dependendo do assunto abordado no trabalho. Assim, o pesquisador tem a possibilidade de desenvolver sua capacidade de coletar, organizar e analisar dados, interpretando de forma lógica e apresentando resultados satisfatórios ou não a respeito do tema (LAKATOS, 2008, p 160).
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Historicamente, no cenário brasileiro, por muitos anos, adotou-se a família patriarcal como um modelo a ser seguido e considerado. Nesse cenário, a ideia de família se submetia a uma estrutura pronta, concebida sob a ótica do casamento entre um homem e uma mulher. Uma das características marcantes deste modelo era não apenas a um casal heterossexual, mas também a sujeição de todos os membros da família por uma figura masculina predominante, chamado de pater famílias (bastante voltado também para a religiosidade). (GAGLIANO, 2020, p. 78).
Com os passar dos anos, mais especificamente durante o século XX, as relações e o conceito de família vieram sofrendo transformações e fazendo com que outras estruturas familiares surgissem, rompendo, consequentemente, com o modelo anteriormente conhecido. Sobre o tema, Rodrigo da Cunha Pereira (2004, p. 119) esclarece que a evolução da estrutura jurídica familiar se desencadeou a partir da evolução científica, dos movimentos sociais e o crescente fenômeno da globalização. Para ele essas profundas mudanças possuem suas raízes atreladas a alguns acontecimentos como: à Revolução Industrial, à redivisão do trabalho e à Revolução Francesa, tendo como ideais a liberdade, a igualdade e a fraternidade. (PEREIRA, 2004, p. 119).
Assim, o conceito de família se moldou, incluindo novos elementos, que são o elo e a vida comunitária, trazendo então a ideia de que família é o núcleo de pessoas que vivem em comunhão em razão do mutuo afeto. Para Maria Helena Diniz (2018, p. 45), em um sentido técnico, família seria “o grupo fechado de pessoas, composto de pais e filho, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto, numa mesma economia e sob a mesma direção”. (DINIZ, 2018, p. 45).
Diante disso, a família contemporânea caracteriza-se pela diversidade e, ainda segundo a autora, os métodos contraceptivos trouxeram a possibilidade de se organizar os nascimentos com autonomia, deixando de ser a procriação um dos motivos para a união entre um homem e uma mulher. Logo, os novos modelos fizeram com que diversos outros núcleos fossem criados, mesmo que não houvesse um casamento, respeitadas questões de gênero, não sendo mais necessário a tradicional presença de uma figura masculina e outra feminina.
Neste mesmo contexto, surge um termo que passa a ser o principal para a definição de uma família: o afeto. O afeto passou a ser um elemento essencial para a união entre pessoas, tornando-as cúmplices do amor e da felicidade, formando assim, entidades familiares diversas. Atualmente, têm-se famílias com filhos, sem filhos, homossexuais, produto de reprodução artificial, entre outras. “Os avanços da ciência e da tecnologia criaram novas expectativas sociais e novas possibilidades para o Direito de Família, que não tem alternativa, senão sensibilizar-se com essas novas formas de organização social”. (KUMAR, 2005, p. 55).
Logo, a partir da Carta Magna de 1988, a família recebeu novos contornos, vislumbrando princípios e direitos conquistados pela sociedade. Diante da nova perspectiva da família, o modelo de família tradicional passou a ser mais uma forma de constituir um núcleo familiar, que em conformidade com o artigo 266 passa a ser uma comunidade fundada na igualdade e no afeto:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuito a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
A Constituição Federal de 1988 propiciou uma profunda mutação na estrutura social e familiar, por isso foi denominada como “Constituição Cidadã”. Uma nova base jurídica foi lançada visando auferir o respeito aos princípios constitucionais, tais como a igualdade, liberdade, e acima de tudo o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana. (DINIZ, 2018, p. 67).
3 DOS PRINCIPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA
Em todas as áreas do direito existem princípios fundamentais norteadores, inclusive no direito de família ou direito familiar, como também pode ser chamado. Logo, para compreensão do tema proposto, é preciso entender que estes funcionam como mecanismos orientadores para a construção e aplicação das normas jurídicas existentes e futuras. Nesse cenário, no âmbito das discussões envolvendo a guarda e o direito de visita em tempos de pandemia, importa dar continuidade ao presente estudo analisando os princípios destacados adiante.
3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana se baseia nas necessidades vitais de cada indivíduo e está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, sendo um fundamento basilar da República. Conforme Werner Maihofer (2008, p. 45):
A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total auto disponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação (Selbstbestimmung des Menschen) que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que de uma predeterminação dada pela natureza. (MAIHOFER, 2008, p. 45)
Segundo Madaleno (2018, p. 123-124) o princípio da dignidade da pessoa humana, que se encontra de forma explicita na carta magna, é visto pelo autor como absoluto e está diretamente relacionado ao direito de família por tratar da comunhão plena de vida como um único propósito.
Por essa razão, a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada indivíduo com base em idéias pluralistas, solidaristas, democráticas e humanistas.
3.2 PRINCÍPIO DA CONVIVÊNCIA FAMILIAR
O princípio da convivência familiar preceitua que absolutamente todos os membros da família gozam do direito de viver com seus entes, gerando então uma relação de afetividade cotidiana. Aborda, igualmente, a questão da convivência dos filhos com seus pais, ainda que divorciados. Nesse sentido, a convivência representa um desdobramento da guarda e assegura adequada comunicação e supervisão da educação dos filhos por parte do genitor que não detém a guarda, razão pela qual consiste no direito de manter um contato pessoal com a criança.
Relevante desdobramento do direito fundamental à convivência familiar está inserido no art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o qual dispõe que não é admitido que os filhos sejam separados de seus pais por simples motivo de ordem econômica:
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar.
§ 1 o Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção.
§ 2º A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar ou contra filho, filha ou outro descendente. (BRASIL, 1990)
Como se vê, a família é a principal responsável pela transmissão de valores à criança, e essa carece de afeto de seus pais, principalmente no que se refere à aproximação emocional. Dessa maneira, é por intermédio da convivência com o núcleo familiar e das relações com a comunidade que a criança e o adolescente assimilam os valores basilares, hábitos e maneiras de superar as dificuldades e, principalmente, de desenvolver o seu caráter.
3.3 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE OU PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA
Com o objetivo de priorizar a criança e assegurar seus direitos em relação a família, entende-se como o melhor interesse da criança aquilo que a Justiça acredita ser o melhor para o menor, e não necessariamente o que os pais acham nesse sentido. Diante deste raciocínio, conforme será melhor esclarecido em capítulo específico para o tema ao longo do presente estudo, tem-se o advento da Lei 13.058/2014, que estabelece que a guarda compartilhada em casos de divórcio e dissolução de união estável torna-se a primeira opção para o judiciário.
Em de pais divorciados, é preciso destacar a não dissolução do vínculo familiar de ambos com a criança, tendo em conta que se está diante de um menor que ainda não possui capacidade necessária para gerir sua vida por conta própria, por este motivo é importante que seus genitores estejam sempre dando supervisão. Para Rodrigo da Cunha Pereira:
O entendimento sobre seu conteúdo pode sofrer variações culturais, sociais e axiológicas. É por esta razão que a definição de mérito só pode ser feita no caso concreto, ou seja, naquela situação real, com determinados contornos predefinidos, o que é o melhor para o menor. (…) Para a aplicação do princípio que atenda verdadeiramente ao interesse dos menores, é necessário em cada caso fazer uma distinção entre moral e ética. (PEREIRA, 2004, p. 129).
Assim, o princípio do melhor interesse ganha destaque também conforme dispõe o artigo 227 da Carta Magna e o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 4º:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.(BRASIL, 1998).
Em suma, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente prima de maneira absoluta para que seja assegurado a eles o direito “à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade e à convivência familiar e comunitária
3.4 DO AFETO COMO PRINCÍPIO E VALOR JURÍDICO
O princípio da afetividade atua no direito de família como norteador da entidade familiar, visto que está se rege pelo amor, carinho e afeto empenhado por seus componentes. Este princípio por sua vez não é previsto de forma clara no rol da Constituição Federal, fazendo-se assim necessária uma interpretação detalhada para se chegar ao entendimento desta.
Pois bem, Gonçalves (2003, p. 78) afirma que direitos a personalidade é tudo aquilo inerente a pessoa humana, ou seja, são prerrogativas individuais, sendo estas ainda inalienáveis e devidamente reconhecidas pela doutrina, merecendo dessa forma todo aparato legal. Nesse diapasão é possível concluir que o afeto é inerente a pessoa humana, sendo este, parte da humanidade e desta forma podendo se amparar no rol do artigo 11 do Código Civil de 2002.
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. (BRASIL, 2002)
De um ponto de vista técnico e constitucional, temos a redação dos artigos 227, citado anteriormente, e 229 da Constituição Federal de 1988:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988)
Diante destes artigos e através da visão de Tartuce (2020, online) é perceptível a atuação do princípio da afetividade em assegurar acesso de crianças, adolescentes, jovens e idosos a uma vida saudável, de forma a contribuir diretamente com a dignidade da pessoa humana, onde a família e o Estado teriam papel essencial na busca pela melhor para os menores interessados.
Neste preâmbulo conclui-se que para que a criança seja portadora de um desenvolvimento saudável há se ter como base o afeto empenhado pela família através da convivência e formação de laços, para assim ser possível alcançar a plena dignidade humana.
A importância da aplicação deste princípio se dá diante da necessidade de amparo àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, a fim de que lhes seja dada a devida proteção e lhes seja proporcionado um processo sadio de desenvolvimento e formação de personalidade.
Sobre o tema, tem-se, inclusive, recente decisão do próprio STJ, admitindo a reparação civil pelo abandono afetivo (STJ, REsp 1.159.242/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012). Em sua relatoria, a Min. Nancy Andrighi ressaltou que o dano moral estaria presente diante de uma obrigação inescapável dos pais em dar auxílio psicológico aos filhos, aplicando a ideia do cuidado como valor jurídico, expondo frase que passou a ser repetida nos meios sociais e jurídicos: “amar é faculdade, cuidar é dever”.
Diante disso, tem-se que a aplicação do princípio da afetividade passa não só por dispositivos normativos, mas também por decisões judiciais dos tribunais superiores, responsáveis por normalizar a jurisprudência.
Lôbo entende que a afetividade é um alicerce para o Direito de Família, atua sobre as relações socioafetivas e na comunhão da vida. Além disso, a afetividade carrega consigo os princípios constitucionais que versam sobre a dignidade humana. (LÔBO, 201, p. 88).
4 PODER FAMILIAR
De acordo com a Legislação Brasileira, por meio da Lei 8.069/90, em seu artigo 22, “Aos pais incube o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores de idade, cabendo-lhes ainda, no interesse desses, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (BRASIL.1990)
No Brasil, inicialmente, o poder familiar era regido pelo regime patriarcal, onde o pai detinha o direito total sobre os filhos menores, contudo, em 1988, a Constituição Federal, por meio do artigo 227, destituiu o poder patriarcal e instituiu o poder familiar, concedendo a ambos os pais, a responsabilidade de garantir o cuidado e a segurança dos seus filhos.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL.1988)
Em 1990, a Lei 8069/90 (ECA), que “dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”, determinou, nos termos do art. 4º, que além da família, caberá ao estado e à sociedade, o poder de assegurar os direitos da criança e do adolescente:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL.1990)
Desta forma, a criança e o adolescente estão sujeitos ao poder familiar, onde, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o pai e a mãe, igualmente, devem se responsabilizar e cuidar para o bem-estar físico, mental e psicológico da criança e do adolescente. Eles devem compartilhar os cuidados e assegurar a sua proteção, seus interesses, sua educação e sua saúde, alimentação, guarda e vigilância, entre outros. Sobre o poder conjunto dos pais, Maria Alice Diniz (2016, p. 565), diz:
Ambos têm, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens de filho menor não emancipado. Se por ventura, houver divergências entre eles, qualquer deles poderá recorrer ao juiz a solução necessária, resguardando o interesse da prole. (DINIZ, 2016, p. 565)
Ainda segundo a autora, o poder familiar, ou autoridade parental, pode ser considerado como irrevogável e é concernente aos pais naturais e aos pais adotivos. Ela relaciona o poder familiar a uma função/dever e imputa características a este poder: Irrenunciável, imprescritível, intransferível e, por fim, diz que “o poder familiar ainda preserva uma relação de autoridade, pois existe um vínculo de subordinação entre pais e filhos”. (DINIZ, 2016, p. 566)
A autoridade parental, constitui um verdadeiro ofício, uma situação de direito-dever: como fundamento da atribuição dos poderes existe o dever de exercê-los. O exercício da potestá não é livre, arbitrário, mas necessário no interesse de outrem... (PERLIN-GIERI, 2002, pg, 129)
Quanto aos cuidados dos pais com a pessoa do filho, o artigo 1645 do Código Civil, elenca várias obrigações, tais como:
Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação;
II – tê-los em sua companhia e guarda;
III – conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV – nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o outro
dos pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder
familiar;
V – representa-los, até aos 16 anos, nos atos da vida civil, e assisti-los,
após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o
consentimento;
VI – reclama-los de quem ilegalmente os detenha;
VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de
sua idade e condição. (BRASIL, 2003):
No entanto, mesmo que a Legislação Brasileira priorize os direitos da criança e do adolescente, definindo as obrigações da família, nem sempre estes direitos são respeitados. Esse é um cenário preocupante, uma vez que a violação de seus direitos, como são considerados vulneráveis, pode causar danos irreparáveis a eles, à família e à sociedade. Sendo assim, a intervenção do Estado dever ser promovida, no intuito de salvaguardar a manutenção destes direitos.
5 DO DIREITO DE VISITAS DOS PAIS E O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Em 2014, o Código Civil foi alterado, com o objetivo de privilegiar a opção pela guarda compartilhada dos filhos. Inverteu-se a lógica até então, que previa aguarda unilateral e direitos de visitas como principal escolha dos casais ou do juiz. Assim, os arts.1583 e 1584, passaram a estabelecer, como regra geral, que a guarda compartilhada é a que melhor atende aos interesses das crianças, devendo o juiz impor sempre que ambos os genitores se encontrem em condição de exerce-la, de modo a estabelecer um regime de convivência que dívida o tempo e as responsabilidade dos genitores da forma mais igualitária possível.
Art. 1583. A guarda será unilateral ou compartilhada5
§1º (...)
§ 2º - Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
§ 3º - Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
§5º - A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a tenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legitima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Art. 1584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (...)
§2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§3º Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. §4º A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
§6º Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores.
O direito civil prevê dois tipos de guarda, a compartilhada ou unilateral, a guarda compartilhada trata-se da divisão igualitária da responsabilidade dos filhos e na participação do desenvolvimento da vida do menor de forma equilibrada. O modo de escolha da guarda pode ser requerida por consenso pelos genitores, em ação apartada da separação, divórcio, de dissolução, de união estável, em medida cautelar, ou decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
Poderá os genitores visita-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro genitor ou que foi fixado pelo juiz, ainda tendo dever de fiscalizar a manutenção e educação. O direito de visitação estende-se aos avós, observando os interesses do menor.
Na guarda unilateral, por outro lado, apesar de ser assegurado o direito de visitação e convivência, tem-se que o poder de decisão sobre a vida dos filhos consiste sobre aquele que detém a guarda. Nesse caso a convivência pode ser igual à da guarda compartilhada, mas o mesmo não ocorre em face da tomada de decisões. Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 117) pontua que:
O filho fica com um dos pais, enquanto ao outro se concede o direito de visitas (Código Civil, art. 1589) e o dever de supervisionar os interesses do filho (Código Civil, art. 1583, § 3º) nesta espécie, o filho mora com o ascendente titular da guarda, que tem o dever de administrar-lhe a vida cotidiana, levando-o a escola, ao médico, e as atividades sociais, providenciando alimentação e vestuário. Ao outro, cabe conviver com o filho em períodos, de duração variada (algumas horas ou dias), previamente estabelecidos de comum acordo como titular da guarda. Nessas oportunidades, chamadas legalmente de visitas, o ascendente que não possui a guarda pega o filho em casa, leva-o a passeios e eventos familiares, tem-no em sua convivência, e o devolve no horário aprazado. (ULHOA, 2011, p.117)
Dessa forma, é direito do filho manter contato com o genitor com o qual não convive diariamente e é dever do genitor efetivar esse direito. Por outro lado, é importante ressaltar que as visitas não são definitivas e imutáveis, eis que podem ser restringidas e até mesmo suprimidas temporariamente, quando forem comprovadamente nocivas aos infantes. Consoante Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 36):
Deve o juiz, destarte, resguardar os filhos menores de todo abuso que possa ser praticado contra eles pelos pais, seja de natureza sexual, seja sob a forma de agressão, maus-tratos, sequestro e outros, afastando o ofensor diante de situações comprovadas ou de flagrantes indícios13. Assim, não obstante o direito de convivência seja um direito constitucional inerente a todo infante, é necessário analisar criteriosamente sua regulamentação e aplicação no caso concreto, de modo a garantir a ordem pública da supremacia do interesse da criança e adolescente. (GONÇALVES, 2014, p. 36).
No entanto, diante dos acontecimentos decorrentes da pandemia, uma das medidas mais eficazes para reduzir a disseminação do vírus foi o isolamento social. A par disso, os tipos de guarda, tanto a unilateral quanto a compartilhada, sofreram impactos na sua estrutura.
A guarda unilateral sofreu alterações no quesito de visitação, por não estar sendo realizada ou até mesmo pelo distanciamento dos genitores pela jornada de trabalho, buscando como soluções as vídeo chamadas ou ligações. Essa matéria será melhor discutida a seguir, na continuidade do presente estado.
5.1 O DIREITO DE VISITAS DOS PAIS E O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR EM TEMPOS DE PANDEMIA
Incialmente, importa abordar o Conselho Nacional dos Direitos da Criança (CONANDA), criado em 1991 pela Lei n° 8.842, que tem como principal escopo a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, bem como fiscalizar as ações executadas pelo poder público no que diz respeito ao atendimento da população infanto-juvenil.
No início da pandemia do COVID-19, o CONANDA publicou uma série de recomendações a respeito da proteção da criança e do adolescente. Entre elas a recomendação deque as crianças e adolescentes, filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral, passam a ter a convivência com o outro genitor através de meios telefônicos ou online. Logo, em vista dessa recomendação, muitos pais começaram a pedir na justiça a suspensão das visitas do outro genitor.
No entanto, diante de toda carga de princípios exposta até aqui, ão há dúvidas de que a suspensão da convivência parental imotivada, ainda que em tempos de pandemia, se configura prática de ato de alienação parental, não podendo assim ser chancelada pelo judiciário. A Lei n° 12.318/2010 dispõe sobre o conceito de alienação parental em seu artigo 2°, onde fala que alienação é a interferência na formação psicológica da criança promovida por um dos genitores, para que repudie o outro genitor ou que atrapalhe o vínculo com este.
A lei de alienação parental elenca algumas atitudes que a exemplificam, entre elas estão: dificultar o exercício da autoridade parental; dificultar o contato da criança e do adolescente com genitor; e dificultar o exercício do direito da convivência familiar. Maria Berenice Dias (2021, p. 383) pontua que:
Os filhos não podem se sentir objeto de vingança, em face dos ressentimentos dos genitores, nem sofrer as consequências desse desenlace. Lembra a psicologia que são os filhos quem mais sofrem no processo de separação. Consideram-se rejeitados e impotentes, nutrindo profundo sentimento de solidão, como se estivessem sozinhos no mundo. A participação de outras disciplinas de natureza psicossocial nas demandas envolvendo crianças e adolescentes acabou por despertar a atenção do Estado sobre a necessidade de sua interferência mais efetiva para garantir-lhes a especial proteção assegurada constitucionalmente. (DIAS, 2021, p. 383)
Como já dito anteriormente, essa disfunção pode acarretar muitos problemas para as crianças, de forma a comprometer o seu desenvolvimento, fazendo com que a criança fique constantemente irritada, triste, angustiada e no futuro poderá sofrer de depressão, ansiedade e outros transtornos psíquicos. E esses problemas também podem gerar prejuízo ao Estado, no sentido de que, quando essas crianças forem pessoas mais velhas, por terem passado o que passaram e acarretados problemas, elas ficarão mais propensas a tornarem-se viciadas em álcool ou drogas. Ou até mesmo se rebelarem de formas mais graves, colocando em risco a sociedade
5.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: DAS MEDIDAS ADOTADAS PELOS TRIBUNAIS
Inicialmente, importa destacar relevante julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), nos autos do processo sob o nº 1.0000.22.005850-7/001, de relatoria da desembargadora Ana Paula Caixeta. In verbis:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE FAMÍLIA - REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO PREJUÍZO NA CONVIVÊNCIA - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. - Tratando-se de guarda de menor, deve prevalecer o melhor interesse da criança, em conformidade com o que dispõe o artigo 227 da CR/88 e o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tendo sido demonstrado, sumariamente, que a genitora se encontra apto para o exercício da guarda provisória da filha, fica autorizada a instituição da guarda unilateral, até a finalização da instrução processual. O genitor que não possuir a guarda dos filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação (artigo 1.589 do CC/02). As atuais circunstâncias sanitárias, vivenciadas por toda sociedade, decorrentes da pandemia provocada pela COVID-19, não são suficientes, por si só, para impedir os pais de conviverem com os seus filhos. Inexistindo elementos que possam desabonar a conduta do genitor da infante, deve-se preservar a regular convivência entre eles, priorizando o melhor interesse da menor. (TJMG. gravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.005850-7/001, Relator(a): Des.(a) Ana Paula Caixeta , 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 30/06/2022, publicação da súmula em 01/07/2022)
Dos autos pode-se extrair o entendimento no sentido deque as circunstâncias sanitárias, vivenciadas por toda sociedade, decorrentes da pandemia provocada pela COVID-19, não são suficientes, por si só, para impedir os pais de conviverem com os seus filhos. Igual entendimento é novamente fixado pelo tribunal no processo a seguir:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE FAMÍLIA - REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS - GUARDA COMPARTILHADA - §2º, DO ARTIGO 1.584, DO CC/02 - MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO PREJUÍZO NA CONVIVÊNCIA - MANIFESTA BELIGERÂNCIA DO CASAL EM RELAÇÃO ÀS VISITAS - NECESSIDADE DE IMEDIATA REGULAMENTAÇÃO DO REGIME PROVISÓRIO DE CONVIVÊNCIA ENTRE OS MENORES E O SEU GENITOR. Tratando-se de guarda de menor, doutrina e jurisprudência são assentes no sentido de que deve prevalecer o melhor interesse da criança, em conformidade com o que dispõe o artigo 227 da CR/88 e o artigo 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Evidenciado, sumariamente, que ambos os genitores se encontram aptos para o exercício do poder familiar e, ainda, demonstraram interesse em proporcionar o adequado desenvolvimento da prole, resta autorizada a instituição da guarda compartilhada (§ 2º, do Artigo 1.584, do CC/02). Conforme entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, a guarda compartilhada somente deixará de ser aplicada quando um dos genitores declarar que não deseja exercer a guarda do menor ou quando houver inaptidão de algum dos ascendentes para o exercício do poder familiar. Não obstante a manifesta beligerância do casal em relação ao direito a visitas, inexistindo elementos que possam desabonar a conduta do genitor dos infantes, deve-se preservar o regime de guarda compartilhada e a regular convivência entre o genitor e os filhos, priorizando o melhor interesse dos menores. As atuais circunstâncias sanitárias, vivenciadas por toda sociedade, decorrentes da pandemia provocada pela COVID-19, não são suficientes, por si só, para impedir os pais de conviverem com os seus filhos. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.063298-8/001, Relator(a): Des.(a) Ana Paula Caixeta, 4ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 30/06/2022, publicação da súmula em 01/07/2022)
Situação diversa é observada no cenário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), uma vez que o mesmo fixou entendimentos estabelecendo o direito de visitação através de meios digitais, suspendo as visitas presenciais no período de pandemia. Em decisão recente, conforme de extrai da ementa a seguir, é possível observar desdobramentos desse cenário.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA C/C ALIMENTOS E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. Agravo de instrumento em face de decisão que deixou de apreciar pedido de tutela de urgência de regulamentação de visitas formulado pelo réu e determinou a vinda de avaliação psicológica complementar. O agravante alega que desde o início do processo em 2018 vem sendo impossibilitado de ter convivência regular e tranquila com sua filha e em 14/12/21 renovou pedido de regulamentação de visitas que não foi apreciado, que está desde o início da pandemia sem poder ter encontros presenciais com a filha. Em 28/05/21 foi determinado o contato por videochamadas, todos os dias da semana, considerando que a menor é acometida de bronquite e corre riscos maiores ao sair de casa. Os genitores já estão vacinados, já ocorreu o retorno às aulas presenciais e não há fatos que desabone a conduta do agravante. Primazia do interesse do menor. Inteligência do artigo 1.589, do Código Civil que assegura ao genitor que não tenha a guarda do filho o exercício da visitação. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO para conceder a tutela de urgência estabelecendo visitação presencial provisória do genitor nos finais de semana alternados, devendo o genitor buscar a menor aos sábados a partir das 09 horas e devolver aos domingos até as 19 horas.
(0095687-67.2021.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Des(a). SÔNIA DE FÁTIMA DIAS - Julgamento: 19/04/2022 - VIGÉSIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)
Em outros países, também, houve debates a respeito desse assunto. No Canadá, o Tribunal de Alberta, que é uma corte de apelação, emitiu algumas decisões que definem algumas diretrizes sobre a custódia infantil. O juiz afirma que durante essa época é necessário que os pais ajam razoavelmente e que busquem chegar a um acordo sobre as questões de acesso, e não tomar decisões unilaterais. Essa afirmação vai de acordo com o entendimento preponderante dos tribunais brasileiros.
6 CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, conclui-se que o Estado, assim como a sociedade, tem o dever de proteger as crianças e garantir os seus direitos e dos genitores a terem a convivência familiar, tendo em vista que esse é um dever que está citado na Constituição Federal, em seu art. 227, onde dispõe que é dever do Estado, da família e da sociedade garantirem às crianças, com absoluta prioridade, o direito a convivência familiar, entre outros direitos, e protegerem essas crianças de toda forma de negligência, violência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.
É justamente sob a ótica deste cenário de proteção que a criança e o adolescente estão sujeitos ao poder familiar, onde, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o pai e a mãe, igualmente, devem se responsabilizar e cuidar para o bem-estar físico, mental e psicológico da criança e do adolescente, compartilhando mutuamente os cuidados e assegurando a sua proteção.
Com o objetivo de priorizar a criança e assegurar seus direitos em relação à família, entende-se como o melhor interesse da criança aquilo que a Justiça acredita ser o melhor para o menor, e não necessariamente o que os pais acham nesse sentido.
Por essa razão, nas situações de guarda, o direito de visitação deverá ser amparado pelas cabíveis medidas legais. Isso porque é direito do filho manter contato com o genitor com o qual não convive diariamente e é dever do genitor efetivar esse direito.
Diante desse objetivo, foram utilizados os seguintes julgamentos como parâmetros: Processo sob o nº 1.0000.22.005850-7/001, de relatoria da desembargadora Ana Paula Caixeta;
Agravo de Instrumento nº 1.0000.22.063298-8/001 de relatoria de Ana Paula Caixeta; nº Agravo de Instrumento nº 0095687-67.2021.8.19. de relatoria de Sônia De Fátima Dias.
Das análises jurisprudenciais, a despeito de fixações voltadas para vídeo chamadas, pode-se extrair o entendimento no sentido deque as circunstâncias sanitárias, vivenciadas por toda sociedade, decorrentes da pandemia provocada pela COVID-19, não são suficientes, por si só, para impedir os pais de conviverem com os seus filhos, razão pela qual, de forma majoritária, defendeu-se a manutenção das visitas presenciais nos termos até então estabelecidos.
Dessa forma, fixou-se que é direito do filho manter contato com o genitor com o qual não convive diariamente e é dever do genitor que tem a guarda efetivar esse direito, sob pena deque a suspensão da convivência parental imotivada, ainda que em tempos de pandemia, se configure como prática de ato de alienação parental, onde se observa a interferência na formação psicológica da criança promovida por um dos genitores.
REFERÊNCIAS
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