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A superação do vencedor e do perdedor nas ações de divórcio
“Como termina um amor? – O quê? Termina? Em suma ninguém – exceto os outros – nunca sabe disso; uma espécie de inocência mascara o fim dessa coisa concebida, afirmada, vivida como se fosse eterna.” - Fragmentos de um discurso amoroso, Roland Barthes.
É a partir dessa perspectiva que o filme História de um casamento, do brilhante diretor Noah Baumbach, como tantos outros filmes, aborda a tragédia pessoal que consiste no fim de um vínculo amoroso, com todas as suas peculiaridades e consequências. Mas afinal, o que significa pôr fim a um vínculo, a uma relação amorosa? Quais são as implicações pessoais, sociais e judiciais desse findar amoroso?
Como na relação de Charlie (protagonizado por Adam Driver) e Nicole (vivida por Scarlett Johansson), as relações amorosas se constituem inicialmente pelos sentimentos mais comuns, como o amor, respeito, lealdade, apoio, aconchego, de modo que o laço formado pelas partes parece ser indestrutível.
Porém, com o passar dos anos, com a convivência diária e constatação nem a pessoa amada tampouco quem ama são desprovidos de defeitos, as relações inevitavelmente se desgastam, podendo minar vários sentimentos e valores num relacionamento.
No caso de Nicole e Charlie, como a personagem assim escreve, o sentimento “amor” sempre irá prevalecer dentro dela em relação a ele, mesmo que nada faça mais sentido.
Logo, o que inevitavelmente os personagens não previram quando contraíram o matrimônio é que um dia todo aquele relacionamento poderia desfazer-se. Afinal, ninguém se casa almejando separar-se.
No filme, nota-se uma quebra de expectativa ao final da história quando os dois personagens principais não ficam juntos, afinal, a grande parte dos telespectadores esperam que o amor sempre prevaleça.
Assim, quando a separação ocorre, como foi o caso de Nicole e Charlie, é como se os personagens envolvidos recebessem um atestado de fracasso. Além de todas as perdas explícitas com o fim de um casamento, há um fim da possibilidade de se dividir as experiências presentes e futuras com a pessoa, a pessoa em quem se projetou, por um período de tempo, um futuro.
Desse modo, não há nessa situação, um vencedor. Todos saem perdendo afeto, companheirismo, amizade, respeito.
Talvez por essas e tantas razões é que seja, ainda nos dias de hoje, tão difícil romper com os casamentos. E ainda nos dias de hoje, muitas pessoas pensam no filho em comum, no sofrimento em que esta criança poderá ter por conta do divórcio dos pais e todas as consequências dessa separação.
Porém, mesmo diante dessa difícil decisão, o que cada vez mais se percebe, pelos números, é que há menos gente desejando viver de forma infeliz nos casamentos. Viver infeliz é que se traduz em uma verdadeira tragédia.
Segundo dados do IBGE, um em cada três casamentos terminam em divórcio. Entre 2017 e 2018 o número de casamentos caiu 1,6% e divórcios aumentaram 3,2%. [1]
Na película exibida, determinados os dois ao desfazimento do matrimônio, Charlie e Nicole passam a viver uma nova fase de suas vidas, tentando se adaptarem e sobreviverem a ela. E motivada por terceiros, a personagem Nicole procura a advogada Nora (protagonizada pela brilhante e premiada atriz Laura Dern), iniciando todo o imbróglio jurídico.
Num processo judicial que deteriora qualquer relacionamento, com custos econômicos altíssimos, o divórcio se transforma numa espetacularização, por parte dos advogados, da vida vivida pelos personagens, que os trata como seres praticamente sem vontade. Ali, os advogados usam das mais maquiavélicas estratégias argumentativas para conseguirem o que desejam: saírem vencedores a qualquer preço.
Assim, é perceptível que os anos de negligência e de ressentimento entre os personagens atingem o processo judicial e também a relação – até então de aparente cordialidade e respeito – entre eles.
O filho Henry também se torna nesse litígio uma espécie de marcação de território, não cabendo entre os seus genitores qualquer tipo de transação no que se refere aos dias, horas e momentos com o filho.
Logicamente, o fato de o casal ter um filho torna o processo ainda mais complicado, pois de um lado tem-se a vontade de Nicole, de outro os anseios de Charlie e por fim os desejos de Henry, que coincidem com os de sua genitora, especialmente sobre o local de residência.
Isto é, vê-se que, caso Nicole e Charlie não tivessem tido filhos, a escolha seria única e individual de cada personagem, apenas tendo que partilhar os bens. Porém, o filho muda toda a situação entre o casal.
Voltando à atuação dos advogados, lamentável é o momento em que a personagem Nora, a advogada de Nicole, diz que conseguiu com que a guarda ficasse 55/45% para Nicole. Quando Nicole diz “mas eu não quis isso”, a advogada a responde “nós ganhamos”.
Agindo por essa perspectiva do “êxito na causa”, alguns advogados se utilizam dessa abordagem em sua atuação, agindo como opressores e incentivadores do litígio entre os seus clientes e seus ex-companheiros.
Sob uma perspectiva humanizada do divórcio à luz da Constituição Federal de 1988, o papel do advogado principalmente na área de família deve ser oposto à atuação de Nora: o advogado deve ser um conciliador entre as partes. Esse conciliador deve demonstrar ao seu cliente que o processo de divórcio não necessariamente se mostra como um fim de um sentimento, mas a transformação deste, e, para que tudo dê certo – principalmente quando há filhos envolvidos – o consenso será exigível nos mesmos moldes de quando as partes eram casadas.
Assim como o personagem Charlie teve que abdicar de sua vida em Nova York para viver próximo ao seu filho em Los Angeles, em todo e qualquer divórcio as partes devem ceder, ceder e ceder. Enquanto não houver transação, haverá briga, ressentimento e desavença.
Dessa forma, cada vez mais busca-se a chamada “humanização no divórcio”, devendo todos que atuam no Poder Judiciário dar tratamento às partes como seres humanos e não como simples aglomerados de papéis.
No divórcio humanizado, busca-se diminuir ao máximo o impacto da decisão em dissolver o casamento, tentando diminuir os conflitos e minimizar o estresse. Busca-se, ainda, que ele seja mais rápido, barato e eficaz, sem deixar mágoas e ressentimentos nos envolvidos.
Desse modo, é importante que os laços afetivos entre os ex-cônjuges permaneçam atados, como ocorre entre os personagens no final do filme.
Passadas tais considerações jurídicas, por mais doloroso que seja um processo de divórcio, seja em qual lado a parte esteja na relação ou caso esteja ali por ser advogado de uma das partes, importante lembrar que antes daquele clima hostil existiu afeto, cumplicidade, reciprocidade e principalmente consenso.
Afinal, como diria Rubem Braga em seu poema “Despedida”, “E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?”.
Luiza Mendonça Fernandes Oliveira[2]
[1] https://ibdfam.org.br/noticias/8040/Pesquisa+do+IBGE+aponta+que+brasileiros+t%C3%AAm+casado+menos+e+se+divorciado+mais+r%C3%A1pido#:~:text=Entre%202017%20e%202018%2C%20a,caiu%20para%2013%2C8%20anos.
[2] [2]Pós-graduada em Direito Civil contemporâneo pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Pós-graduanda em Direito dos Contratos pelo Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Pós-graduanda em Direito das Famílias pelo Instituto Brasileiro do Direito das Famílias (IBDFAM). Tutora da Pós-graduação em Direito dos Contratos pelo CEDIN. Associada ao Instituto Brasileiro do Direito das Famílias (IBDFAM). Associada à Associação Elas no Processo (ABEP). Destaque acadêmico e reconhecimento em 2021 na Pós-graduação em Direito Civil Contemporâneo pelo CEDIN. Sócia e fundadora do escritório Mendonça e Oliveira Sociedade de Advogados.
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