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O reconhecimento das causas excepcionais da adoção avoenga de acordo com o Superior Tribunal de Justiça
O reconhecimento das causas excepcionais da adoção avoenga de acordo com o Superior Tribunal de Justiça
THE RECOGNITION OF THE EXCEPTIONAL CAUSES OF AVOENGA ADOPTION ACCORDING TO THE SUPERIOR COURT OF JUSTICE
Talline Oliveira Santos[1]
Yalle Valquíria Lima Ramos do Nascimento[2]
Francisca Juliana Castello Branco Evaristo de Paiva [3]
RESUMO
O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta em seu diploma legal uma vedação quanto a adoção de descendentes por ascendentes, esta proibição está contida em seu art. 42, §1 e não deixa margem para outra interpretação, contudo, o Superior Tribunal de Justiça, entende que em algumas situações a vedação imposta pelo estatuto pode ser flexibilizada. Em virtude disso, o objeto de estudo consiste em analisar as causas excepcionais da adoção avoenga de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, em que se discute quais as situações aceitas para a caracterização da adoção de netos pelos avós, demonstrando a possibilidade, em garantia dos interesses do menor. Diante disso, para melhor compreensão acerca do tema, esta pesquisa foi desenvolvida através do método dedutivo de abordagem, por intermédio do procedimento bibliográfico, realizada com base em estudos feitos na legislação, doutrinas e jurisprudências.
Palavras-Chaves: Adoção por avós; Superior Tribunal de Justiça; Melhor interesse da Criança e do Adolescente.
ABSTRACT
The Statute of the Child and Adolescent presents in its legal diploma a prohibition regarding the adoption of descendants by ascendants, this prohibition is contained in its art. 42, §1 and leaves no room for other interpretation, however, the Superior Court of Justice believes that in some situations the prohibition imposed by the statute can be relaxed. Therefore, the object of the study consists in analyzing the exceptional causes of avoenga adoption according to the Superior Court of Justice, which discusses which situations are accepted for the characterization of grandchild adoption by grandparents, demonstrating the possibility, in guarantee of the interests of the child. Therefore, for a better understanding of the theme, this research was developed through the deductive method of approach, through the bibliographical procedure, based on studies of legislation, doctrine and jurisprudence.
Keywords: Adoption by grandparents; Superior Court of Justice; Best interest of the Child and Adolescent.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, estabeleceu diversas inovações no âmbito do Direito de Família, bem como a formação de novas entidades familiares, não somente pautadas no matrimônio, mas também baseadas no vínculo socioafetivo. O mandamento constitucional também dispôs que é dever da família, sociedade e do Estado assegurar os direitos básicos da Criança e do Adolescente, proibindo qualquer forma de discriminação relativo à filiação.
Posto isto, insere-se a adoção no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990, considerada um marco legislativo, a fim de proteger os direitos da criança e do adolescente. Nessa toada, a referida lei, compreende a adoção como um tipo de família substituta, diversa da família tida como natural, mas veda legalmente a adoção de descendentes por ascendentes, a fim de que não existam quaisquer conflitos familiares.
Apesar de haver muitas discussões acerca do tema, a proibição imposta pelo art. 42, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não é absoluta e pode ser flexibilizada, sendo possível a adoção de descendentes por ascendentes, notadamente por avós (adoção avoenga) em circunstâncias excepcionais autorizadas pelo Superior Tribunal de Justiça, o que nos leva a indagar quais as causas excepcionais são aceitas por esse órgão para caracterização da adoção avoenga. Diante desse questionamento, é fundamental o reconhecimento dessas situações para que através das decisões proferidas e do vínculo constituído entre avós e netos seja possível o deferimento da adoção.
Assim, o primeiro capítulo desta pesquisa versa sobre os aspectos conceituais do instituto da adoção, que surgiu no Brasil por meio do Código Civil de 1916 e tem como escopo a formação de um novo vínculo familiar, no qual o adotado é reconhecido como filho do adotante mediante procedimento legal e afetivo.
O segundo capítulo aborda os requisitos formais para o deferimento da adoção, elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Já o terceiro abrange os efeitos jurídicos gerados a partir do trânsito em julgado da sentença, podendo ser tanto de ordem pessoal como patrimonial, vez que causa o desligamento do adotando com sua família de origem.
Destaca-se no capítulo quarto, a importância do princípio da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos, da afetividade, vez que, este apoia-se no afeto como um valor jurídico, aferido por meio do cuidado e sendo perceptível pela convivência, bem como é fundamental a aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, visando proteger os interesses do menor e colocá-los acima de qualquer decisão.
Por fim, faz-se necessário explorar a vedação legal da adoção por ascendentes à margem da lei nº 8.069/1990, antes de dar enfoque ao último capítulo, em que se analisa as causas excepcionais da adoção avoenga de acordo com o Superior Tribunal de Justiça.
Com efeito, o estudo desenvolvido em tela é bibliográfico com abordagem dedutiva, realizado com base em fontes disponíveis, como doutrinas jurídicas brasileiras. Além disso, as técnicas de pesquisa utilizadas foram legislações e jurisprudências, corroborando para melhor compreensão da pesquisa, cujo tema concerne ao Direito de Família.
Portanto, esta pesquisa se faz imprescindível ao meio social, uma vez que busca expor a adoção avoenga como um meio de redução de constrangimentos e impactos causados pela ausência dos pais na vida de crianças e adolescentes, concedendo o reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva entre avós e netos, fazendo com que estes acreditem genuinamente que, quem lhes concede afeto desde o nascimento, poderão ser pai ou mãe, trazendo maior segurança jurídica e menos impactos na percepção do seu papel familiar, garantindo a regularização da sua maternidade e paternidade.
- O INSTITUTO DA ADOÇÃO
No Brasil, a adoção surgiu com o advento do Código Civil de 1916, apoiado pelos princípios romanos, que regulamentava a idade do adotando, bem como as diferenças de idade entre os sujeitos desta relação. Ainda, o código instituiu que somente poderiam adotar os casais que não possuíam filhos naturais, pois o objetivo principal do instituto era dar chance para aqueles que não dispunham de herdeiros, sendo flexibilizada anos depois, pela a lei de nº 3.133/1957, que permitiu a adoção aos indivíduos que tinham filhos biológicos.
Mas, afinal, o que é adoção? Conforme pesquisa sobre a temática, é possível defini-la como um instituto jurídico que possibilita, mediante procedimento legal, que um casal ou um indivíduo, aceite de forma espontânea uma criança ou adolescente como filho, recebendo-o em seu seio familiar, construindo, desta forma, um vínculo afetivo. Assim, segundo preceitua Diniz (2022, p.948):
“A adoção vem a ser o ato judicial pelo qual, observados os requisitos legais, se estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para uma família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”. (DINIZ, 2022, p. 948)
Para Pereira (2017, p. 475) “A Adoção é, pois, o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim”.
Neste contexto, o instituto da adoção consiste em uma forma “artificial” encontrada pelo ordenamento jurídico com o fim de equiparar uma filiação não natural a uma biológica, concedendo um ambiente familiar saudável a crianças e adolescentes em situação de abandono e necessidade ocasionada por vários aspectos, e permitindo aos pais: filhos ou novos filhos, quando não se pode biologicamente tê-los.
Outrossim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) assegura que, preferencialmente, a criança e/ou adolescente devem ser criados pela família biológica, ou seja, natural. Entretanto, o estatuto compreende a adoção como uma modalidade de família substituta, bem como a guarda e a tutela, vejamos: “Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.”
Frise-se, que a concessão da adoção segundo o art. 39, §1º, do ECA, é uma medida excepcional e irrevogável, vez que, ocasiona a destituição do poder familiar com os pais biológicos, instituindo um novo vínculo familiar com o adotante. Ainda, o mesmo dispositivo legal, dispõe que, a adoção atribui a condição de filho ao adotado, demonstrando seu caráter irrevogável.
Deste modo, a adoção somente será deferida pelo magistrado se apresentar reais benefícios ao adotado, sendo esse um dos pressupostos necessários e previstos no art. 1.625 do Código Civil e no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Portanto, é necessário que essas crianças tenham um lar afetivo, humano e harmônico, onde possam se desenvolver e receber todo o amparo necessário e indispensável para o seu crescimento.
2. REQUISITOS PARA ADOÇÃO NO BRASIL
Para dar seguimento ao procedimento da adoção, faz-se necessário seguir alguns requisitos formais apresentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/1990. Nesse sentido, Gonçalves (2021, p.138) elucida alguns requisitos principais exigidos pelo estatuto, vejamos:
Os principais requisitos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a adoção são: a) idade mínima de 18 anos para o adotante (ECA, art.42, caput); b) diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado (art. 42, § 3o); c) consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar; d) concordância deste, se contar mais de 12 anos (art. 28, § 2o); e) processo judicial (art. 47, caput); f) efetivo benefício para o adotando (art. 43) (GONCALVES, 2021, p.138).
Diante disso, no que tange à idade do adotante, o Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza em seu artigo 42, caput, que somente poderão adotar aqueles que tiverem idade mínima de 18 anos, independente do estado civil, podendo ser casado (a), solteiro (a) ou até mesmo vivendo em união estável.
Ainda, o parágrafo 3º do supramencionado artigo, esclarece que, o adotante deve ser 16 anos mais velho do que adotando, devendo ser respeitada essa diferença mínima de idade entre eles, pois é imprescindível que o pretendente (adotante) tenha maior experiência para exercer os deveres que lhe são atribuídos referente a criação da criança e/ou adolescente. Já no que concerne à adoção de maiores de 18 anos, será aplicado as normas do Código Civil, não existindo limitação quanto a idade do adotando.
De modo consequente, o art. 45 do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente é cristalino ao estabelecer que “a adoção dependerá do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando”. Para mais, o parágrafo 1º do mencionado artigo, dispõe que: o consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar. Além disso, caso o adotando seja maior de 12 anos de idade, também deverá consentir, vez que, é o maior interessado, logo, o consentimento deve ser extraído em audiência, conforme o artigo 28, §2º, do ECA.
Outro ponto fundamental que merece ser destacado, é a irrevogabilidade. Como já dito, no atual ordenamento jurídico brasileiro, a adoção tem caráter irrevogável, dado que, com a sentença judicial transitada em julgado, os efeitos gerados são constitutivos e será declarado extinto o poder familiar, nascendo um novo vínculo de filiação entre o adotante e o adotado. Frise-se que, o arrependimento dos pais naturais, os quais são exigido consentimento, poderá dar-se em até 10 (dez) dias até a prolação da sentença (publicação) de extinção do poder familiar.
Outrossim, para a adoção, também se faz precípuo obedecer a processo judicial, independentemente se o adotando é maior ou menor de idade. Assim sendo, a intervenção judicial a que se alude, encontra-se fundamentada no artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, modificado pela Lei nº 12.955/2014 (Lei da Adoção), que dar primazia a tramitação de processos judiciais em que a criança ou adolescente tenha deficiência ou doença crônica. Cabe mencionar que, o artigo 1.619 do Código Civil, dispõe tão somente sobre a adoção de maiores de 18 anos, vejamos:
Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência (BRASIL, 2002).
Insta mencionar, que é essencial o cumprimento de outro requisito atinente à adoção de menores, o denominado estágio de convivência, que é destinado para criação de laços afetivos entre o menor e os pretendes à adoção, auxiliando a convivência futura entre eles. De igual modo, o estágio de convivência pode ser dispensado conforme o artigo 46, §1º, do ECA, que prevê que “estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.”
A finalidade do estágio de convivência é “comprovar a compatibilidade entre as partes e a probabilidade de sucesso na adoção. Daí determinar a lei a sua dispensa, quando o adotando já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo”. (GONÇALVES, 2021, p.139)
O estágio de convivência, quando em território nacional, tem prazo de 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogável por igual período, observando a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades de cada caso, conforme o artigo 46 do ECA, mas se tratando de território internacional, será de, no mínimo, 45 (quarenta e cinco) dias, também prorrogável por igual período, a diferença é que se prorroga somente uma única vez, depois será apresentado laudo a equipe interdisciplinar, que poderá recomendar ou não o deferimento da adoção.
Em suma, a adoção só será deferida, em qualquer dos casos, se apresentar reais benefícios para o adotado e se as vantagens se fundarem em motivos legítimos, sempre atendendo o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, como dispõe a redação do art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. EFEITOS JURÍDICOS DA ADOÇÃO
A adoção gera efeitos pessoais e patrimoniais a partir do trânsito em julgado da sentença, tendo como efeitos pessoais a filiação legal e a transferência do pátrio poder, onde pode-se elencar: O desligamento do vínculo parental com a família de origem e consequentemente o estabelecimento de um novo vínculo familiar com a família do adotante, uma vez que o adotado passará a integrar a família daquele.
Dessa forma, a adoção gera um parentesco entre adotante e adotado, chamado de parentesco civil, mas tudo equiparado ao parentesco consanguíneo. Preceitua-se então, com efeito, o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente que traz a seguinte redação: “Atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.” (BRASIL, 1990).
Essa é a principal característica da adoção, nos termos em que se encontra estruturada no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois ela promove a integração por completa do adotado na família do adotante, uma vez que aquele será considerado filho, portando, terá os mesmos direitos e deveres dos consanguíneos, inclusive os direitos sucessórios, separando-o expressamente e irrevogavelmente da família consanguínea, salvo para o fim de impedir o casamento.
Conforme explicitado acima, a extinção do vínculo parental com a família consanguínea não veda ao adotado o direito em conhecer eventuais impedimentos matrimoniais ou sua origem biológica, e também não o veda de, eventualmente, propor ação de investigação de paternidade, caso esteja interessado.
Nessa esteira, enfatizamos ainda que a adoção é um ato jurídico irrevogável por se tratar de ação de estado, que visa principalmente a proteção integral e o melhor interesse da criança
e do adolescente. Essa medida se dá pelo mesmo motivo de que os pais biológicos não podem abrir mão da paternidade e simplesmente dizer que não querem mais ser pais.
Portanto, uma vez consignada a adoção, ela se torna irrevogável nos termos do art. 39, §1º do Estatuto da Criança e Adolescente:
Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
§ 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência (BRASIL, 1990).
Por fim, reafirma-se que, a adoção é irrevogável e os pais são aqueles que adotaram, e assim, não podem abrir mão da sua paternidade.
4. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADOÇÃO
4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se fundamentado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, que dispõe da seguinte redação:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).
Desse modo, a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental intrínseco a qualquer indivíduo, incluindo as crianças e adolescentes, posto que, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura em seus artigos 3º, 4º, 5º e 18, todos os direitos fundamentais atinentes a toda pessoa humana, principalmente a esses menores, pois reclamam de maior cuidado, carinho e proteção, assim como, a absoluta prioridade dos direitos concernentes às suas dignidades.
Desta forma, Lôbo (2022, p.121) descreve com excelência que: "A dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade."
À vista disso, a Lei Maior estabelece direitos e deveres a família, sociedade e ao Estado quanto à criança e ao adolescente, que se encontram previstos no art. 227, in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Propício mencionar que, este princípio inter-relaciona-se com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, usado como fundamento para adoção avoenga, já que este instituto visa conceder às crianças e adolescentes uma convivência familiar mais humana, assegurando o bem estar do menor acima de qualquer interesse, reconhecendo a igualdade entre filhos e possibilitando ao adotado o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
4.2 Princípio da igualdade entre filhos
Antigamente, era patente a diferença entre filhos concebidos dentro e fora do casamento, os quais eram considerados ilegítimos, por exemplo, os filhos espúrios, oriundos de relações designadas como adulterinas ou incestuosas. Contudo, considerando a ordem constitucional, estes e quaisquer outros codinomes foram anulados pelo princípio da igualdade, constante no art. 5º, I, da Lei Maior.
Desse modo, a igualdade entre filhos é um princípio constitucional do Direito de Família, expressamente previsto no art. 227, §6º, da Constituição Federal em que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Paralelamente, este princípio também tem fundamento legal no art. 1.596, do Código Civil, onde ambos os dispositivos detêm a mesma redação.
Como relata Carvalho (2017, p.165) “juridicamente todos os filhos são iguais, consanguíneos ou não, havidos do casamento ou não, não podendo ser utilizada mais as expressões de filho bastardo, adulterino, espúrio ou incestuoso, por não ser admitida qualquer forma de distinção jurídica".
Posto isto, as normas do ordenamento jurídico brasileiro garantem a absoluta igualdade entre filhos, não admitindo-se mais a antiquada distinção entre filiação legítima e ilegítima, pois, juridicamente, todos são filhos, mesmo que alguns sejam concebidos fora do casamento, outros em sua constância, uns biológicos, outros adotivos, mas todos com iguais direitos, inclusive no campo patrimonial e pessoal, no qual possuem todos os direitos iguais na sucessão dos seus genitores.
- Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tornou-se fundamental e norteador para toda e qualquer questão relativa à infância e juventude, pois na doutrina a situação irregular as crianças e adolescentes eram tratadas como mero objeto de direitos, ou seja, só eram titulares de direitos aquelas que viviam em vulnerabilidade, assim, com a doutrina da proteção integral, as crianças adquiriram status de sujeito de direito, independentemente da condição social.
A propósito, se as crianças e adolescentes são sujeitos em desenvolvimento, merecem proteção integral e especial, além disso, têm absoluta prioridade sobre os demais sujeitos de direitos. A ideia surgiu pela primeira vez na Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, que declarava em seu segundo princípio:
Princípio 2°- A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança (BRASIL, 1959).
Até então, juridicamente, as crianças e adolescentes não eram reconhecidas como detentoras de direitos. Com isso, a Constituição Federal de 1988, por meio de uma conquista social, os tornam sujeitos de direitos e de garantias fundamentais, expressando-os por meio dos seus arts. 227 e 229 o Princípio do Melhor Interesse da Criança e Adolescente, que dispõe da seguinte redação: “Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
A Convenção Internacional dos Direitos da Criança e Adolescente estabelece que todas as adições relativas aos menores devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. No entanto, ela determina que requer garantida uma ampla proteção ao menor, constituindo a conclusão de esforços, em escala mundial, fortalecendo sua situação jurídica, eliminando as diferenças entre filhos legítimos e ilegítimos, e atribuindo aos pais, conjuntamente, a tarefa de cuidar da educação e do desenvolvimento.
Desta forma, Lôbo (2022, p.185) descreve que "O princípio não é uma recomendação ética, mas norma determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado."
4.4 Princípio da afetividade
A afetividade é um princípio jurídico pertencente ao direito de família, que começou a ganhar importância no âmbito familiar com reconhecimento das variadas entidades familiares que foram surgindo ao longo da década do século XX, as quais passaram a ser reconhecidas juridicamente e protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
No tocante às crianças e adolescentes, o afeto não pode ser limitado somente ao sentimento de amor, mas deve, também, levar em conta o cuidado e a disposição que os pais devem ter para com os filhos. Dessa forma, este tem sido um elemento vital nas relações familiares, dado que, antigamente a família era composta por filhos naturais, provenientes do matrimônio, passando agora a ser constituída também por filhos adotivos, reconhecidos pelo vínculo socioafetivo, superando os fatores discriminatórios.
À vista disso, o princípio da afetividade está amplamente amparado pela Constituição Federal de 1988, onde encontram-se previstos alguns dos seus principais fundamentos, como o tratamento isonômico entre os filhos, independente da sua origem, havidos ou não da relação de casamento, colocando-os no mesmo patamar afetivo e social.
Neste contexto, o autor Lôbo (2022, p.167) leciona que:
“O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e não biológicos e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca, que não pode ser perturbada pelo prevalecimento de interesses patrimoniais. É o salto, à frente, da pessoa humana nas relações familiares”. (LÔBO, 2022, p.167)
Frise-se, ainda, que a Carta Magna entende em seu art. 227, §§ 5º e 6º que a adoção está em grau de igualdade no plano de direitos como escolha afetiva. Ressalta-se que a paternidade em latu sensu, deve ser impreterivelmente afetiva e não necessariamente biológica, dado que, o vínculo existente entre os membros desse núcleo existencial não é sanguíneo, mas sim afetivo.
Ademais, o princípio da afetividade tem sido bastante utilizado em decisões de processos que envolva a família, principalmente, no que se refere a adoção por descendentes, como a adoção de netos por avós, objeto desta pesquisa, onde o vínculo afetivo é determinante para sua configuração, sendo, portanto, indispensável a observância dos laços afetivos existentes entre eles visando sempre a dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente.
5. DA VEDAÇÃO LEGAL DA ADOÇÃO POR ASCENDENTES À MARGEM DA LEI nº 8.069/1990
Conforme mencionado anteriormente, a adoção consiste na inserção da criança ou adolescente em um novo núcleo familiar, transformando a criança ou adolescente em membro da família, o que torna mais abrangentes as proteções que serão conferidas ao adotado.
Na legislação brasileira, o Código Civil considera a adoção como causa da extinção do poder familiar, e os procedimentos de fiscalização necessários estão previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que a proteção às crianças e adolescentes deverá ser exercida, primeiramente, pela família, por todos que fazem parte dela, mesmo que não mantenha nenhuma ligação com os demais membros que a compõem.
Em caso de perda de um dos pais biológicos, as crianças e adolescentes devem ser protegidas e acolhidas pelo restante da família, independentemente do parentesco, a chamada família extensa, cujo conceito legal se encontra no parágrafo único do artigo 25 do ECA (acrescentado pela Lei n. 12.010/2009). Normalmente, quando ocorre esse tipo de situação, este acolhimento é concedido aos avós ou irmãos mais velhos, que são os familiares mais próximos, sendo parentes em 2º grau.
Por sua vez, o § 1º do art. 42 do ECA proíbe a adoção por ascendentes, na qual se refere aos avós ou aos irmãos, não discriminando limites quanto à capacidade de adotar, referindo-se, tão somente, a parentesco próximo. Em consequência, o legislador instituiu impedimento total à legitimidade para adotar, a fim de evitar modificações e possíveis confusões nas relações de parentesco.
Conforme argumentação citada, Bordallo (2022, p.801) menciona que:
Caso fosse permitida a adoção por estes parentes, haveria um verdadeiro tumulto nas relações familiares, em decorrência da alteração dos graus de parentesco. Em sendo a adoção realizada pelos avós, a criança passaria a ser filho destes, irmão de um de seus pais e de seus tios e tio de seus irmãos e primos. Sendo a adoção realizada por um irmão, passaria a ser filho deste neto de seus pais, bisneto de seus avós, sobrinho de outros irmãos, irmão de seus sobrinhos. Como se vê, haveria a alteração de todos os graus de parentesco, o que tumultuaria demasiadamente as relações familiares. (BORDALLO, 2022, p.801)
No entanto, torna-se discutível para quem não conhece a legislação, em face do disposto do § 1º do artigo 42 da lei 8.069/1990, que estabelece que “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.” De fato, a realidade de algumas pessoas mostra que, mesmo involuntariamente, os avós tornam-se responsáveis ??pelos netos desde cedo, estabelecendo uma relação de paternidade que é repetida pelos filhos que os chamam de pai ou mãe.
Insta ressaltar entendimento da doutrina acerca do tema, que resguarda:
“Esta proibição é uma forma de não se alterar as relações de afeto existentes no seio familiar. A situação artificial que seria trazida pela adoção realizada pelos avós ou irmãos tumultuaria a família, trazendo um desequilíbrio às suas sadias relações. Existindo afeto entre os membros da família, não será a permissão da adoção que fará com que este sentimento se torne mais forte”. (BORDALLO, 2022, p.802)
Alguns autores defendem a possibilidade da permissão da adoção por parte dos avós, a despeito da regra impeditiva do art. 42, § 1º, da Lei n. 8.069/90, tomando como base a regra do art. 6º do mesmo diploma legal.
Em posição contrária ao texto legal, a Desembargadora Relatora Denise Volpato, cita em seu voto no processo nº 0311531-14.2017.8.24.0020, Apelação Cível que tramitava na Comarca de Criciúma/SC, julgado em 23/10/2018, a doutrinadora Adriana Kruchin Hirschfeld, a qual afirma que:
O legislador preocupou-se com o aspecto puramente patrimonial, desconsiderando o lado afetivo do problema, o que faz com que se tenha uma solução jurídica, não social. Afirma a autora que entre a regra do art. 6º do ECA e a do art. 42 do mesmo diploma legal haveria uma antinomia jurídica, devendo, por aplicação da norma do art. 6º – que determina que sejam atendidos aos fins sociais a que a lei se destina, pela supremacia do superior interesse –, ser permitida a adoção pelos avós. (2018, VOLPATO, apud HIRSCHFELD, 2005, p. 169)
Vale ressaltar que antes disso, a adoção era uma forma de dar uma criança para aqueles que não podiam ter, por meio do ECA, esse objetivo ainda existe, porém, sua finalidade é que não tenha filiação estabelecida, pois o estatuto proíbe estritamente que adoção seja dada a alguém que tenha laços consanguíneos com o adotado.
Acolhida a interpretação do Estatuto, existiam várias decisões que proibiam os progenitores de adotar netos. Todavia, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é um dos tribunais que já pactuaram nessa questão. Nesse viés, segue entendimento jurisprudencial do Estado retromencionado:
ADOÇÃO. PEDIDO FORMULADO PELA AVÓ MATERNA E SEU ATUAL ESPOSO. 1. Não é juridicamente possível a avó promover a adoção do neto, mesmo que o neto seja maior de idade. 2. Da mesma forma, o marido da avó também está impedido de adotar o neto de sua esposa, pois, embora não haja vínculo de consanguinidade, existe o vínculo de parentesco por afinidade, de segundo grau, em linha reta. Inteligência do art. 42, § 1º, do ECA. Recurso desprovido. (TJ-RS - AC: 70083199828 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 20/05/2020, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 03/09/2020)
Por fim, a regra de impedimento é inerente aos ascendentes e irmãos, não se ampliando a outros componentes da família. Assim, embora não seja recomendada a adoção por nenhum membro do mesmo núcleo familiar, não há impedimento legal com relação a outros membros do núcleo familiar, já que foi explicado os motivos relacionados aos descendentes e irmãos. Portanto, crianças e adolescentes podem ser adotados por tios e primos.
6. CAUSAS EXCEPCIONAIS PARA ADOÇÃO AVOENGA DE ACORDO COM O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A adoção avoenga é tratada com sensibilidade e detalhamento no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no direito de família, pois está diretamente relacionada aos direitos da criança e do adolescente e à estrutura da família atual. A corrente majoritária acompanha a vedação contida no Estatuto da Criança e do Adolescente, entendendo, sem debates aprofundados, que a lei é clara ao proibir que os ascendentes adotem descendente, isso ocorre para evitar confusões psicológicas e patrimoniais.
Neste viés, quando se trata de causas excepcionais na adoção avoenga, a vedação imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, sobre adoção entre ascendentes e descendentes, não é absoluta, e pode se tornar menos rígida por razões humanitárias e sociais existentes.
Em outra esfera, uma corrente inovadora reconhece a possibilidade de superação dos impedimentos contidos na lei, a partir de uma interpretação dos princípios da dignidade humana, melhor interesse da criança e do adolescente, da afetividade e da proteção integral, com isso, torna-se possível superar a proibição legal contida no art. 42, parágrafo primeiro, do ECA, a fim de permitir, em casos excepcionais, a adoção de descendentes por ascendentes.
Seguindo a esteira das decisões contrárias, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 76.712/GO, aplicou a “inarredável” vedação contida no art. 42, § 1º, do ECA. (STJ, 1996). Senão, vejamos:
ADOÇÃO. ASCENDENTE. PROIBIÇÃO. INARREDÁVEL À NORMA COGENTE DO ART. 42, PAR.1., DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, QUE PROÍBE A ADOÇÃO POR ASCENDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(STJ - REsp: 76712 GO 1995/0052580-1, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 16/12/1996, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17.03.1997 p. 7498 RSTJ vol. 93 p. 240)
Por conseguinte, também é possível colher posicionamento neste sentido no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, através da Apelação Cível n. 2014.000995-3, no qual se consignou que, apesar da negativa adoção, os laços afetivos e consanguíneos entre os bisavôs e o bisneto permaneceram intactos, e que a adoção não seria responsável pelo fortalecimento do amor e do vínculo familiar. Nesse viés:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR CUMULADA COM PEDIDO DE ADOÇÃO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, COM FULCRO NOS ARTIGOS 295, PARÁGRAFO ÚNICO, E 267, I E VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DEMANDA PROPOSTA PELA BISAVÓ DA INFANTE E SEU CÔNJUGE. VEDAÇÃO LEGAL À ADOÇÃO POR ASCENDENTE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 42, § 1º, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC - AC: 20140009953 Ituporanga 2014.000995-3, Relator: Mariano do Nascimento, Data de Julgamento: 19/03/2015, Quarta Câmara de Direito Civil)
Nesta mesma toada de decisões favoráveis à adoção de descendentes por ascendentes, o precedente de maior expressão vem do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. º 1.448.969/SC. Trata-se do caso sobre pais que adotaram criança de oito anos de idade, que já estava grávida em razão de abuso sexual sofrido. A criança contava com nove anos de idade quando se tornou mãe, os pais passaram a exercer a paternidade socioafetiva do bebê, que era seu neto. In verbis:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ADOÇÃO C/C DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOVIDA PELOS ASCENDENTES QUE JÁ EXERCIAM A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. SENTENÇA E ACÓRDÃO ESTADUAL PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MÃE BIOLÓGICA ADOTADA AOS OITO ANOS DE IDADE GRÁVIDA DO ADOTANDO. ALEGAÇÃO DE NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SUPOSTA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 39, § 1º, 41, 42, §§ 1º E 43, TODOS DA LEI N.º 8.069/90, BEM COMO DO ART. 267, VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. DISCUSSÃO CENTRADA NA VEDAÇÃO CONSTANTE DO ART. 42, § 1º, DO ECA. COMANDO QUE NÃO MERECE APLICAÇÃO POR DESCUIDAR DA REALIDADE FÁTICA DOS AUTOS. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA GARANTIA DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. ART. 6º DO ECA. INCIDÊNCIA. INTERPRETAÇÃO DA NORMA FEITA PELO JUIZ NO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE. ADOÇÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (STJ - REsp: 1448969 SC 2014/0086446-1, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/10/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/11/2014)
Os avós haviam adotado a mãe biológica do seu neto quando a mesma tinha oito anos de idade, que em razão de abuso sexual, já se encontrava grávida do adotado. A propósito, os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento, já existindo filiação socioafetiva entre eles.
O adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e sua mãe biológica como irmã, pois o vínculo deles corrobora dessa forma. Tanto o adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção, portanto, não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando.
Nesse ínterim, aborda-se, ainda, uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Recurso Especial nº 1.635.649 – SP, no qual o pedido de adoção era deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento por impossibilidade psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual, constituindo-se uma família socioafetiva, construída ao longo de quase duas décadas, com o adotante vivendo plenamente esses papéis intrafamiliares.
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO POR AVÓS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. PADRÃO HERMENÊUTICO DO ECA. 01 - Pedido de adoção deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento, por impossibilidade psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual. 02 - O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação específica que é analisada (...). 06. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 1635649 SP 2016/0273312-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 27/02/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/03/2018)
Dessa forma, ao analisar os casos mencionados, o STJ afirma que a proibição prevista no art. 42 do ECA, visa impedir que o processo de adoção seja utilizado exclusivamente para fins sucessórios ou assistenciais, além de proteger o adotado da confusão mental causada pelos avós que se tornaram pais. Mas, ressaltou que há exceções à norma, ao analisar os objetivos sociais que a lei trata, as exigências do bem comum, os direitos e obrigações individuais e coletivas, e a situação particular da criança e do adolescente como pessoas em processo de desenvolvimento.
Por fim, mesmo demonstrado que, apesar da vedação expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Poder Judiciário, através do Superior Tribunal de Justiça, tem flexibilizado essa regra, analisando de forma a adequar o ordenamento jurídico positivado e a atual realidade social, privilegiando as relações socioafetivas por razões humanitárias e sociais, objetivando regularizar situações de fato consolidadas e atendendo o princípio constitucional do melhor interesse do menor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990 veda expressamente no rol do seu artigo 42, §1º, a adoção por ascendentes (referindo-se aos avós), justificando que há um vínculo familiar já preexistente, que por sua vez, alteraria de modo absurdo a base familiar já estabelecida.
No entanto, quando o ordenamento jurídico admite plenamente que pessoas estranhas, sem qualquer parentesco com o menor, tornem-se pai ou mãe deste, ele impede que o infante seja cuidado por parentes consanguíneos e tenha uma relação de pai e filho com pessoas que já fazem esse papel constantemente, na pessoa dos avós.
Assim, ao analisarmos os julgados anteriormente apresentados, percebemos que alguns casos que envolvem a adoção de netos por avós, os adotados já possuem vínculo afetivo com os adotantes, e isso contribui para um procedimento positivo, tendo em vista que muitos juízes baseiam suas decisões na afetividade, uma vez que esse vínculo favorece, portanto, no deferimento da adoção, concedendo, excepcionalmente, o título de pais adotivos aos avós.
Contudo, diante do problema existente com a possibilidade de adoção de netos pelos avós, é compreensível que o Superior Tribunal de Justiça apoie a ideia de que existe a possibilidade de adoção em situações excepcionais, haja vista que os direitos fundamentais concernentes a criança e ao adolescente devem ser respeitados e assegurados, como proteção total.
Dessa forma, é de suma importância o reconhecimento das causas excepcionais da adoção avoenga, a partir da decisão do Superior Tribunal de Justiça, tornando-se indispensável para o deferimento da adoção, quando reconhecido o vínculo socioafetivo existente e apresentando reais benefícios para o adotando, pautando-se no princípio no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade entre Filhos, do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente e da Afetividade.
REFERÊNCIAS
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[1]Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – (UNIFSA). Email: tallineoliveira77@gmail.com.
[2]Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – (UNIFSA). Email: yallevalquiria.direito@gmail.com.
[3]Professora Orientadora do Centro Universitário Santo Agostinho – (UNIFSA), Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – (PUCRS). Email: evaristojuliana40@gmail.com.
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