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Vazamento Seletivo de Informações Processuais Sigilosas: A Distorção da Justiça e a Nociva Espetacularização do Processo de Família
*Por Fabiano Rabaneda dos Santos, advogado portador da OAB/MT 12.945 e jornalista SRTE nº 01645/MT
No âmbito dos processos que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e os que envolvem crianças e adolescentes[i] é fundamental que as informações processuais sejam tratadas com sigilo, a fim de garantir a imparcialidade, a privacidade das partes envolvidas e a correta condução do processo.
Mesmo com tais determinações, no entanto, nos últimos anos, temos testemunhado uma preocupante prática: o vazamento seletivo de informações processuais sigilosas, distorcendo a justiça e promovendo a espetacularização dos processos de família, prejudicando com isso a credibilidade do sistema judiciário e afetando a vida das pessoas envolvidas, sobretudo, das crianças e adolescentes que ficam com sua imagem expostas, resultando em estigmatização, assédio e outras violações de direitos fundamentais.
Com a popularização das mídias sociais – do pulsar do viver e conviver –, as informações se propagam em velocidade avassaladora e a busca de determinada parte por aliados a sua causa, combinada com uma suposta ausência de limites no ambiente cibernético produz um ambiente propício para que a prática do vazamento seletivo de informações processuais sigilosas se torne cada dia mais comum.
De fato, que a sensação de impunidade e a falta de restrições adequadas contribuam para que esse ato prejudicial não apenas ocorra, mas também se propague, comprometendo a integridade dos processos e causando julgamentos públicos com base em informações parciais e distorcidas, que ocorre – na maior parte das vezes – com um tom dramático e apelativo para sentimentos que colecionam repulsa coletiva como o combate aos maus-tratos, abandono e aos abusos sexuais.
Trato a prática de vazamento seletivo quando certas informações processuais são divulgadas de forma selecionada: normalmente são aquelas que beneficiariam um apoio da opinião pública de modo favorável para quem as dissemina, e que são divulgadas de forma proposital para a imprensa ou postadas como desabafo nas redes sociais, sempre em detrimento do sigilo que deveria prevalecer nestes casos.
Com o propósito de distorção da imagem de uma das partes, quando essas informações sensíveis são divulgadas em trechos selecionados e adulterados, seu conteúdo é distorcido para que a pessoa exposta tenha sua reputação prejudicada perante a opinião pública e principalmente em seu meio social, criando um ambiente propício para o julgamento antecipado e a formação de opiniões coletivas distorcidas que venham a contribuir com a causa do divulgador.
Além disso, o vazamento seletivo compromete a imparcialidade do julgamento. Quando informações sigilosas são divulgadas seletivamente e passam a influenciar a opinião pública, torna-se desafiador para a parte afetada obter um julgamento verdadeiramente imparcial e equitativo. Embora os juízes devam agir com imparcialidade, é importante reconhecer que eles também são seres humanos suscetíveis a influências externas e a comoção social criada pelo vazamento seletivo e a comoção social que isso gera pode exercer pressão sobre os juízes da causa, afetando indiretamente suas decisões e prejudicando, assim, a justiça e a equidade do processo.
Para atingir o seu intento e conquistar aliados para sua causa, o agente promotor da espetacularização do processo de família – o divulgador – tem por objetivo levar a distorções da realidade processual, retratando os envolvidos como vilões ou e si como vítima, simplificando e deturpando ao máximo a complexidade das questões fáticas para atrair a atenção do seu público.
Este tipo de abordagem é bastante aceita atualmente já que é envelopada para ser absorvida rapidamente e leva a uma compreensão superficial dos problemas familiares contidos no caso, contribuindo para a perpetuação de estereótipos e preconceitos direcionados à satisfação do ego do divulgador através da simpatia do agente propagador ao conteúdo ético/moral violado.
Outro fator preponderante que impulsiona o empenho dos propagadores e sua capacidade em se aliar ao divulgador, quando não apenas por novos seguidores e aceitação em seu grupo social, no nível profissional, é através da remuneração gerada pelo engajamento gerado no compartilhamento da informação. Nas redes sociais, o alcance e a interação das postagens são essenciais para impulsionar a receita por meio de anúncios e assinaturas e, nesse contexto, a divulgação de informações exclusivas e impactantes atrai uma audiência maior, aumentando o compartilhamento e a interação dos usuários nas publicações, gerando receita monetizável a partir da manipulação da informação original.
A busca pelo sensacionalismo inerente ao vazamento de dados confidenciais, que deveriam estar protegidos pelo segredo de justiça, alimenta esse ciclo vicioso: os provedores de notícias que se envolvem nesse tipo de prática muitas vezes priorizam o aumento de tráfego e o engajamento da publicação em detrimento do segredo de justiça, contribuindo ainda para a distorção da percepção pública desses casos.
O sensacionalismo da mídia em busca de cliques encontra respaldo na falta de ética profissional de alguns indivíduos, tanto no campo do direito, na psicologia, quanto no jornalismo. Essa combinação que permite a exploração pública de casos complexos e que possuam um forte apelo emocional, resulta em atitudes irresponsáveis e desrespeitosas. Essas práticas visam principalmente objetivos egoístas e revelam uma disfunção psicológica singular, caracterizada pela busca de satisfação pessoal onde o indivíduo prioriza seus próprios interesses e necessidades em detrimento do outro: falta de empatia e desconsideração pelas consequências éticas e sociais de suas ações.
É considerado como crime contra a inviolabilidade dos segredos, aqueles que divulgam informações sigilosas ou reservadas e quem faz comete delito passível de reclusão, além de estarem sujeitos a outras medidas legais, como ações por danos morais e processos disciplinares em suas respectivas profissões.
Por sua vez, a parte que divulga as informações do processo em que está envolvida viola a boa-fé processual e estará sujeita a sanções, multas e até mesmo risco de prisão por descumprimento de ordem judicial. Como é necessário preservar a intimidade dos envolvidos, ressalto que tais medidas não obstam uma possível ação por danos morais movida pela parte afetada.
É importante lembrar que os processos de família envolvem questões profundamente pessoais e emocionais, que devem ser tratadas com respeito e sensibilidade. A espetacularização desses assuntos, por qualquer motivo que se possa justificar, é prejudicial e não contribui para uma solução justa e equilibrada do caso, atingindo a credibilidade das instituições e oferecendo risco para a democracia.
Se tomarmos como premissa o conteúdo do artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde “ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”, é fundamental buscarmos abordagens mais éticas e que priorizem o bem-estar das pessoas envolvidas e promovam a privacidade e a dignidade de todos os membros da família, especialmente as crianças e adolescentes que figuram nesses casos.
A exposição de informações processuais sigilosas tem implicações profundas para o sistema de justiça e para a sociedade como um todo, minando a confiança da população no sistema judiciário – que deve ser um pilar fundamental de uma democracia saudável – acreditando que o julgamento virtual possa sobrepor a discricionariedade de um juiz.
Sendo o vazamento seletivo de informações processuais sigilosas uma prática prejudicial que compromete a justiça e a equidade nos processos judiciais, precisamos combater essa problemática, adotando medidas efetivas visando fortalecer a legislação que protege o sigilo processual, estabelecendo sanções mais severas para os infratores.
Se espera que a imprensa e as empresas controladoras das redes sociais devam assumir uma maior responsabilidade ética na divulgação deste tipo de conteúdo, promovendo a checagem de fatos antes da divulgação e evitando a propagação de informações parciais e distorcidas que possam prejudicar as partes envolvidas nos processos de família.
Na ponta, com o objetivo de preservar a imparcialidade do julgamento, é necessário estabelecer protocolos específicos para lidar com casos de vazamento seletivo e promover treinamentos para juízes e profissionais do sistema judicial, a fim de conscientizá-los sobre a influência negativa desse tipo de vazamento e fornecer ferramentas para garantir uma análise justa e imparcial dos casos, de forma a manter as influências deletérias da opinião pública, que já esteja contaminada pela imparcialidade do desconhecimento dos fatos verdadeiros e que venham querer interferir no julgamento da causa através de manifestações coletivas e dos abaixo-assinados.
Além da capacitação e conscientização dos profissionais que lidam com processos sigilosos, deve ser enfatizando a importância da ética e responsabilidade no tratamento das informações confidenciais. Isso inclui proporcionar treinamentos específicos sobre a proteção do sigilo, ressaltando as consequências legais e éticas do vazamento seletivo.
Além disso, é importante considerar medidas para desencorajar práticas sensacionalistas nas plataformas online, como a implementação de diretrizes mais rígidas para a publicidade, visando desestimular a busca por engajamento a qualquer custo, em detrimento do sigilo processual e da dignidade das partes envolvidas.
A conscientização também deve se estender à sociedade como um todo, destacando a importância de respeitar o sigilo processual e não contribuir para a divulgação irresponsável de informações que possam comprometer a integridade dos processos e a imparcialidade dos julgamentos.
A adoção dessas medidas contribuirá para fortalecer o sistema judicial, garantindo que os processos ocorram de maneira justa e equitativa, protegendo a privacidade das partes envolvidas e evitando distorções e espetacularização desnecessária.
É o momento de agirmos para preservarmos os valores fundamentais de uma sociedade democrática: a privacidade, o respeito e a equidade. Por mais respeito ao sigilo do processo!
[i] CPC, Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes.
Bibliografia consultada.
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