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Visitas paternas: direito ou dever?
Sem esquecermos dos novos arranjos familiares, em que a as figuras parentais podem ser diversas dos papéis tradicionais de pai e mãe, neste momento focamos nossa análise na figura do PAI, em especial naquele que não detém a guarda física dos filhos.
Por muito tempo os cuidados diários eram atribuídos à mãe e ao pai cabia prover a necessidade material da prole. Em muitos casos a mulher não estava inserida no mercado de trabalho e, mesmo que estivesse, ao pai cabia suprir as demandas materiais dos filhos.
Felizmente tal situação mudou. Pais e mães trabalham e as necessidades tanto materiais, como emocionais, são partilhadas de forma mais equilibrada, em grande parte dos casos.
O que nos tem chamado a atenção é que as alterações sociais ocorridas parecem ainda não terem sido introjetadas na mente de muitos julgadores, que decidem com base nos ultrapassados papéis paterno e materno.
O VISITANTE INCONSTANTE
O ponto principal das queixas de muitas mulheres que nos procuram se refere às visitas paternas, ou ao regime de convivência, termo mais atual e abrangente.
Visitar os próprios filhos não parece receber a devida importância pelos homens, embora deveria parecer muito pouco para quem deseja ter com eles vínculos significativos e duradouros.
Como militantes na área do Direito de Família, percebemos que nos casos em que a separação não foi devidamente elaborada, em que há mágoas não superadas, alguns homens se valem do que entendem um direito – as visitas aos filhos – para ainda controlarem a vida da ex-esposa.
Os exemplos mais comuns que nos são relatados se referem à ausência nos dias combinados, atrasos desmotivados para retirada das crianças, retorno antes do horário previsto, indisponibilidade para ter os filhos em feriados ou férias, enfim, um exercício bastante fluido de um direito que entendem inquestionável.
A SUPERMÃE
É exigida das mães uma dedicação absoluta aos filhos, não lhes sendo permitido agir da mesma forma que os pais.
O Judiciário continua a ter uma imagem de mãe que não se encaixa no atual momento: abnegada, dedicada integralmente aos filhos, disponível o tempo todo, sem necessidades próprias de crescimento enquanto pessoa, sendo a maternidade o aspecto fundamental da vida da mulher.
À mãe atribuem-se deveres inquestionáveis e se espera que nunca se canse de exercer a maternidade, como se essa fosse sua missão, um sacerdócio.
Se uma mãe agisse como um pai, toda a sociedade que a circula iria criticá-la sem piedade.
Se essa mulher, mãe, decidisse deixar os filhos com o pai e buscar uma melhor oportunidade de trabalho em uma cidade ou país distante, seria execrada, como alguém fria e sem amor pelos filhos.
Basta que deixe os filhos aos cuidados de uma terceira pessoa – já que o pai não se dispõe a estar com eles fora de seus dias de visitas – para que os mais próximos questionem sua atitude: “Nossa, vai sair à noite e deixar as crianças com a vizinha?”, “Puxa, mas você consegue relaxar longe das crianças?” e tantos outros julgamentos.
A cobrança social que recai sobre as mulheres ainda demorará a ser dividida com os homens e o Judiciário também é responsável por esse paradigma, que precisa ser superado.
O PAI, ESSE AUSENTE
Ninguém questiona um pai ausente, pouco participativo na vida dos filhos. Parece ser natural que ele faça o que quiser, a hora que quiser, como se não tivesse responsabilidades inerentes à paternidade.
Desde que arque com a famigerada “pensão alimentícia”, estar com os filhos é um direito, que pode querer ou não exercer.
Trazemos tal questão à reflexão pois recentemente, em um caso em que atuamos, os julgadores, em primeira e segunda instância, assim como os membros do Ministério Público que atuaram na ação, entenderam que não se pode “cobrar amor”, nem forçar que o pai realize as visitas aos filhos.
O pai aqui retratado tem as visitas como um direito, assim como nenhuma penalização pode sofrer por não as cumprir. Cabe à mãe explicar aos filhos que “O papai é muito ocupado”, “Não pode vir essa semana porque estava trabalhando”, mesmo quando as redes sociais mostram o contrário.
Ai de uma mãe que fale a verdade aos filhos! Alienadora!! Quer aniquilar a imagem paterna aos pequenos.
A CONIVÊNCIA DO JUDICIÁRIO
Os julgadores não vêm as visitas como um dever paterno, um aspecto do que chamamos de “paternidade responsável”. As qualificam como um direito, que se não exercido pode até prejudicar emocionalmente os filhos, mas aí é um problema para a mãe, que está com eles no dia a dia.
Parece que estamos brincando, mas é a realidade e o posicionamento de muitos magistrados em 2023!
Entendem que não se pode forçar o amor. Que não se podem obrigar as visitas. Que a ausência não pode ser reparada.
É inaceitável tal postura. Essa visão precisa ser modificada, sob pena de termos crianças emocionalmente abandonadas e mães exauridas com os cuidados com os filhos, filhos esses que possuem pais vivos, exercendo seu “direito” quando lhes convém.
Muitas mães que nos procuram se queixam de não conseguir planejar um final de semana para uma pequena viagem, um passeio, ou seja lá o que desejem fazer. Não podem contar com o pai que não entende as visitas como um dever, uma necessidade dos filhos em estarem em sua companhia.
Embora nessa presente análise nosso foco sejam as mães, a não realização das visitas também afeta enormemente os filhos, que se sentem pouco queridos pelo pai, cujos compromissos são mais interessantes que o convívio com eles.
É verdade que não se pode cobrar amor. Realmente, é impossível.
No entanto, a responsabilidade pelo desenvolvimento emocional saudável dos filhos é um dever dos pais e ao Judiciário não cabe continuar a tratar homens adultos como meninos, que não precisam agir com o mínimo de maturidade que se espera de quem trouxe seres ao mundo.
A imposição de algum tipo de sanção não criará amor, mas fortalecerá vínculos que ficam apenas a cargo da mãe. Se o “direito de visitas” passar a ser visto como o “dever de visitas”, não só as mães guardiãs poderão ter acesso ao lazer e ao descanso necessário a todos, como as crianças poderão desfrutar da companhia dos pais, que há muito deixaram de ser apenas provedores.
A GUARDA COMPARTILHADA E O VERDADEIRO COMPARTILHAMENTO
O instituto da guarda compartilhada – modalidade aplicada atualmente - veio com o propósito de equilibrar as demandas, de permitir a ambos os genitores a participação na vida dos filhos. Para que isso ocorra, não basta o pai postar nas redes sociais lindas fotos no final de semana. O dia a dia das crianças deve ser compartilhado e as visitas paternas, ou a convivência, deve ser constante e benéfica, tornando-se a presença do pai natural e propiciadora de bons momentos, como era antes da separação do casal.
A mudança de mentalidade dos julgadores, ao reconhecer a visita como um dever dos pais perante os filhos e não um direito a ser exercido ao seu bel prazer, é algo que precisa ser buscado, não só para que a figura materna deixe de ser exigida e sacrificada como absolutamente dedicada aos filhos, mas para que as crianças não sejam privadas da convivência paterna. Somente a convivência fortalecerá vínculos que muitos pais não possuem por delegar à mãe, à ex-esposa, os cuidados com os filhos.
Compartilhar a guarda das crianças, a vida dos filhos, é salutar a todos e a percepção das visitas como um direito está longe de ser o partilhar de responsabilidades. Quem apenas visita não é pai, é “visitante”. Conviver e valorizar essa convivência é o que se espera de um verdadeiro home e pai, que não apenas assumiu a paternidade legalmente, mas também, a exerce afetivamente.
SER PAI
A mentalidade precisa mudar. A paternidade tem que ser exercida e as responsabilidades dela decorrente têm que verdadeiramente ser partilhadas.
A presença do pai na vida dos filhos, de modo constante e saudável, é favorável a todos os envolvidos na dinâmica familiar, seja na constância do relacionamento, seja após o rompimento.
É óbvio que filhos são para sempre, mas não devem ser usados como instrumentos de vingança.
A participação paterna responsável é o mínimo que se espera. O tempo de convívio com os filhos deve ser respeitado não como um direito do pai, mas um dever, no sentido positivo do termo, de estar com aqueles que se ama e que não entendem a ausência, por mais que a mãe procure suprir a lacuna deixada.
Atribuir à mãe todos os cuidados com os filhos e “visitá-los” quando é conveniente não revela um pai, mas um genitor, aquele que consta da certidão de nascimento, mas não da vida dos pequenos.
E num mundo em que imagens estão por todos os lados, pais de “Instagram” é o que mais se vê por aí!
Carla Moradei
Advogada, membro do IBDFAM, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduada em Direito pela Universidade Paulista em 2008. Pós graduada em Direito de Família pela Escola Paulista da Magistratura – EPM. Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica/SP em 1988, atuando por 21 anos junto às Varas de Família e Sucessões e Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como Psicóloga Judiciária.
Leandro Souto da Silva
Advogado, membro da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo, graduado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu em 2006. Atuou como Assistente Judiciário e Escrevente Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por seis anos, com lotação em Vara de Família e Sucessões.
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