Artigos
Alimentos gravídicos: direito exigível desde a concepção.
Maria Berenice Dias
Advogada
Vice Presidente do IBDFAM
A Lei de Alimentos não pode ser mais clara (art. 4º): Ao despachar o pedido, o juiz fixará, desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor...
Ou seja, os alimentos provisórios são concedidos a título de tutela de evidência (CPC, art. 311, II e IV), a autorizar sua exigibilidade a partir da fixação liminar (CPC, art. 311, § único). Trata-se de tutela antecipada (CPC, art. 303) Trata-se de tutela que – como todas as tutelas cautelares – tem eficácia mesmo antes da citação do réu.
O fato de o artigo 13 da indigitada lei, ao tratar das ações revisionais e admitir a cumulação da ação de alimentos a outras demandas, prever a retroatividade do encargo alimentar à data a citação, diz com as hipóteses em que não houve a concessão de alimentos provisórios a título de tutela antecedente ou incidente. Aliás, esta é a expressão legal (LA, art. 13, § 2º): Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.
A expressão “retroagir” significa que antes da citação não havia alimentos estabelecidos. Nada mais do que uma garantia ao credor de que o alimentante não vai procrastinar o andamento do processo e, com isso, livrar-se da obrigação alimentar por algum tempo. Neste sentido a orientação do STJ, que didaticamente esclarece: o pressuposto lógico da regra do 2º do art. 13 da Lei 5.478 /1968 a circunstância de a prestação alimentar ter sido estabelecida ou modificada em momento posterior ao ato citatório, seja em caráter provisório (antecipação de tutela) ou de forma definitiva (sentença de mérito), únicas hipóteses em que se pode cogitar de retroatividade da obrigação alimentar à data da citação.[1] Posição adota pelos Tribunais de Minas Gerais, [2] São Paulo, [3] Distrito Federal[4] e Santa Catarina. [5]
De modo para lá de equivocado, o STJ editou Súmula que acaba incentivando o inadimplemento da obrigação alimentar.[6] Uma incoerência absurda. O devedor deixa de pagar os alimentos, ingressa com ação revisional ou exoneratória e espera o trânsito em julgado da sentença para se beneficiar de possível achatamento eu exclusão do encargo.
Em se tratando de alimentos gravídicos – que, como o próprio nome diz, se destinam a cobrir despesas durante o período ada gestação – há a mesma tendência equivocada de se postergar o encargo para o momento da citação.
Expressamente a lei explicita que a responsabilidade parental tem início quando da concepção.[7] Ou seja, os alimentos gravídicos são devidos “da concepção ao parto”.
Neste sentido posiciona-se a melhor doutrina[8] e vem decidindo os Tribunais.[9]
Há um fundamento derradeiro, ao qual ninguém atenta, mas que afasta qualquer possibilidade de dúvida: foi vetado o dispositivo da Lei, que previa o dever de pagar os alimentos a contar da citação do réu.[10]
E como a Constituição da República, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente preservam, com prioridade absoluta, o melhor interesse de quem merece proteção integral, o tema não tem como gerar algum tipo de questionamento, dúvida ou incerteza.
[1] STJ - HC 622826 MG 2020/0288221-8, 4ª T., Rel. Min, Maria Isabel Gallotti, j. 06/04/2021.
[2] TJMG - AI 10000220641377001 MG, 8ª C. Cív, Rel. Alexandre Santiago, j. 26/05/2022.
[3] TJSP - AI 20285495420218260000, 1ª C. Dir. Priv., Rel. Rui Cascaldi, j. 27/08/2021.
[4] TJDF - AC 07452322720208070000, 3ª T. Cív., Rel. Fátima Rafael, j. 08/09/2021.
[5] TJSC - AC 03001466420178240054, 6ª C. Cív., Rel. Denise Volpato, j. 31/10/2017.
[6] STJ Súmula 621: Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade.
[7] Lei n 11.804/2008, 2o: Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
[8] Neste sentido: PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Direito das Famílias. 4. ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2023, p. 274; FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Curso de Direito Civil: Famílias. 15 ed. Salvador: JusPodivm, 2023, v. 6, p. 781; MADALENO, Rolf, Direito de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2022, 651 e BERALDO, Leonardo de Faria. Alimentos no Código Civil: aspectos atuais e controvertidos com enfoque na jurisprudência. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017, p. 90.
[9] TJGO - AI 0518964722020809000 – 5ª C. Cív., Rel. Des. Guilherme Gutemberg Isac Pinto, j. 1/03/2021; TJMG - AC 10000200448975002 MG, 4ª C. Cív., Rel. Renato Dresch, j. 04/11/2021.
[10] Lei 11.804/2008, art. 9º: Os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM