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O Triângulo do Drama de Karpman e a Síndrome da Vítima no Processo de Família: quais razões algumas pessoas gostam de portar como vítimas e qual a sua correlação com os salvadores?
O Triângulo do Drama de Karpman e a Síndrome da Vítima no Processo de Família: quais razões algumas pessoas gostam de portar como vítimas e qual a sua correlação com os salvadores?
Fabiano Rabaneda dos Santos1
A sociedade está repleta de pessoas que se veem como vítimas, que acreditam que são constantemente prejudicadas ou oprimidas e no processo de família, em virtude da revelação do litígio familiar, muitas vezes, nos deparamos com pessoas que parecem estar sempre em situações de vitimização. Elas têm uma tendência a se colocar como vítimas e a atrair a atenção dos outros para suas dificuldades e problemas, criando um padrão de comportamento prejudicial e não menos tóxico. Uma teoria que pode ajudar a entender esse fenômeno é o Triângulo do Drama de Karpman, que descreve os papéis de vítima, perseguidor e salvador em dinâmicas de relacionamento.
A mentalidade de se portar como vítima pode se manifestar em várias áreas da vida, desde relacionamentos pessoais até o ambiente de trabalho. Mas por que algumas pessoas gostam de se ver como vítimas? E qual é a relação entre as vítimas e os chamados salvadores? A resposta pode ser encontrada no Triângulo do Drama de Karpman, um modelo psicológico que foi concebido por Stephen Karpman[1] com base na análise transacional, que explora as dinâmicas de vítima, salvador e perseguidor.
Karpman descreve o triângulo dramático como as pessoas que se envolvem em papéis de vítima, salvador e perseguidor notadamente em situações conflituosas: a vítima é a pessoa que se sente prejudicada, impotente e incapaz de lidar com a situação por si mesma; o salvador é aquele que tenta ajudar a vítima, muitas vezes assumindo uma postura de superioridade; e o perseguidor é aquele que é percebido como o causador do sofrimento da vítima.
Pense, como exemplo, no caso de um juiz ou um advogado que se posiciona como o salvador daquela parte que se coloca em uma posição de vulnerabilidade, buscando atenção e compaixão dos outros pela atitude do algoz, daquele que causa o sofrimento, seja criticando ou atacando.
Interessantemente, algumas pessoas podem se identificar com o papel de vítima e até mesmo gostar disso. Elas podem encontrar conforto e satisfação em serem cuidadas e protegidas pelo salvador. Isso pode ser resultado de uma série de fatores psicológicos e emocionais, como baixa autoestima, busca de atenção, crenças limitantes sobre si mesmas e uma sensação de impotência aprendida ao longo da vida.
Essas pessoas podem se sentir confortáveis na posição de vítima, pois isso lhes permite evitar responsabilidades e obrigações, movidas em atrair a simpatia e a atenção do seu salvador. Neste momento o papel do salvador é fundamental, já que essas pessoas têm uma necessidade intensa de serem resgatadas e cuidadas, e o salvador é o escolhido para lhe fornecer essa atenção e cuidado.
O salvador é atraído para o papel de herói, aquele que pode resolver os problemas da vítima e fazer com que ela se sinta melhor. Essa dinâmica pode ser gratificante para o salvador, pois ele se sente útil, valorizado e importante ao assumir esse papel.
Além disso, o papel de vítima pode oferecer uma forma de manipulação e controle sobre outras pessoas, já que as vítimas podem usar a manipulação emocional para obter o apoio e a compaixão para evitar confrontos e críticas.
Costumeiramente as vítimas usam de sua posição para se sentirem justificadas em suas ações ou inações, transferindo a responsabilidade seu salvador, criando um ciclo de dependência emocional, onde a vítima busca constantemente a validação e a assistência do salvador.
Enquanto a vítima se torna dependente do salvador, buscando constantemente sua aprovação e buscando soluções para seus problemas, em razão de ocupar um lugar que não é seu, o salvador passa a se sentir sobrecarregado pela responsabilidade de cuidar constantemente da vítima e desenvolvendo um sentimento de superioridade em relação a ela.
Essa dinâmica se torna tóxica e perpetua o ciclo de vitimização, pois a vítima se apega ao papel de vítima para continuar recebendo a atenção e cuidado do salvador, estes frequentemente atraídos pelas vítimas diante da sensação de propósito e significado.
Em suas próprias motivações, consciências ou inconscientes para assumir o papel de salvador, eles se veem como heróis que podem resolver os problemas da vítima e resgatá-la de sua situação difícil: os salvadores têm necessidade de serem vistos como altruístas e benevolentes, e podem se envolver em comportamentos de resgate para satisfazer essa necessidade. Eles podem sentir que sua própria autoestima e identidade estão ligadas à capacidade de ajudar os outros, especialmente as vítimas.
Salvador é o caso do irmão bom: enquanto o irmão chora e esperneia querendo o brinquedo, o irmão salvador só espera o momento certo para compartilhar seu brinquedo na certeza de ser visto como o filho bom pelos pais.
Claro que essa dinâmica entre vítimas e salvadores cria uma relação tóxica e disfuncional: o salvador tem necessidade de se sentir valorizado e importante, e o papel de cuidador satisfaz essas necessidades emocionais. Por sua vez, as vítimas se tornam dependentes dos salvadores para resolver seus problemas.
Ambos se veem presos em um ciclo de sofrer, cuidar e resgatar reforçando a dinâmica de poder desequilibrada, onde enquanto o salvador busca a validação e a aprovação dos outros ao se colocar como o herói que resgata a vítima, sua motivação se torna insustentável a longo prazo, pois o salvador passa a se sentir esgotado e incapaz de satisfazer as necessidades constantes da vítima: uma dança de co-dependência, onde um alimenta o papel do outro.
A vítima busca constantemente o salvador para obter apoio e o salvador, por sua vez, busca constantemente a vítima para exercer seu papel de cuidador. É importante notar que o papel de vítima não é saudável a longo prazo, já que embora possa trazer conforto temporário, perpetuar a mentalidade de vítima pode levar a um senso de impotência e limitação na vida. As vítimas podem se sentir presas em um ciclo de autocompaixão e busca constante por simpatia, o que afeta negativamente sua autoestima e autoeficácia, impedindo o crescimento pessoal e a capacidade de enfrentar desafios de forma independente.
É fundamental compreender que a dinâmica de vitimização e salvamento não é saudável nem para a vítima, nem para o salvador, já que ambos os indivíduos podem se sentir presos em uma relação disfuncional e não conseguir desenvolver relacionamentos saudáveis e equilibrados: é o salvador se transformando em algoz, em perpetrador da violência.
Então, como quebrar esse padrão? Com o Triângulo de Winner, que foi publicado por Acey Choy em 1990 como um modelo terapêutico para mostrar aos pacientes como para alterar transações sociais, mediante a proposição do cuidar, atribuindo ao socorrista a mostrar preocupação e ser atencioso, mas não extrapolar a resolver problemas para a vítima.
Num alcance de consciência, é importante que as pessoas que se veem como vítimas reconheçam esse padrão em suas vidas e busquem entender as razões subjacentes por trás disso. Isso pode envolver a busca de apoio de um terapeuta ou conselheiro, que pode ajudar a explorar crenças limitantes, padrões de comportamento e trabalhar na construção de uma autoestima saudável. É fundamental também aprender a assumir a responsabilidade por suas próprias escolhas e ações, e desenvolver habilidades de enfrentamento e resolução de problemas para lidar com os desafios da vida de forma assertiva.
Os salvadores também podem se beneficiar ao adotar a posição de treinador. A principal diferença entre um socorrista e um treinador é que o treinador enxerga a vítima como capaz de fazer escolhas e resolver seus próprios problemas. Um treinador faz perguntas que ajudam a vítima a identificar as possibilidades de ação positiva e a se concentrar no que realmente deseja, em vez do que não deseja.
Tem-se desta maneira que o salvador aprenda a estabelecer limites saudáveis e a incentivar a autonomia e a independência das vítimas, em vez de alimentar uma dinâmica de dependência emocional. Os salvadores podem também buscar outras formas de se sentir valorizados e importantes, que não estejam ligadas apenas a cuidar dos outros, como desenvolver seus próprios interesses e hobbies, e buscar uma autoestima e identidade baseadas em suas próprias realizações.
Num aspecto desafiador, é importante quebrar o ciclo de co-dependência, onde a vítima e o salvador se alimentam mutuamente, através do desenvolvimento de um espaço saudável onde ambos os indivíduos são encorajados a assumir a responsabilidade por suas próprias vidas e buscar relações de igualdade e respeito mútuo, em vez de papéis de vitimização e salvamento.
Embora a atração por ser vítima e a dependência do salvador são dinâmicas disfuncionais que podem perpetuar o ciclo de vitimização, diante da síndrome da vítima correlacionada com os salvadores – dinâmicas disfuncionais e tóxicas nas relações interpessoais – reconhecer e entender esses padrões é o primeiro passo para o cultivo relacionamentos mais saudáveis e empoderadores.
É preciso o desenvolvimento de relações de igualdade e respeito mútuo através de adoção de ações positivas de modo ao desenvolvimento da autorresponsabilidade e superação às crenças limitantes onde não sejamos aprisionados nem no papel de vítima e nem de salvadores, mas do papel de protagonista da nossa própria história.
Bibliografia
"Triângulo do Drama de Karpman." Wikipédia: A Enciclopédia Livre, [online]. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Triângulo_do_drama_de_Karpman. Acesso em: 14 de abril de 2023.
"Vítima, Perseguidor, Herói: Posições Existenciais." Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/vitima-perseguidor-heroi-posicoes-existenciais/. Acesso em: 14 de abril de 2023.
"Codependency Triangle in Narcissistic Relationships." Grace Being, [online]. Disponível em: https://grace-being.com/love-relationships/codependency-triangle-in-narcissistic-relationships/. Acesso em: 14 de abril de 2023.
"Karpman Drama Triangle." Zach Mortensen Blog, [online]. Disponível em: https://zachmortensen.net/2019/08/25/karpman-drama-triangle/. Acesso em: 14 de abril de 2023.
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Fabiano Rabaneda dos Santos é advogado especialista em direito de família e sucessões.
[1] O artigo de Karpman foi publicado em 1968. Karpman recebeu o Eric Berne Memorial Scientific Award em 1972 por este trabalho.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM