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A proteção de crianças e adolescentes e a responsabilização das plataformas de Redes Sociais
A proteção de crianças e adolescentes e a
responsabilização das plataformas de Redes Sociais
Patrícia Corrêa Sanches1
Em virtude dos inúmeros ataques advindos de conteúdos lesivos, divulgados em redes sociais e que atingem frontalmente os direitos fundamentais à dignidade, à vida, à integridade física e moral, à saúde, ao bem-estar e à segurança, o Ministério da Justiça e Segurança Pública emitiu a Portaria Ministerial nº 351/2023, visando a prevenção da disseminação de ilícitos e consequentes danos ocasionados por conteúdos divulgados por essas plataformas.
A normativa chama à responsabilidade as plataformas que lucram com os fluxos de informação, sem descurar do mínimo dever de cuidado em prol da função social que exercem, que é o de informar e permitir a livre expressão – desde que não atinjam direitos de terceiros e da própria sociedade.
A plataforma Twitter negou-se a retirar do ar as postagens que fazem apologia à violência em escolas, alegando que causaria violação dos termos de uso. Por tal, está sendo alvo do Ministério Público de São Paulo. As autoridades especializadas consideram apologia ao crime as postagens de fotos dos autores de massacres (e muitas tratando-os como heróis) e de crianças mutiladas, por exemplo. Na Alemanha, o Twitter está sendo multado pelo governo a pagar multa superior a R$270 milhões, justamente pela omissão frente aos posts de ódio, de ameaças e de discriminação.
O art. 220 da Constituição Federal garante a liberdade de pensamento e sua livre expressão, no entanto, aqui também é válida a máxima jurídica de que “o direito de um termina quando atinge o direito do outro”. Não se pode confundir liberdade de expressão com crime de racismo, misoginia, disseminação de ódio e discriminação, ou com apologia a qualquer prática criminosa – uma vez que atingem direitos fundamentais, não apenas constitucionais, mas de ordem principiológica de manutenção do próprio Estado Democrático de Direito, e de normativas internacionais de proteção da pessoa humana.
No sopesar de valores constitucionais, o direito de liberdade de expressão não é absoluto, pois seu limite não se sobrepõe ao direito à vida e à segurança, sob pena de colocar-se fim à própria liberdade diante do extermínio. Resumindo, não pode a prática de um ilícito ser considerada um direito.
Crianças e adolescentes tornaram-se alvos diretos desse conteúdo lesivo, tanto como vítimas de ataques contra suas vidas, quanto como alvos de cultivo do ódio e de práticas futuras de crimes. Nesse importante cenário, nossa Carta Constitucional, em seu art. 227, assegura-lhes prioridade absoluta no atendimento e na garantia de seus direitos.
Visando atender à urgente realidade, a Portaria nº 351/2023 dispõe sobre medidas administrativas, incluindo a imposição de multa e a restrição das atividades, para a prevenção da disseminação dos conteúdos ilícitos em redes sociais, através da instauração de processos para apuração da responsabilidade dessas plataformas, quando descumprido o dever geral de segurança e de cuidado, frente aos conteúdos ilícitos ou danosos.
A normativa salienta que as plataformas de redes sociais são reconhecidas como intermediadoras de conteúdo e que, portanto, estão enquadradas como fornecedoras de serviços, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, que prevê no art. 6º, I, que é direito básico do consumidor a proteção à vida, saúde e segurança contra quaisquer riscos ocasionados pelo fornecimento de serviços considerados perigosos ou nocivos. Nesse contexto, ressalta que o serviço que não fornece a segurança razoável, nos termos do art. 14, §1º, é considerado defeituoso. Assim, a plataforma de rede social que permitir a disseminação de conteúdo lesivo, está oferecendo serviço defeituoso ao permitir o risco à segurança.
Portanto, ficará a cargo da SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor) requisitar às plataformas de redes sociais um relatório das medidas que são tomadas para monitorar e restringir as publicações de conteúdo ilícito e lesivo, e poderá determinar medidas preventivas e emergenciais a serem seguidas por essas plataformas.
Também foi criada a “Operação Escola Segura” que será coordenada pela SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública, que visa garantir efetividade na identificação de usuários ou de terminais de conexão com a internet que disseminam ódio ou orquestram crimes, inclusive impedindo a criação de novos perfis a partir de IPs detectados em práticas lesivas.
Toda atividade exerce uma função social, e a responsabilidade advém dessa função, principalmente quando a lucratividade é fruto do volume de conteúdo informacional gerado dentro de uma plataforma. Pode estar praticando o mesmo crime, ou dele é conivente, aquele que não age para impedi-lo, ainda que em uma projeção de futuro – pois a permissão de determinadas práticas hoje, pode ser devastadora em momento próximo. É necessário que se tenha uma responsabilidade com o futuro e com as novas gerações.
Essas medidas são urgentes e necessárias, promovendo a união do Estado, sociedade e plataformas de redes sociais em prol do bem maior da vida e da segurança de crianças, adolescentes e de toda a coletividade.
[1] Presidente da Comissao de Tecnologia do IBDFAM
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