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Pai biológico ou afetivo? Eis a questão
Desde a promulgação da Carta Maior de 1988, importantes e necessárias alterações no Direito de Família foram realizadas por meio do surgimento do princípio da igualdade da filiação, onde se destacou uma vigorosa mudança de valores nas relações familiares, influenciando, já desde esta época, na determinação de uma nova paternidade, esta derivada do carinho e do afeto.
Os progressos científicos surgidos no âmbito da genética, leia-se, feitura do exame de DNA, principalmente, já há muito nos permitem uma maior transparência nas relações de filiação, pois se sabe quase que com a máxima certeza quem biologicamente é pai de alguém. No entanto, se com o DNA a paternidade é reconhecida sem que restem maiores dúvidas técnicas, tecemos preocupações sobre os efeitos posteriores que surgem após a sua descoberta, pois pensamos que eles podem não ser assim tão alvissareiros tanto para o pai, quanto para o filho.
Cremos que somente a confirmação biológica da paternidade hoje em dia não basta, por exemplo, para direcionarmos bens sucessórios, tornando-se necessário saber como e quando operá-la, em razão das inúmeras conseqüências que podem surgir para as partes envolvidas advindas desta nova situação que abruptamente surgirá. Estamos convencidos que a filiação estabelecida pela via biológica, por vezes não significará nada mais do que a menção na certidão de nascimento da nova paternidade e, é claro, a principal razão, qual seja, a conseqüente possibilidade de reivindicação de direitos patrimoniais pelo filho que deverá ser então obrigatoriamente reconhecido como herdeiro, sendo que muitas das vezes, este filho, mesmo já tendo recebido herança do seu “pai anterior”, pleiteia única e exclusivamente aquisição de bens de seu novel pai.
Entendemos, seguindo a linha de importantes doutrinadores da área de família, e ainda também respaldados por recente decisão do STJ que, em ação de indenização proposta por filho contra seu próprio pai, onde este buscava reparação pecuniária contra seu genitor que, apesar de pagar pensão alimentícia a seu filho se absteve de ter convivência com ele, que não podemos negar que o vínculo relacional entre pai e filho não se cria por intermédio de um papel, de um documento, é preciso querer ser pai ou ser mãe e, de parte da criança, é necessário se sentir como filho e não como um caça-níquel.
Assim, em que pesem os dispositivos constitucionais legítimos no sentido de alvitrar a todos os filhos o direito à paternidade, mesmo sendo ela da forma mais simplória possível, temos que dar azo a uma maior prevalência tão somente à pesquisa da verdade biológica, olvidando-se de ressaltar o papel fundamental da verdade socioafetiva, é fato por demais reprovável.
Ressaltamos aqui que não repudiamos e sim louvamos os necessários avanços tecnológicos surgidos, todavia, também devemos frisar que carinho não se compra, amor, dedicação e assistência são elementos tão importantes na identificação da real paternidade quanto um sobrenome proveniente de uma relação consangüínea, revelando esses três fatores uma relação psicoafetiva de incondicional importância.
Acreditamos, por certo, que este instituto jurídico familiar identificado como paternidade socioafetiva, mesmo ainda não respaldado com solidez pela legislação civil em voga, mas que já vem sendo admitido pelos Tribunais do país, enquadrado como um fato e integrado ao sistema de direto, concretizará como a mais importante de todas as formas jurídicas de paternidade, onde seguirão como filhos legítimos os que descendem do amor e dos vínculos puros de espontânea afeição, tendo um significado mais profundo do que a verdade biológica.
Ao final, temos a dizer que, todo o cuidado, o amor paterno e a natural dedicação ao filho com clarividência revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando laços sólidos e sinceros de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica e, para todos esses caracteres citados, a Constituição e o novel Código Civil nada apontam ainda, pois, na medida em que não protegem a filiação por afeto, realmente não exercem a completa igualização entre os entes.
* Advogado, Sócio Fundador e Delegado Federal da Associação Goiana de Advogados (AGA), Sócio Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), e Diretor da Associação Brasileira dos Advogados (ABA) – Seção de Goiás. |
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