Artigos
Desmistificando a advocacia sistêmica
Nanci Gomes Valentim, Advogada, Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, Advogada de Práticas Colaborativas certificada pelo IBPC.
RESUMO: Este artigo tem por finalidade trazer esclarecimentos sobre o que é a advocacia sistêmica e como a prática nos escritórios de advocacia pode contribuir na facilitação dos conflitos, com um alinhamento em diversas metodologias sistêmicas como coaching, PNL, neuro semântica, psicologia positiva, Constelações Sistêmicas Organizacionais, dentre outras. A gestão sistêmica quando bem aplicada no escritório, trará uma visão mais abrangente de todos os envolvidos na situação, respeitosa e humanizada em toda sua abordagem, encarando os conflitos com mais leveza e assertividade. O propósito da advocacia sistêmica é inovar em termos de competências relacionais e tecnologias humanas.
PALAVRAS-CHAVE: Advocacia Sistêmica. Gestão de Conflitos. Facilitação. Competências Relacionais. Bert Helliger. Pensamento Sistêmico.
ABSTRACT: This article aims to provide clarification on what is the law and how practice in law firms can contribute to the facilitation of conflicts, with an alignment in several systemic methodologies such as coaching, NLP, neuro semantics, positive psychology, Organizational Systemic Constellations, among others. Systemic management applied in the office, will bring a more comprehensive view of all those involved in the situation, respectful and humanized in all its approach, facing conflicts with more lightness and assertiveness. The purpose of systemic advocacy is to innovate in terms of relational skills and human technologies.
KEYWORDS: Systemic Advocacy. Conflict management. Facilitation. Relational Skills. Bert Hellinger. Systemic Thinking.
Por ser algo novo é natural que a advocacia sistêmica traga muita confusão a seu respeito quando se traz esse termo ao universo jurídico. Atualmente é muito comum nos depararmos com as constelações e a sua aplicação no judiciário. Mas o que seria a advocacia sistêmica?
Nada mais é do que um modelo de gestão que o advogado pode optar por exercer dentro de seu escritório, através de planejamento estratégico, é saber lidar com princípios, com o modo como que a hierarquia dentro do escritório vai se fazer, de como será a linguagem para o cliente, como será o posicionamento desse escritório no mercado. Em suma, é como o advogado vai fazer essa advocacia sistêmica funcionar, o que não se confunde com constelar clientes e/ou processos.
CARVALHO (2018, p. 69) esclarece ainda que “o advogado sistêmico necessita exercitar o pensamento sistêmico, ou seja, aceitar que o mundo é composto por sistemas, e que esse sistema afeta a vida pessoal e financeira das pessoas e empresas”.
Há de se observar que a advocacia sistêmica é focada em competências relacionais, habilidades e no modus operandi do advogado, e que nada se equipara a advocacia colaborativa, visto que nesta tem o seu foco principal uma equipe interdisciplinar que é convidada a participar da gestão do conflito em questão, para trabalharem em grupo, e ainda, na prática colaborativa o advogado assina o termo de não litigância.
Já na advocacia sistêmica o foco como que o advogado vai lidar com o cliente sob um olhar sistêmico e com técnicas específicas, podendo ou não ter o advogado conhecimento de coaching, ou de constelações familiares, porém, ele compreende como funciona o ser humano, fazendo uso das várias formas de transformação de conflitos e pensando no conflito de forma positiva e transformadora.
O advogado sistêmico vai buscar todos os conhecimentos e práticas para compreender como o ser humano funciona, podendo utilizar-se da neurociência, estudos de Programação Neurolinguística - PNL, ou da própria psicologia, mas não vai atuar como constelador, nem como trainer em PNL, visto que o advogado não é terapeuta e não faz terapia em escritório, pois, não é sua vocação nem formação.
É a atuação do advogado dentro do escritório que fará a gestão dessas competências, centrada diretamente em como o advogado busca o pensamento sistêmico como epistemologia, como metodologia de atuação, ou seja, a forma como ele traduz seus modelos mentais, agora sistêmicos e não mais cartesianos, não tão duais, tão separados, mas com um olhar de contexto, de que tudo flui e está conectado, alterando a sua forma de observação, mudando a postura, porque o pensamento é sistêmico.
Desta forma, antes de ser um advogado sistêmico ele é um advogado e precisa cumprir esse papel, compreendendo bem quais são suas funções, a sua postura, o estatuto que o rege, as regras do jogo para a advocacia, enquanto advogado e seu escritório enquanto mercado jurídico.
O advogado sistêmico deve possuir competências transversais, como aprender a ouvir, traduzir uma linguagem de forma não violenta, buscar uma comunicação eficaz, cuidando para que essa linguagem esteja adequada a compreensão do senso comum, para que possa ser compreendido sem distorções de significados.
É papel do advogado sistêmico aprender a fazer perguntas, saber identificar em vez de ir ao extremo generalizado do certo e errado, das duas possibilidades, ser um facilitador da solução, utilizar-se de algumas técnicas sistêmicas para que possa conduzir seu cliente a visualizar ali o seu próprio sistema com amor, através do atendimento humanizado.
Outro detalhe importante é que a linguagem das constelações sistêmicas não fazem parte do mundo jurídico, portanto deve ser respeitado o que se precede, suas regras de mercado e de comunicação, de relacionamento com clientes e parceiros, então essa linguagem não deve ser aplicada, alguns termos apenas, se caso necessários.
E ainda, por não ter uma visão única, o advogado sistêmico busca muitas metodologias para que seu atendimento seja cada vez mais humanizado, compreendendo que a demanda em si é insuficiente, que o conflito é muito maior, por isso necessita para questões sistêmicas – técnicas sistêmicas, para conflitos sistêmicos – uma abordagem sistêmica.
Existe na advocacia sistêmica uma busca por transcender, não se limitando apenas aos ensinamentos de Bert Hellinger, é honrar o que o Bert Hellinger trouxe como conhecimento, mas saber utilizar de tudo aquilo que possa ampliar a visão e a consciência sistêmica, para compreender como funciona o ser humano na sociedade.
Vale destacar que aplicar a ferramenta de constelação na advocacia não a torna advocacia sistêmica, se assim fosse deveria então ser chamada de aplicações de constelação da advocacia. O que torna algo sistêmico é muito maior e envolve muitos conhecimentos, mas principalmente um modelo mental do ser humano de estar olhando para o sistema e compreender o que é um sistema.
Existem muitos advogados que são essencialmente sistêmicos por sua postura e pelo seu modelo mental, seu modo de encarar uma realidade, de entender o cliente, que nem sabem o que é constelação familiar.
Mais uma diferenciação a ser feita, saber separar o que é um direito positivado do que é um modo de exercer uma advocacia de forma sistêmica. O advogado juntamente com o seu cliente assume a responsabilidade diante do conflito e são corresponsáveis pelo o que acontece, pelas estratégias jurídicas a serem utilizadas, com o olhar do advogado que compreende o todo diante do direito positivado.
O advogado sistêmico vai priorizar como é orientado no Código de Processo Civil, no Conselho Nacional de Justiça, nas Resoluções, nos métodos adequados de solução de conflitos, vai entrar com a ação necessária, e correr normalmente como sempre exerceu a sua advocacia, pois, isso faz parte do papel e da função do advogado, cabe a ele ter postura de defender seu cliente conforme a necessidade naquele momento.
Ainda, desmistificando a advocacia sistêmica, outro fator importante é que o advogado sistêmico não deve peticionar constelações.
Peticionar constelações não é um modo que a advocacia esteja colaborando com o direito sistêmico, solicitar a um juiz para que indique ou peça para que seja constelado aquele caso/questão é errôneo, constelações não se oferecem, é algo que deve partir da própria pessoa, a vontade e a auto responsabilidade para que ela procure o seu constelador e mantenha um ambiente seguro para que ela visualize e veja o que ela pode ver, dando seu pequeno passo em direção a uma mudança, que ela tenha ações em relação aquilo.
Novamente, peticionar, constelação infringe o papel do advogado, isso não faz parte do direito positivado, não faz parte das funções e conhecimentos necessários de outros advogados, causando um certo constrangimento, pois nem todos conhecem a linguagem, a ferramenta, a técnica, torna-se invasivo.
Último apontamento sobre a advocacia sistêmica, não é necessário fazer curso para ser um advogado sistêmico, basta possuir um modelo mental sistêmico para pensar diferente, abrir-se para o todo e aprender a observar a realidade com outras percepções e com vários posicionamentos.
Mas, de fato é que o curso trará um conhecimento direcionado, uma mentoria, é importante estudar para ter informações que orientem o advogado no sentido de como aplicar as ferramentas em seu escritório de advocacia sem causar estrago em seus parceiros, se esses estranharem, se seus clientes concordam com aquilo, se essa linguagem está adequada, etc.
O curso de gestão sistêmica direciona no mercado, orienta como fazer isso na prática, porque advocacia sistêmica de fato só vai existir se ela estiver acontecendo, se o advogado estiver aplicando esses conceitos de forma congruente, atendendo de forma mais humanizada, para tanto se o advogado estiver preparado e quiser fazer esses exercícios sistêmicos, fazer meta perguntas, compreender um pouco mais de técnicas de PNL, ou fazer movimentos do coaching sistêmico com as constelações ou mesmo constelar, aí sim, é necessário que tenha uma formação com as horas exigidas pela certificação, mas não necessariamente todo advogado sistêmico precisa ter um curso.
Referências bibliográficas
CARRVALHO, Bianca Pizzato. Constelações familiares na Advocacia Sistêmica: uma prática humanizada. Joinville: Manuscritos Editora, 2018. p.69.
FIORELLI, José Osmir. MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 3 ed. – São Paulo: Atlas, 2011. p. 85-92.
Gestão da Advocacia Sistêmica. Advocacia Sistêmica. Disponível em: https://www.advocaciasistemica.com.br/. Acesso em 06 de março de 2020.
OLDONI, Fabiano. LIPPMANN, Marcia Sarubbi. GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. 2 ed. rev. e ampl. Joinville, SC: Manuscritos Editora, 2018.
ROMA, Andréia. Quezada, Fabiana. Pensamento Sistêmico – 1 Ed. – São Paulo: Leader, 2019.
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM