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“A família e o tempo”: as mudanças no modelo de família e o papel do Estado
Brunella Poltronieri Miguez
Advogada. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Mestre em Políticas Públicas pela Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia e em Direitos Fundamentais pela Universidade Carlos III de Madrid. Especialista em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-MG.
Ao longo do tempo, a família passou por diversas mudanças. Mudou, do ponto de vista conceitual, comportamental e estrutural. Na estrutura nuclear patriarcal, a família era caracterizada pela hierarquia, pela rígida divisão de papéis de gênero e pela centralização na figura masculina. Era o homem quem ditava as regras e detinha o poder absoluto sobre filhos e esposa. A família era fundada, sobretudo, no matrimônio heterossexual, constituído para garantir a procriação e a defesa da propriedade privada.
O Estado reforçava tal estrutura como modelo moral e simbólico, ao garantir legitimidade e proteção jurídica apenas a essa formação familiar. Além disso, limitava a liberdade dos cônjuges, com normas que impediam a alteração de regime de bens ou mesmo a dissolução do matrimônio, o que foi permitido apenas a partir de 1977.
Nos anos de 1960, intensificou-se o processo de mudança nos modelos de família, hoje denominada de moderna. Esse processo foi reflexo de importantes transformações em outras esferas sociais, como a maior inserção das mulheres no mercado de trabalho e a revolução cultural que marcou essa década.
A família moderna é centrada na afetividade e na solidariedade, sendo o locus para a realização pessoal dos sujeitos. Substituiu o pátrio poder pelo poder familiar, possibilitando uma divisão mais igualitária do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos.
Ressalta-se, nesse sentido, a importância da Constituição Federal, que ampliou o conceito de família– ao reconhecer a união estável e a monoparentalidade como entidades familiares –, redimensionou a ideia de filiação, assegurando a mesma designação e o mesmo direito a todos os filhos, independentemente da origem dessa filiação e garantiu a igualdade de direitos e deveres entre cônjuges.
Inegável, ainda, a importância do reconhecimento jurídico do afeto como elemento da família moderna, que permitiu maior autonomia aos indivíduos na escolha do modelo familiar; na mudança do regime de bens e no próprio fim do matrimônio e demandou do Estado o reconhecimento de novas composições familiares – formadas pela união estável, por casais homossexuais, ou apenas por um dos pais e filhos – garantindo às pessoas que compõem as famílias o mesmo direito à proteção.
Esse direito à proteção exige que o Estado ainda regule os conflitos presentes nas famílias, como, por exemplo, nos processos judiciais que envolvem guarda e alimento; bem como quanto à proteção de mulheres, crianças, adolescentes e idosos contra diferentes formas de violência no âmbito doméstico e familiar.
Importa destacar, também, que, cada vez mais, o Direito tem prezado pela resolução consensual e extrajudicial dos conflitos familiares, reconhecendo tanto a autonomia e liberdade dos sujeitos no planejamento familiar, quanto a necessidade de uma intervenção mínima do Estado nas relações familiares, legítima apenas como forma de proteção contra toda violação de direitos fundamentais.
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