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Doze anos depois: avanços e desafios para a implementação da Política de Autocomposição no Brasil
Juliano Carneiro Veiga
Juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais 2o Vice-Presidente do Fórum Nacional da Mediação e da Conciliação
A resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça, de 29 de novembro de 2010, dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, objetivando assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade (art. 1o).
Doze anos após o advento da referida resolução, percebe-se que o caminho percorrido trouxe importantes avanços no incentivo da adoção dos denominados meios consensuais de resolução de controvérsias, como a mediação e a conciliação, alargando as vias de acesso a diferentes metodologias de abordagem, tratamento e resolução dos conflitos de interesses. Dentre essas conquistas, podemos destacar algumas:
- criação de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos – NUPEMECs – em todos os Tribunais de Justiça, responsáveis pela implementação e gestão da política autocompositiva no âmbito da respectiva competência;
- instalação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSCs - em diversas comarcas dos Estados Brasileiros;
- realização de inúmeros cursos de capacitação de conciliadores, mediadores e facilitadores;
- promulgação do Código de Processo Civil e da Lei de Mediação, ambos de 2015, que encamparam diversas diretrizes da resolução 125/2010 e trouxeram normas basilares para o fortalecimento da autocomposição.
No atual passo da caminhada, além de celebrar as importantes conquistas do trajeto já percorrido, urge refletir sobre os aspectos que precisamos melhorar para que o caminho seja de fortalecimento e consolidação dessa política de tratamento adequado dos conflitos de interesses. Não obstante o número de CEJUSCs instalados, o momento exige um diagnóstico da qualidade dos serviços prestados e da concretude dos objetivos normativos delineados pelas inovações legislativas e pela própria resolução n. 125/2010.
Embora ainda esteja em curso um amplo diagnóstico da implementação da Política Autocompositiva em todo o Brasil, realizado em conjunto pelo CNJ e pelo FONAMEC (Fórum Nacional da Mediação e Conciliação, que reúne representantes dos NUPEMECs de todos os Tribunais de Justiça), é possível já antever alguns pontos sensíveis para a nossa reflexão:
- houve real ampliação dos métodos e abordagens para o tratamento e resolução adequada dos conflitos ou nossos Centros continuam realizando apenas a conciliação, na forma como era realizada antes do advento das inovações normativas?
- os facilitadores (conciliadores/mediadores) estão devidamente capacitados para a condução dos procedimentos autocompositivos ou continuam atuando sem qualificação, na base do improviso e de maneira atécnica?
- houve estruturação dos CEJUSCs para oferecer ao jurisdicionado um serviço de qualidade?
- os advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público estão cumprindo seu papel de estimular a adoção dos métodos consensuais de solução de conflitos?
- nossos índices de êxito da autocomposição refletem um efetivo comprometimento com a resolução consensual das controvérsias ou permanece a visão de que essa disposição é mera formalidade normativa a ser cumprida?
Ademais, não obstante a Resolução n. 271/2018 do CNJ já tenha fixado parâmetros de remuneração a ser paga aos conciliadores e mediadores, ainda enfrentamos dificuldades para garantir que tais profissionais sejam remunerados adequadamente e possam investir em capacitação e profissionalização no exercício dessa importante função.
Além disso, embora a Resolução n. 282/2019/CNJ tenha alterado a Resolução n. 219/2016/CNJ para atribuir ao CEJUSC a condição de unidade judiciária, poucos são os CEJUSCs que contam com uma estrutura de pessoal capaz de realizar adequadamente todas as funções que devem ser desempenhados pelo CEJUSC.
Percebe-se, assim, que a concretização dos objetivos que norteiam a implementação da Política de Autocomposição no Brasil demanda, ainda, um efetivo compromisso de todos os atores e instituições na construção da cultura de paz, com a adoção de ações e iniciativas que viabilizem a priorização da utilização dos métodos consensuais de solução de conflitos, seja dentro ou fora do Poder Judiciário.
Vale registrar, por fim, que todo investimento feito na promoção da resolução negociada e consensual de conflitos, seja de recursos financeiros ou de tempo, proporcionará um retorno muito superior em termos de satisfação dos usuários com os resultados obtidos, redução da beligerância e do recurso à comunicação ou ações violentas, viabilizando importantes conquistas em termos de promoção da humanização, emancipação e cooperação na resolução de conflitos.
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