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O Direito à integridade psíquica
A vida é feita de relações, e sua importância é facilmente demonstrável naquelas que são primordiais - as da família.
Nossa constituição (a corpórea e a psíquica) é resultado de uma conjunção, quiçá uma comunhão material e espiritual, daqueles que nos dão origem e que de nós cuidam. A busca pela origem e a capacidade de reflexão, a respeito de si e dos relacionamentos, são eminentemente humanas e marcam nossa diferença com outras espécies.
Os psicanalistas, na investigação e interpretação da vida mental, revelaram no adulto a influência de sua infância; na criança, a influência de sua primeira infância; no bebê, a influência dos pais e, finalmente, revelaram que estas influências passam consciente e inconscientemente de geração em geração. Temos um passado de relacionamentos que se somam no presente da vida, moldando nossa forma de interpretar o mundo.
Em via de mão dupla com as mudanças que temos assistido em outros campos do saber e nas relações sociais, podemos dizer que o conhecimento trazido pela hermenêutica psicanalítica evoluiu de uma visão mais individualista para uma abordagem relacional. Verificamos que os vínculos são marcados pela dança de amor e agressividade, afetos que são sua matéria-prima, trazendo às vicissitudes de nossos relacionamentos presentes as marcas do que aprendemos no passado.
A ampliação deste conhecimento trouxe, inevitavelmente, a ampliação da nossa capacidade de reflexão do que nos torna humanos e, na mesma via de mão dupla - acompanhando a evolução do conhecimento e das relações sociais -, os Direitos da Personalidade. Antes dispersos na codificação, ganharam um lugar que lhes faz justiça. E o afeto, constitutivo da personalidade, passou a ser valor jurídico.
Nesta esteira têm emergido as demandas por danos morais por abandono afetivo, em função de um conhecimento que colocou às claras a responsabilidade.
Antes, o grito do abandono era mudo e os ouvidos surdos, criando traumas que se repetiam na cena social. A criança e o bebê traumatizados estão presentes no adulto em cenas que se representam nos consultórios, em (re)sentimentos, buscando em vão personagens, e que agora ganham a cena jurídica em busca do remédio legal.
Acolher e legitimar esta demanda é função do Judiciário. Cabe a ele suprir, com a Lei, a falta da obediência à lei da constituição do sujeito, que necessita da convivência e do afeto para sua formação.
Mas bem sabemos que o remédio legal da reparação financeira não é suficiente por si só. A responsabilidade em conhecer a importância do afeto e das relações aponta para o caminho do estabelecimento ou restabelecimento de uma ação comunicativa, em que o passado possa assumir seu verdadeiro sentido e direção, em relacionamentos solidários no presente e no futuro. Não basta descobrir a criança no adulto, o bebê na criança, os pais no bebê e as conseqüências que sua falta lhe faz. Provavelmente aqueles que abandonam também o tenham sido em suas infâncias, em épocas que não necessariamente se tinha a consciência social que se tem na atualidade. O que não os exime e à sociedade da responsabilidade a ser assumida de forma ampla, ao menos no presente, transformando a culpa em verdadeira responsabilidade.
Os abandonos sofridos e a falta de comunicação devem poder ser elaborados não só nos consultórios, nas perícias judiciais, mas mais adequadamente no seio das demandas com a instituição do procedimento da Mediação Interdisciplinar. Essa possibilita uma real mudança na dinâmica das relações, em que o (re)sentimento e a culpa possam vir a encontrar o caminho do sentimento e da verdadeira responsabilidade e restauração.
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