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STJ e as milhas aéreas como herança digital
Patrícia Corrêa Sanches
Presidente da Comissão Nacional de
Família e Tecnologia do IBDFAM
Em recente decisão no REsp nº 1878651-SP sob a relatoria do Ministro Moura Ribeiro, o STJ entendeu que as milhas aéreas sem contraprestação pecuniária, não integram acervo hereditário.
O debate acerca das milhagens e programas de pontuações permeia o mundo jurídico da atualidade, alavancado quanto à possibilidade de integrarem a partilha, seja aos herdeiros em caso de falecimento do titular, ou no caso de desfazimento da sociedade conjugal.
O Recurso Especial manejado possuía, dentre outros, o propósito de decidir sobre a anulação de cláusula do regulamento da empresa aérea TAM que determinava a perda dos pontos acumulados pelo titular falecido. A anulação da cláusula visava determinar que tal pontuação deveria beneficiar os herdeiros por direito de herança. Em defesa, a companhia aérea alegou que o programa de pontuação por fidelidade restaria desvirtuado, pois passaria a beneficiar, não os passageiros habituais e, sim, seus herdeiros.
No entanto, o ponto central está cingido na natureza jurídica da aquisição das milhas aéreas, que pode ocorrer de duas maneiras: a) a título gratuito para prestigiar o passageiro frequente – a cada viagem realizada pessoalmente, recebe-se determinada pontuação por fidelidade; b) a título oneroso – quando o consumidor paga mensalmente, por exemplo, determinada quantia em troca das milhagens.
A ementa do acórdão salienta tratar-se, tão comente, da análise de:
(...) CONTRATO UNILATERAL E BENÉFICO. CONSUMIDOR QUE SÓ TEM BENEFÍCIOS. OBRIGAÇÃO INTUITO PERSONAE. AUSÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA PARA A AQUISIÇÃO DIRETA DOS PONTOS BÔNUS. (...)
Portanto, nota-se que a análise do julgado em fomento, limitou-se às milhas obtidas sem contraprestação pecuniária, e nesses termos, ressalva o relator, Min. Moura Ribeiro, em seu voto:
Sendo assim, porque o pedido inicial não cuida deste segundo tipo de pontuação (pontos adquiridos de forma onerosa) os efeitos deste julgamento devem se limitar àqueles pontos recebidos de forma gratuita pelo consumidor.
O posicionamento do STJ foi acertado ao fazer essa distinção, entendendo que as milhas que não possuem natureza patrimonial, não devem integrar acervo hereditário – portanto, não serão partilhadas aos herdeiros do falecido. Isso se dá, em razão de terem sido adquiridas por deliberação gratuita da companhia aérea em razão da atividade pessoal do passageiro fidelizado. Se não houve sacrifício obrigacional/patrimonial, as milhas não equivalem ao resultado de negócio jurídico oneroso e, por tal razão, não adquirem o caráter patrimonial.
A contrario sensu, as milhas que são frutos do sacrifício patrimonial, com pagamentos periódicos, como aquelas advindas de “clubes de milhagens” – estas sim, podem integrar o acervo hereditário e ser partilhado entre os herdeiros.
Importante ressaltar que essas milhas aéreas, embora possuam natureza patrimonial, não necessariamente equivalem a um valor monetário a ser “ressarcido” pela companhia aérea. Ou seja, o herdeiro pode vir a herdar as milhas e, não, o dinheiro em seu equivalente – o que traz de volta, as milhas, ao palco das discussões jurídicas. Mas veja, se a empresa vendeu as milhas recebendo o pagamento em dinheiro como contraprestação, o que passa a integrar o patrimônio do falecido são as milhas (e não o dinheiro). Lembrando que o dever de ressarcir é consequência de estipulação ou de um ilícito contratual. Portanto, não poderia ser, a companhia aérea, compelida a devolver o dinheiro pago em favor dos herdeiros em um processo de inventário. No entanto, pode ser compelida a transferir a titularidade de determinadas milhas ao herdeiro, nos termos da partilha homologada – sob pena de enriquecimento sem causa por parte da companhia aérea.
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