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IBDFAM 25 anos: Um sonho transformado em realidade
IBDFAM 25 anos:
um sonho transformado em realidade
Maria Berenice Dias1
Rodrigo da Cunha Pereira2
O IBDFAM surgiu do desconforto de ver a desatenção para com o mais humano de todos os direitos: o Direito de Família.
Não só. Também os profissionais que se dedicavam a este ramo do Direito eram considerados como quase advogados de segunda linha.
Contudo, certamente o mais inquietante era a constatação do descompasso entre a lei, a jurisprudência e a vida como ela é.
Isso lá, há 25 anos.
Claro que fomos considerados um bando de delirantes.
Afinal, as pessoas precisam agir segundo as normas legais. E quando não há lei, não há direito. Simples assim.
O Estado elege a forma de como todos devem viver e conviver.
E era assim. Aqueles que ousaram eleger outra maneira de viver, azar deles. Simplesmente não tinham qualquer direito reconhecido. Eram condenados à invisibilidade, a forma mais perversa de exclusão.
Só que não. E foi isso que o IBDFAM construiu – e continua construindo – ao longo da sua trajetória.
A partir do momento que a Constituição da República utilizou a expressão “entidade familiar” para albergar outras formas de convivência, como merecedoras da especial tutela do Estado, tornou-se indispensável buscar o elemento constitutivo das relações de convívio.
E, sem dúvida, identificar o afeto como elemento fundante das relações de conjugalidade e parentalidade foi um dos grandes avanços preconizados pelo IBDFAM. Como categoria jurídica, os vínculos de afetividade geram direitos e obrigações, impondo responsabilidade ética ao afeto.
Essa mudança de paradigmas provocou verdadeira revolução. O conceito de família se pluralizou, tanto que o “Direito de Família” passou a ser chamado de “Direito das Famílias”. Assim, no plural, abraçando as mais diversas formas de convivência como merecedoras de reconhecimento.
O rol constitucional das entidades familiares foi considerado como meramente exemplificativo. Tanto que – outra bandeira do IBDFAM – houve o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar. Do mesmo modo, foi por iniciativa do Instituto assegurado que no registro dos intersexos conste como sexo indefinido.
A elevação do afeto a preceito fundamental ensejou também a dilação dos vínculos parentais.
Houve toda uma movimentação para que fosse incluída a expressão “outra origem”, no art. 1.593 do Código Civil, o que permitiu a inserção da socioafetividade, no conceito de filiação.
Foi assim que surgiu a multiparentalidade, que vem sendo reconhecida de ofício pelo juiz, sem com isso transbordar os limites da demanda. Nada mais é do que o reconhecimento de que alguém pode ter mais de dois pais, se esta for a sua realidade de vida.
Assim, nas ações investigatórias de paternidade, passou-se a incluir a filiação biológica sem a exclusão do nome do pai registral, sempre que é reconhecida a presença do vínculo de filiação socioafetiva com quem procedeu ao registro. Com isso, todos assumem as responsabilidades inerentes à autoridade parental.
Do mesmo modo, reconhecida a presença de vínculo socioafetivo entre o padrasto ou a madrasta que convivem com o enteado, impõe-se o reconhecimento da pluriparentalidade. Ao lado do nome do pai registral é acrescentado o nome de quem também desempenha funções parentais.
Todavia, o IBDFAM foi além. Provocou consequências outras à responsabilidade ética do afeto.
Pleiteada a efetividade das obrigações decorrentes do poder familiar, o descumprimento do dever de cuidado enseja a responsabilização pelo abandono afetivo. Ou seja, a ausência de convívio de quem tem o dever de cuidado – quer dos pais com relação aos filhos, quer destes para com os ascendentes – gera obrigação indenizatória por dano moral e material.
Não parou por aí.
Ora, se o afeto é o vínculo que identifica a entidade familiar, com o fim da convivência, passou-se a reconhecer que é a separação de fato que sinaliza o fim do casamento, fazendo cessar os deveres conjugais e a comunicabilidade patrimonial.
Essa constatação levou à busca de alteração da norma constitucional, que acabou por banir o instituto da separação do sistema jurídico (EC 66/2010).
Com isso, o divórcio é identificado como direito potestativo, ao qual não pode se opor um dos cônjuges. Tanto que passou a ser decretado em sede liminar, mesmo antes da citação do réu.
De outro lado, é de significativo relevo ter o IBDFAM conseguido livrar o crédito de alimentos da incidência do Imposto de Renda.
Foram tantos os avanços que o projeto do Estatuto das Famílias, elaborado pelo Instituto, foi apresentado ao Senado Federal. Claro que esbarrou no conservadorismo de plantão e acabou arquivado.
Apesar de algumas derrotas, os avanços foram muito maiores.
Contudo, nada, absolutamente nada, nos faz esmorecer.
Chegamos aos 25 anos, já tendo somado mais de 20 mil inscritos.
E vamos continuar sonhando, na construção de uma sociedade mais inclusiva, de uma legislação mais protetiva dos segmentos vulneráveis, de uma justiça mais justa e rente à realidade da vida.
E isto não são sonhos delirantes.
A realidade está logo ali.
Só depende de nós.
[1] Jurista, advogada e ex-magistrada brasileira, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice Presidente do IBDFAM nacional.
[2] Jurista, advogado e Presidente do IBDFAM nacional.
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