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E Cuba, Quem diria
E CUBA, QUEM DIRIA
Lourival Serejo1
Expresso-me aqui como membro do Instituto Brasileiro do Direito de Família, que tem buscado o devido reconhecimento do direito de família contemporâneo que abriga as novas relações familiares e os novos desafios da pós-modernidade.
Nessa condição, estamos, nós ibedermanos, entusiasmados com a aprovação, em Cuba, por plebiscito, do Código de las Familias, no qual consta a legalização do casamento homoafetivo e a adoção por casais homossexuais, dentre outras conquistas. O reconhecimento dessa extensão do conceito de casamento é expresso, no referido Código, de maneira bem incisiva, em seu artigo 201: El matrimonio es la unión voluntariamente concertada de dos personas com aptitud legal para ello, com el fin de hacer vida em común, sobre la base del afecto, el amor y respecto mutuos.
Não foi pouca coisa, considerando a história daquela república socialista.
Merece louvor a iniciativa dos cubanos em terem um Código das Famílias. Já fizemos essa tentativa no Brasil, mas o projeto foi arquivado por influência religiosa da maioria dos nossos legisladores.
Um detalhe que merece ser alertado no código cubano é que a palavra “família” está no plural: famílias. Isso significa que por lá já foi absorvida a verdade de que não há mais uma só família modelo, a nuclear, formada sob inspiração da Família Sagrada: pai, mãe e filho. Hoje a família apresenta uma pluralidade de formações. Isso é um fato que não se pode negar. Está inclusive na nossa Constituição. E, seguindo esse entendimento, logo no primeiro artigo do código cubano, está prescrito: Las normas contenidas en este Código se aplican a todas las famílias cualquiera que sea la forma de organización que adopten y a las relaciones jurídico-familiares que de ellas se deriven entre sus membros, y de estos con la sociedad y el Estado.
Se o casamento entre pessoas do mesmo sexo existe no Brasil é por força de decisão do Supremo Tribunal Federal. Nossos legisladores, até hoje, não tiveram coragem de alterar o Código Civil para, em vez de admitir só uma forma de casamento (entre um homem e uma mulher), passarem a considerá-lo como uma “união entre duas pessoas.”
Essa mudança política cubana em relação aos gays é uma guinada de cento e oitenta graus, equiparando Cuba aos países onde há muito tempo vigoram leis tratando dessa matéria.
Após a Revolução, os homossexuais foram perseguidos de forma sistemática, a ponto de serem mandados para as plantações de canas ou para as prisões.
Essa repressão aos homossexuais refletiu-se na literatura cubana de maneira acentuada, condenando vários escritores ao abandono ou ao exílio. Ressalto Vigilio Piñera e o escritor Reinaldo Arenas, autor de notáveis romances, e que, exilado em Nova York, acabou ali falecendo. José Lezama Lima, autor do monumental Paradiso, optou por ficar em Havana, não obstante as humilhações que sofreu por sua orientação sexual.
Por que almejamos um Código das Famílias para o Brasil? Qual o sentido de termos um Código das Famílias se em nosso Código Civil há um livro dedicado ao direito de família? Ocorre que as relações familiares, nos últimos anos, têm alcançado sucessivas inovações, que escapam à previsão por um código. Tais alterações serão mais fáceis de serem absorvidas em um código separado, por ser mais objetivo e por criar um microssistema, como o das relações consumeristas.
Como se vê, caros leitores, minha admiração, expressa no título, tem razão de ser. Um país que se notabilizou pela repressão intensa que fazia aos homossexuais, agora aprova tranquilamente um Código das Famílias admitindo os casamentos homoafetivos e muitos outros avanços que vêm ocorrendo no círculo familiar, merecendo nosso reconhecimento, em nome do direito das famílias.
Nós, ibedermanos, temos motivos, portanto, para comemorar o resultado do plebiscito cubano.
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