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Novas regras sobre reprodução humana assistida: Resolução nº 2320- 22 do CFM
Laura Affonso da Costa Levy[1]
As normas deontológicas que regulam a utilização das técnicas de reprodução humana medicamente assistida no Brasil foram atualizadas pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução nº 2320/2022, na data de 20 de setembro de 2022. A nova resolução entra em vigor e revoga a Resolução CFM nº 2.294/21.
A revisão do número de embriões gerados em laboratório, a maioridade necessária para doação de gametas, a consonância com a Lei de Biossegurança e alternativas à relação com cedentes temporárias de útero são algumas das principais alterações.
As técnicas de RA têm o papel de auxiliar no processo de procriação humana, podendo ser utilizadas para doação e preservação de gametas e para a preservação de embriões e tecidos germinativos, desde que exista possibilidade de sucesso e baixa probabilidade de risco grave à saúde dos envolvidos. Assim, visa atender às infertilidades médicas e não médicas, no intuito de auxiliar na efetivação do Projeto Parental.
Vale fazer referência aos principais pontos trazidos na Resolução CFM nº 2320/22:
Criopreservação – O número total de embriões gerados em laboratório não é mais limitado, devendo os pacientes, em comunhão com a equipe médica, decidir sobre quantos serão transferidos a fresco, conforme orientações previstas na norma. Os excedentes devem ser criopreservados.
Antes da geração dos embriões, os pacientes devem informar por escrito o destino a ser dado aos criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável, falecimento de uma das partes ou de ambas, sendo a doação uma possibilidade.
Gestação de substituição – Neste ponto, a Resolução CFM nº 2.320/22 traz mais uma novidade: na impossibilidade de atender à relação de parentesco, prevista na regra, uma autorização de excepcionalidade pode ser solicitada ao Conselho Regional de Medicina (CRM) da jurisdição. Situação que já era utilizada, haja vista que as excepcionalidades são alvo de decisões junto ao órgão de classe.
A relação de parentesco define-se assim: primeiro grau – pais e filhos; segundo grau – avós e irmãos; terceiro grau – tios e sobrinhos; quarto grau – primos. Como explica a Resolução, a cessão temporária de útero permanece sendo uma possibilidade quando existir condição que impeça ou contraindique a gestação, devendo a cedente ter pelo menos um filho e ser parente consanguínea de até quarto grau de um dos parceiros.
Os contratantes dos serviços, tanto na esfera pública quanto privada, continuam tendo a responsabilidade de garantir, até o puerpério, tratamento e acompanhamento médico e/ou multidisciplinar à mulher cedente do útero. E, para que a gestação de substituição ocorra, é necessário relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos, compondo o prontuário da paciente.
Doação – A resolução explicita que a doação de gametas somente pode ser realizada a partir da maioridade civil, permanecendo o limite de 37 anos para mulheres e de 45 anos para homens. Ainda, esclarece que cedente temporária do útero não pode ser a doadora dos óvulos ou embriões.
Exceções ao limite da idade feminina são possíveis nos casos de doação de oócitos e embriões previamente congelados ou em caso de doação familiar de parente até quarto grau, desde que a(os) receptora(es) seja(m) devidamente esclarecida(os) sobre os riscos que envolvem a prole.
No ponto, vale esclarecer que a regra geral é de anonimato entre doador e receptor de material genético, mas a atual resolução, assim como a anterior, abre exceção à doação de gametas ou embriões por parente de um dos parceiros de até quarto grau, desde que não incorra em consanguinidade.
Embriões e idade – A nova regra deontológica manteve a delimitação do número de embriões a serem transferidos de acordo com a idade da receptora e com as características cromossômicas do embrião. Mulheres de até 37 anos podem implantar até dois embriões. Acima dessa idade, cada uma poderá transferir até três. Em caso de embriões euplóides (com 46 cromossomos), a resolução delimita a implantação em até dois embriões, independentemente da idade. Em caso de gravidez múltipla, a redução embrionária permanece proibida.
A Resolução manteve a idade máxima das candidatas à gestação por RA em 50 anos, permitidas exceções com base em critérios fundamentados pelo médico responsável.
Em relação ao descarte condicionado de embriões criopreservados, a nova orientação deixa de compor o texto da norma, destacando a Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) como marco norteador do tema.
Aqui um dos pontos de maior conflito na redação anterior, na qual determinava a necessidade de autorização judicial para o descarte, corroborando com a ampliação da judicialização da saúde, bem como limitando a autonomia do paciente.
Urge lembrar que não há normas legais no Brasil que disciplinam a temática, sendo utilizadas as regras deontológicas do CFM. No ponto, o Código Civil de 2002 tão somente previu a presunção de filiação quando o filho provém de técnicas de reprodução assistida, deixando inúmeras lacunas que são respondidas pela Bioética e Biodireito.
[1] Mestre em Bioética pela UMSA/AR; Especialista em Bioética pela PUC/RS; Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade IDC; Consultora em Biodireito na Complex Consultoria Jurídica Integral e Integrada; Professora Universitária na UCS e Verbo Jurídico; Secretária-Geral e Fundadora do Instituto Proteger; Diretora Estadual do IBDFAM/RS; Diretora de Educação do Centro Integrare; Membro do Departamento de Bioética do IARGS.
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