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O alvo agora são os advogados
Nos últimos meses, a comunidade advocatícia assistiu uma vez mais, perplexa e com grande indignação e repúdio, aos atos do Poder Judiciário, que tem autorizado procedimentos e ações policiais em execuções de mandados de busca e apreensão, permitindo a invasão literal de vários escritórios de advocacia, obrigando advogados a entregar documentos de clientes que estavam sob sua guarda e vasculhando arquivos, pastas e bancos de dados em computadores.
Pois bem, esse lamentável fato, que podemos caracterizar como uma espécie de tentativa de mutilação da advocacia, pois invade nossa relação (com clientes) e provoca ruidoso abalo no exercício de nossa profissão, tem se tornado freqüente nos grandes centros do País. Os mandados são executados pelos policiais de forma abusiva, autoritária e constrangedora, conforme tem sido divulgado pela imprensa nacional. Isso vem sendo motivo de protestos de várias entidades de respeito junto ao Ministério da Justiça, como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, a Associação Paulista de Advogados, a Ordem de Advogados de São Paulo e, em âmbito goiano e nacional, a Associação Goiana dos Advogados e Associação Brasileira de Advogados – Seção de Goiás.
Esse comportamento da Justiça e da força policial caracteriza-se como violenta transgressão às prerrogativas do advogado, pois, conforme estabelece a Lei Federal 8.906/1994, que criou o Estatuto da Advocacia e a OAB, é por demais notório de todos os que militam e aplicam o Direito que “o advogado é indispensável à administração da Justiça, presta serviço público e exerce função social”.
Nesse mesmo estatuto da advocacia, em seu inciso 11, artigo 7º, lemos que é assegurado ao advogado a “inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive, telefônicas ou afins”, e violar essa lei é transgredir com violência indescritível as prerrogativas da advocacia, é conspurcar o direito estabelecido.
Creio que o cumprimento de um mandado de busca e apreensão que envolva a banca de um advogado deve, antes, revestir-se das garantias de que as prerrogativas profissionais serão rigorosamente respeitadas, pois havendo desrespeito ao sigilo profissional dos advogados, estará verificada afronta ao direito de defesa de seus clientes. Vale lembrar que nem no período mais dantesco da ditadura militar, quando nem era preciso mandado judicial para agir, a polícia desrespeitou o princípio da inviolabilidade do relacionamento entre cliente e advogado.
Diante dessa grave situação, que emerge já na expedição de ordens de busca e apreensão genéricas solicitadas em termos vagos e desprovidos de clareza e fundamentação, aliada, posteriormente, à não limitação da ação policial, permitindo os atos teatrais costumeiros sempre acompanhados por equipes de televisão, temos que restou caracterizada a mais pura violação às prerrogativas da advocacia e que esta deve ser efetivamente criminalizada. O que não se pode mais admitir é essa forma violenta e truculenta de se tratar a banca de um advogado.
Como advogados – e cidadãos – não devemos aceitar que esses novos atos de arbitrariedade, que nos remetem a porões de regimes ímpios, nos enverguem e possam ameaçar aquilo por que tantos de nós têm lutado, que é a solidificação de um Estado de Direito verdadeiramente democrático.
Marcelo Di Rezende Bernardes é advogado, especializando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Católica de Goiás, diretor da Associação Brasileira de Advogados – Seção de Goiás e delegado federal da Associação Goiana dos Advogados |
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