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Nem tudo o que reluz é ouro, pode ser colação!
Izaura Fabíola Lins de Barros Lôbo Cavalcanti -Advogada na área de Direito de Família – Sucessão -Notarial e Registral, pós-graduada em Direito Processual, Direito Notarial e Registral (fabiolacavalcanti.adv@gmail.com). Autora de artigos jurídicos publicados em livros e em sites jurídicos.
Como diz o ditado popular, nem tudo que reluz é ouro. Logo, o herdeiro necessário que recebe de seu genitor um carro por ter passado no vestibular, por exemplo, é obrigado a devolver o carro ou o seu valor, para compor a massa patrimonial do inventário do seu pai, sob pena de sonegação.
A colação é o resultado de uma doação mal orientada. Difícil encontrar um donatário que de livre vontade anseie devolver o bem recebido, tendo que trazê-lo ao inventário a fim de igualar os quinhões dos herdeiros necessários. Mas é o que acontece quando a doação é feita sem a cláusula de dispensa de colação.
A doação bem planejada feita aos herdeiros necessários para ser válida e eficaz, deve observar as formalidades legais e não apresentar vício de vontade. Doar o bem ao herdeiro necessário sem a expressa dispensa de colação é antecipação de herança e por isso o donatário deve trazer esse bem para o inventário. É isso mesmo, precisará devolver o que recebeu antecipadamente, de forma a evitar a desigualdade de valores entre os herdeiros.
Explanam Farias; Rosenvald; Braga Netto (2021, p. 1502) sobre a definição do termo:
Chama-se colação o ato pelo qual o descendente, cônjuge ou companheiro beneficiado pela transferência gratuita feita pelo de cujus, em vida, promove o retorno da coisa, ou do seu valor, excepcionalmente, ao monte partível, para garantir a igualdade de quinhões entre os herdeiros necessários (CC, art. 2002).
Ensina Dias (2020, p. 215):
Os herdeiros que recebem doações em vida, quando da morte do doador, precisam trazê-las à colação. Esta obrigação é imposta aos descendentes (CC 2.002) e aos cônjuges (CC 2.003) para igualar as legítimas. Isso porque doações dos ascendentes aos descendentes são reconhecidas como adiantamento de legítima (CC 544).
O Código Civil trata da colação nos artigos 2.002 a 2.010, e o Código de Processo Civil o faz em seus artigos 639 a 641 (BRASIL, 2002). Logo de início, percebe-se que a finalidade da colação é igualar as legítimas dos herdeiros, de forma que aquele que foi beneficiado pelo autor da herança deve devolver o bem.
Caso não mais exista o bem, a devolução será feita sobre o valor estimado ao tempo da doação, para que a igualdade das cotas seja respeitada entre os herdeiros necessários. A fração da herança devolvida volta para a legítima e não para a parte disponível. A devolução incide sobre o valor dos bens doados sem os acréscimos decorrentes das benfeitorias, rendimentos ou lucros, pois estes pertencem ao herdeiro donatário.
Nesse diapasão, apregoam Oliveira e Amorim (2018, p. 347-348).
A matéria tem liame com as disposições sobre o direito dos herdeiros necessários à metade dos bens. É o resguardo à legítima, de que trata o artigo 1.846 do Código Civil. Calcula-se a legítima somando à metade dos bens do testador a importância das liberalidades por ele feitas aos descendentes e que ficam sujeitas à colação.
A doação feita ao herdeiro necessário, sem cláusula de dispensa da colação, obriga aquele que recebeu a devolver o bem, ainda que este já tenha falecido. Nesses casos, os filhos do herdeiro necessário terão de devolver o que seus pais receberam em adiantamento de herança, ainda que nem sequer tenham herdado esse bem de seus pais.
Nota-se, portanto, o quanto uma doação realizada sem observância das normas é capaz de causar prejuízo ao herdeiro que foi beneficiado pelo seu ascendente em vida. Daí a importância de colocar a cláusula de dispensa da colação no próprio título da doação ou em testamento, declarando expressamente que o que está sendo doado sai da parte disponível. Dessa forma, evita-se que o herdeiro tenha de prestar conta de algo que recebeu de seu ascendente quando este ainda era vivo.
Além disso, o herdeiro que renunciar à herança ou dela for excluído não está dispensado de trazer à colação o bem recebido por seu ascendente em vida. Deverá prestar contas do que recebeu apesar da renúncia ou da exclusão, conforme o art. 640 do Código de Processo Civil.
Acrescentam Rosa e Rodrigues (2020, p. 418-419):
Diante dessa obrigação, sob pena de caracterização de sonegação, o herdeiro possui o prazo de 15 dias, contados da juntada de todas as citações (artigo 627 do CPC), para conferir por termo nos autos ou por petição à qual o termo se reportará os bens que recebeu ou, se já não os possui, trar-lhe-á o valor.
Segundo Faria (2019, p. 358-359):
[...] A doutrina interpretando o mandamento legal, somente tem admitido a dispensa de colação, quando feita no próprio título da liberalidade, isto é, no momento da doação, ou, se posteriormente, deve sê-lo através do testamento. A doação é um contrato, em que uma pessoa por liberalidade, transfere de seu patrimônio para o de outra, que os aceita. É o teor do artigo 1.165 da lei citada. Como contrato que é, está a doação sujeita a todas as normas reguladoras dos atos jurídicos desta espécie.
Por todo o exposto, cabe mencionar o que explana Dias sobre a colação no inventário extrajudicial (2020, p. 787):
A possibilidade de o inventário ser feito extrajudicialmente não subtrai a obrigação dos herdeiros necessários de trazerem à colação os bens que receberam a título de adiantamento de legítima. Como há consenso entre os herdeiros, não cabe ao tabelião interferir na divisão amigável feita pelas partes. De qualquer forma, o fato de existirem bens a serem trazidos à colação não impede o uso da via extrajudicial, apesar de não excluir o direito dos herdeiros à igualdade sobre a herança legítima. A falta de colação não livra o herdeiro da passibilidade de ser reconhecido como sonegador, o que pode levar à perda do excesso recebido por doação (CC 1.992). Basta ter omitido o recebimento dos bens na escritura de inventário.
Por fim, a colação sem cláusula de dispensa pode se tornar um pesadelo para quem a recebe, pois quando menos esperar terá de devolver o bem que recebeu; se não mais o possuir, deverá devolver o valor equivalente. Cabe ainda destacar que a doação exige a manifestação dos dois lados: de quem doa e de quem recebe. Vale lembrar também que há incidência tributária no contrato de doação. Como já dito, a doação é um contrato e, como tal, deve observar as normas que lhe são impostas.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 7. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
FARIA, Mario Roberto Carvalho de. Direito das Sucessões: teoria e prática. 9. ed. Rio de Janeiro: Florense, 2019.
FARIAS, Cristiano Chaves de.; BRAGA NETTO, Felipe; ROSENVALD, Nelson. Manual de Direito Civil. Volume Único. 6. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
OLIVEIRA, Euclides; Amorim, Sebastião. Inventário e Partilha: teoria e prática. 25. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
ROSA, Conrado Paulino da; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e Partilha. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
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