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Pensão alimentícia pautada na fixação de valor mínimo: uma questão de dignidade humana?
CAMARGO, Janaina Baina da Cunha[1]
Resumo: Com o presente trabalho pretende-se fazer uma breve exploração e reflexão quanto a possível limitação jurídica trazida pelo projeto de Lei 420/2022 que propõe a fixação de valor mínimo para pensão alimentícia, qual seja 30% do salário mínimo vigente. Para tanto, pretende-se trazer a baila questões fáticas e direitos que permeiam o indivíduo beneficiário de pensão alimentícia e obrigado ao pagamento de alimentos, assim como seus efeitos jurídicos diante da possível determinação legal de valor mínimo para pensão alimentícia. Trata-se de um estudo com fundamentação legislativa, jurisprudencial e doutrinária, considerando limitação jurídica individual, aspectos que surgem com esta limitação e que afeta a dignidade da pessoa envolvida nesse contexto, seja sob a perspectiva pessoal e individual, seja sob a perspectiva legal. Aponta-se a importância do tema para o ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que o tema gera dilema e precisa ser pensado a luz da Constituição Federal.
Palavras-chave: Alimentos. Pensão alimentícia. Dignidade humana. Limitação jurídica.
Abstract: The present work intends to make a brief exploration and reflection on the possible legal limitation brought by the bill 420/2022 that proposes the establishment of a minimum amount for alimony, which is 30% of the current minimum wage. Therefore, it is intended to bring up factual issues and rights that permeate the individual beneficiary of alimony and obliged to pay alimony, as well as their legal effects in the face of the possible legal determination of a minimum amount for alimony. This is a study with legislative, jurisprudential and doctrinal grounds, considering individual legal limitation, aspects that arise with this limitation and that affect the dignity of the person involved in this context, whether from a personal and individual perspective, or from a legal perspective. The importance of the theme for the Brazilian legal system is pointed out, considering that the theme generates a dilemma and needs to be thought in the light of the Federal Constitution.
Keywords: Foods. Alimony. Human dignity. Legal limitation.
Para melhor entender a questão é preciso compreender alguns conceitos que permeiam o direito aos alimentos sob a perspectiva legal e social. Primeiramente, destaca-se que a pensão alimentícia se dá pela obrigação de prestar alimentos de quem a Lei determina ser necessário para subsistência de outro. O artigo 1.694 do Código Civil diz:
Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação
§1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
A obrigação de alimentos ocorre em casos em que a pessoa que a pretende não possui capacidade de prover o seu próprio sustento, sendo que a pessoa obrigada à prestação de alimentos o fornecerá na medida em que não lhe traga prejuízo a mantença de sua subsistência.
Nesta seara, cabe dizer que, como menciona Rosa (2018, p.484) os alimentos são identificados por espécies. Alimentos gravídicos, alimentos transitórios, alimentos provisionais e provisórios, alimentos intuitu familiae, alimentos compensatórios, definitivos são espécies de alimentos consideradas no Direito de Família.
De maneira sucinta, os alimentos gravídicos fazem referência às necessidades do nascituro, tendo legitimidade para o seu pedido a gestante durante o período da concepção até o parto; os alimentos transitórios é a prestação de alimentos por tempo determinado ou até que seja implementada alguma condição considerada no caso em concreto; os alimentos provisionais ou provisórios são determinados para a mantença do alimentado durante a tramitação do processo e julgamento da demanda de alimentos; os alimentos intuitu familiae são aqueles determinados em um montante de modo a abranger todo o grupo familiar, os alimentos compensatórios têm relação com o restabelecimento do desequilíbrio econômico posterior a separação de um casal ou ainda em situação em que após esta separação um dos integrantes da relação ficou em posse exclusiva do patrimônio adquirido pelo casal; os alimentos definitivos substituem os alimentos provisionais.
A obrigação de alimentos é determinada sob a perspectiva de três pilares: proporcionalidade, necessidade e possibilidade. Na determinação dos alimentos, deverá ser considera a proporção entre a necessidade de quem receberá os alimentos e a possibilidade de quem estará obrigado à prestação de alimentos.
A prestação alimentícia é, portanto, uma prestação de cunho econômico destinada a suprir as necessidades básicas de subsistência, sustento e mantença da dignidade de certa pessoa – os parentes, os cônjuges ou companheiros.
Neste sentido, diz Rolf Madaleno com base em Yussef Said Cahali:
A obrigação alimentar está fundada sobre um interesse de natureza superior, detendo um caráter de ordem pública das normas disciplinadoras da obrigação legal de prestar alimentos, não se resumindo aos interesses privados do credor, mas, com atuação que respeita a faixa geral da sociedade, com destacado conteúdo ético pelo fato de as regras que o governam estarem relacionadas à integridade física e moral da pessoa, sua digna subsistência e personalidade, portanto, consubstanciando-se em direitos fundamentais da pessoa humana.
No que diz respeito à prestação de alimentos de pais para filhos, é sabido que os pais têm o dever de sustento para com os filhos, como determina o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ocorre que, sob uma perspectiva social, na realidade de pais separados/divorciados ou que não seguem em relacionamento amoroso, o dever de sustento não é cumprido ou na maior parte dos casos há discrepância na efetivação desse dever entre os genitores. Sabe-se que existe a dura realidade da busca pelo pagamento da pensão alimentícia de forma judicial para que haja condições mínimas de sustento e dignidade dessa criança. Isso porque são situações em que não há o sustento da prole de forma voluntária. É o que aponta notícia do portal Unit (2021):
Segundo as últimas pesquisas feitas sobre o assunto pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aproximadamente 34,4 milhões de domicílios são comandados por mulheres que precisam dividir o trabalho externo com a criação dos filhos, as tarefas domésticas e a administração das contas.
Na maioria dos casos, elas tocam essa rotina sozinhas, sem apoio da família e muito menos de parceiros ou esposos, que quando não morrem, nem adoecem e nem são presos, simplesmente abandonam o lar, a causa de pelo menos 90% dos casos das chamadas “mães-solo”, como estima a professora Tatiana da Hora, titular do curso de Direito e coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco).
“A gente tem um volume muito grande de crianças que nem sequer foram reconhecidas pelos pais e de crianças que, embora reconhecidas, as mães foram deixadas pelos pais das crianças. O abandono é completo, não é exclusivamente material, seja pelo não reconhecimento do filho ou pelo abandono puro e simples”, pontua ela.
É nesse contexto, e infelizmente na grande maioria das vezes, que as ações de alimentos são apresentadas em Juízo. Sob a perspectiva legal, tem-se o direito aos alimentos e a sua irrenunciabilidade, no caso dos filhos menores. Deste modo, está fazendo a sua parte o genitor ou genitora que mesmo que contenciosamente enfrenta o longo e duro caminho processual em busca da efetividade do direito e subsistência de seu filho.
Ressalta-se, ainda pela perspectiva legal, como mencionado anteriormente, a pensão alimentícia em juízo é analisada com base no trinômio “necessidade/possibilidade/proporcionalidade”. Entende-se que exatamente por objetivar atender as peculiaridades das famílias que a fundamentação da fixação de alimentos está nesse trinômio – e aqui convém salientar que o sustento de uma criança/filho é dever dos pais, sendo a obrigação proporcional a capacidade destes. Assim, não há no ordenamento jurídico brasileiro norma que determine valor mínimo para pensão alimentícia, exatamente porque a determinação de alimentos é pautada nas peculiaridades das famílias, o trinômio mencionado.
Todavia, há em tramitação Projeto de Lei 420/2022 que propõe a fixação de valor mínimo da pensão alimentícia em 30% do salário mínimo vigente. A proposta está justificada em suposta lacuna jurídica de ausência de previsão de valor mínimo para determinação de pensão alimentícia e na impossibilidade de sustento da criança ou pessoa beneficiária de alimentos com valor inferior ao percentual mencionado – que hoje atinge o montante de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). O referido Projeto de Lei faz menção à possibilidade de exceções quando o mínimo estabelecido ultrapassar 30% (trinta por cento) do valor da remuneração do alimentante.
Ressalta-se que deve-se entender que o percentual, pago por uma pessoa a outra pessoa, pode não corresponder ao valor total de sustento do alimentado. Em caso de filho menor, por exemplo, haverá em tese mãe e pai para contribuir com o sustento do filho. Assim, não necessariamente o percentual sob o salário mínimo vigente será o valor total para o sustento do beneficiário da pensão alimentícia
De fato, é de se pensar que valor inferior ao citado é baixo e que dificilmente garante o sustento de um indivíduo, criança ou não, beneficiário de pensão alimentícia. Em contrapartida, tem-se outro indivíduo, o que fornecerá os alimentos e que, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 1964 do Código Civil, o fará de forma proporcional a sua possibilidade. Diz Orlando Gomes (s.d.):
“Ainda, porém, que faça jus ao recebimento da prestação alimentar, por estar em condições de reclamá-la, o alimentando não poderá exercer o seu direito se aquele contra o qual pode manifestar a pretensão não estiver em condições de satisfazê-la”. [...]
A potencialidade econômico-financeira da pessoa de quem podem ser exigidos os alimentos é, assim, um pressuposto da obrigação, tal como a necessidade do alimentando. Não basta que um precise; importa, igualmente, que o outro possa dar, mas se há vínculo de família e o interessado se encontra em estado de miserabilidade, a obrigação existe, sendo apenas inexequível. A impossibilidade de execução é arrolada entre seus pressupostos porque a natureza da obrigação impossibilita sua formação. Há impossibilidade econômica de prestar alimentos quando o devedor não pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu sustento. Esse critério adotado no direito pátrio é muito rigoroso, porquanto a situação econômica do obrigado pode ser de tal ordem que a prestação de alimentos, embora não sacrifique no seu sustento atual, representará um encargo que venha agravá-lo...”.
Ademais, é de se pensar que se de um lado há a possibilidade de se viabilizar o sustento e dignidade humana de uma pessoa (alimentado), de outro lado há a possibilidade de prejuízo ao sustento e dignidade humana de outra pessoa (alimentante). O estabelecimento de piso mínimo para prestação de alimentos pode prejudicar o próprio sustento do alimentante.
Nota-se que o PL 420/2022 parte de um ponto de vista generalista e superficial, além de considerar uma possível lacuna jurídica quanto ao piso mínimo estabelecido por ela. Antes de se considerar o valor mínimo para prestação de alimentos deve-se analisar a capacidade financeira desse indivíduo em fornecer os alimentos e a necessidade do indivíduo em receber alimentos.
Assim, o estabelecimento de valor mínimo para obrigação em questão acaba por colocar em escanteio o trinômio fundamentador de tal obrigação, sendo limitação jurídica às peculiaridades das famílias. Mister, ainda, dizer que a prestação de alimentos, segundo o Código Civil, pode ser revista a qualquer momento – o que permite sua majoração de acordo com as circunstancias apresentadas em Juízo. Assim diz o artigo 1.699 do Código Civil:
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Não se identifica a ausência de valor mínimo como lacuna jurídica, já que o ordenamento jurídico brasileiro, acaba por abordar o mínimo para prestação alimentícia com base na proporção da necessidade e possibilidade verificadas no caso concreto. Neste sentido, o parágrafo primeiro do artigo 1.694 do mesmo diploma jurídico aponta que os alimentos são determinados na proporção das necessidades do alimentado e nos recursos da pessoa obrigada. Fica evidente que a determinação de um piso mínimo para pensão alimentícia contraria o ordenamento jurídico brasileiro.
Mister dizer que a menção à possibilidade de exceções quando o percentual previsto em lei for superior ao percentual dos rendimentos do alimentante enfraquece a fundamentação do Projeto de Lei em questão. Ora, em muito se fala na dificuldade processual quanto a comprovação da renda mensal de quem está obrigado ao pagamento de pensão alimentícia e é o que se pode verificar na jurisprudência, pautada em comprovação de renda do alimentante para fixação dos alimentos. Há intensa ocorrência de omissão da verdadeira renda e capacidade financeira nas ações de alimentos. Assim, não há como não pensar que o Projeto de Lei citado poderia ser uma maneira de impulsionar a ocorrência dessa omissão.
Válido mencionar os casos em que o alimentante é autônomo ou está desempregado. Muitas das vezes a comprovação da renda mensal dessa pessoa se torna muito difícil, seja pela apresentação de provas pelo alimentado, seja por meio produção de prova no decorrer do processo. Deste modo, entende-se que a proposta de Lei além de recuar no mínimo estabelecido, o que aponta análise de proporcionalidade dos recursos comprovados pelo alimentante, sendo este fundamento da lei vigente; acaba por considerar que a pensão alimentícia poderá ter base de rendimentos inferior ao salário mínimo – já que em se tratando de exceções, o mínimo estabelecido para pensão alimentícia não pode ultrapassar 30% (trinta por cento) do valor da remuneração do alimentante. Diz o referido projeto de Lei:
Art. 1º Institui-se um piso salarial para pagamento de pensão alimentícia em valor correspondente à 30% (trinta por cento) do valor do salário mínimo vigente.
Art. 2º O valor pré-determinado será considerado como o mínimo pleiteado e os demais quantitativos ficarão a cargo do magistrado.
Art. 3º Caberá exceções quando o mínimo estabelecido ultrapassar 30% (trinta por cento) do valor da remuneração do alimentante.
Deste modo, ao mesmo tempo que há o embate com normas já vigentes, já que o estabelecimento de piso pressupõe a capacidade financeira do alimentante, há redundância de que o piso estabelecido deve ser de acordo com a capacidade financeira do alimentante, pois o piso estabelecido não pode ser maior do que o valor que corresponde a 30% da remuneração do alimentante. Assim, o alimentante que tem comprovação de renda inferior ao salário mínimo vigente, pagará valor inferior a 30% do salário mínimo vigente. É a partir daí que começam os questionamentos quando a situação fática em processo judicial que conta com alimentante desempregado, autônomo, sem vínculo empregatício. Nestes casos, em que há grande dificuldade de comprovação de renda, a omissão de rendimentos poderá ser impulsionada, o que certamente prejudicará o alimentado.
Assim, é possível verificar que apesar do objetivo do projeto de Lei mencionado ser o de garantir a dignidade humana do alimentado, estabelecendo valor mínimo para subsistência, contraria o critério trinômio para determinação de alimentos com o estabelecimento de piso mínimo fixo e estimula a ocultação de renda, já que em caso de não ser comprovada renda maior ou igual a um salário mínimo deverá ser considerado valor igual ou inferior a 30% do salário mínimo vigente. Neste sentido, não se verifica benefício ou vantagem para o alimentado, como objetiva o presente projeto de Lei.
Diante do exposto, mister se faz dizer que há posicionamento firme nas decisões das ações de alimentos que tomam por base o trinômio mencionado e a comprovação trazida aos autos:
Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.100881-6/001
1008824-25.2022.8.13.0000 (1)
Relator(a): Des.(a) Ivone Campos Guilarducci Cerqueira (JD Convocado)
Data de Julgamento: 30/06/2022
Data da publicação da súmula: 05/07/2022
Ementa:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MINORAÇÃO ALIMENTOS PROVISÓRIOS - PORCENTAGEM DE 30% PARA 25% DO SALÁRIO MÍNIMO - DEMONSTRAÇÃO DA NÃO POSSIBILIDADE - REFORMA DA DECISÃO.
- Para minorar a verba alimentar provisoriamente fixada deverá ser observada a proporcionalidade entre as necessidades de quem reclama o sustento e a possibilidade de quem vai arcar com a obrigação, analisando-se caso a caso.
- Restando demonstrada a impossibilidade do alimentante, o percentual fixado pelo d. Magistrado de primeiro grau deve ser reduzido, atendimento sempre as balizas legais do trinômio necessidade/possibilidade/proporcionalidade.
(...)
Portanto, levando em consideração os fatos aqui deduzidos, resta indubitável a obrigação do genitor ao pensionamento da filha menor, contudo, contudo impõe-se sejam sopesadas suas reais condições, de forma a equilibrar as balizas legais.
Ressalta-se que a recorrida alegou em sua contraminuta que o agravante trabalha informalmente em uma fazenda, como produtor rural, contudo, não trouxe aos autos nenhuma prova capaz de demonstrar a veracidade dos fatos, necessitando de realizar uma cognição exauriente.
Assim, restando devidamente contextualizado o quadro fático com a moldura probatória até aqui produzida pelo agravante, a fim de demonstrar sua real situação financeira, imperativo se torna a redução do percentual fixado título de Alimentos Provisórios para 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo, correspondente ao valor de R$ 303,00 (trezentos e três reais).
Apelação Cível 1.0000.19.097852-8/002
5001492-53.2019.8.13.0384 (1)
Relator(a): Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues
Data de Julgamento: 30/06/2022
Data da publicação da súmula: 05/07/2022
Ementa:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DIVÓRCIO C/C ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS - PENSIONAMENTO DEVIDO AO FILHO MENOR - FIXAÇÃO - TRINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE-PROPORCIONALIDADE - OBEDIÊNCIA - PARTILHA DO PRODUTO DA VENDA DE UM BEM ALIENADO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - DESCABIMENTO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O PRODUTO DA VENDA NÃO TENHA TIDO REVERTIDO EM PROVEITO DO CASAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
- O artigo 1.694 do Código Civil dispõe que "podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação" bem como que os mesmos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, ficando ao critério do juiz arbitrar o valor da pensão alimentícia, atendidas as circunstâncias do caso concreto.
- Na hipótese em análise, considerando que cabe a ambos os genitores o dever de sustento de seu filho menor, o qual não possui despesas extraordinárias, tem-se que o pensionamento deve ser fixado em 35% (trinta e cinco por cento) do salário mínimo, valor este que melhor observa o trinômio alimentar, principalmente levando-se em consideração os valores recebidos pelo alimentante devidamente comprovados nos autos.
- Descabe falar em partilha do produto da venda de bem alienado durante a constância do casamento, pois incide a presunção de que tal valor foi revertido em proveito do casal. Cabe a parte interessada afastar essa presunção, o que não ocorreu no caso específico dos autos.
Não há, ainda, como não pensar que o estabelecimento do salário mínimo vigente como critério pode prejudicar a fixação de alimentos, já que havendo vínculo empregatício o mais benéfico e justo está em aplicar a fixação de percentual sobre os rendimentos líquidos do alimentante, pois poderá haver variação do valor para maior com a incidência de verbas. Assim, também segue o posicionamento jurisprudencial:
Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.040650-8/001 0406516-65.2022.8.13.0000 (1)
Relator(a): Des.(a) Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado)
Data de Julgamento: 14/07/2022
Data da publicação da súmula: 18/07/2022
Ementa:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE ALIMENTOS - TUTELA PROVISÓRIA - TRINÔMIO POSSIBILIDADE/NECESSIDADE/PRPORCIONALIDADE - CAPACIDADE DO GENITOR E NECESSIDADES DA MENOR - BASE DE CÁLCULO DA PENSÃO - ALTERAÇÃO - ADEQUAÇÃO DA VERBA AO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA - NECESSIDADE - MAJORAÇÃO PARCIAL.
Nos termos do art. 1.694, §1º, do Código Civil, a fixação de alimentos deve adequar-se ao trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade, procedendo-se com a análise das reais necessidades daquele que os recebe, apurando-se a efetiva condição financeira daquele os presta.
Verificando-se que a utilização do salário mínimo como base de cálculo da pensão não é o melhor critério que atenda aos interesses da criança, necessária a alteração para que os alimentos sejam fixados em percentual sobre rendimentos do alimentante, adequando-os às reais possibilidades demonstradas pelos genitores, a fim de que pais e filhos desfrutem da mesma qualidade de vida.
Recurso parcialmente provido.
REsp 1098585 / SP
RECURSO ESPECIAL2008/0210267-3
RELATOR Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO (1140)
ÓRGÃO JULGADOR T4 - QUARTA TURMA
DATA DO JULGAMENTO 25/06/2013
DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 29/08/2013
RIOBDF vol. 80 p. 164
EMENTA
DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. BASE DE CÁLCULO. PERCENTUAL FIXADO SOBRE OS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DO DEVEDOR. HORAS EXTRAS. INCIDÊNCIA.
1. O valor recebido pelo alimentante a título de horas extras, mesmo que não habituais, embora não ostente caráter salarial para efeitos de apuração de outros benefícios trabalhistas, é verba de natureza remuneratória e integra a base de cálculo para a incidência dos alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos do devedor.
2. Recurso não provido.
(...)
O valor recebido pelo alimentante a título de horas extras, mesmo que não habituais, integra a base de cálculo para a incidência dos alimentos fixados em percentual sobre os rendimentos líquidos do devedor. É que, segundo a jurisprudência do STJ, o caráter episódico do recebimento das horas-extras não é motivo suficiente a afastar a sua composição da base de cálculo dos alimentos devidos, na qual se incluem outras verbas também episódicas, como o décimo terceiro salário e o terço das férias remuneradas
(...)
Isso porque o fundamento legal para a fixação dos alimentos leva em consideração o binômio necessidade-possibilidade. Assim, se houver um acréscimo nas possibilidades alimentares do devedor, ainda que de forma sazonal, o alimentado também deve perceber algum incremento em sua pensão, mesmo que transitório, levando-se em conta, obviamente, a satisfação de suas necessidades.
Por conseguinte, não há como não mencionar a situação atual de miserabilidade no Brasil. De acordo com a “folha de São Paulo” (2022), pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada aponta que atualmente trinta e três milhões de pessoas passam fome no Brasil. Essa situação leva ao questionamento de que o estabelecimento de piso mínimo para pensão alimentícia poderá ser a previsão legal de provável obrigação impossível de ser cumprida. Assim, tem-se que a proposta em questão não reflete a realidade das famílias brasileiras.
4 Conclusão
É eminente que trata-se de uma situação que pode garantir a dignidade de uma pessoa (alimentado) ou ainda prejudicá-la e que também pode tirar a dignidade de uma outra pessoa (alimentante).
Sabe-se que a dignidade humana é o princípio norteador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, base da Constituição Federal. A dignidade humana remete ao mínimo existencial de qualquer pessoa. Diz a CF/88:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
O alimentante e o alimentado têm igualmente o direito à dignidade humana. É pensando nas peculiaridades e na proporção entre necessidade e recursos indicada por lei que do estabelecimento de piso mínimo para pensão alimentícia infere-se possível prejuízo e possibilidade de determinação de obrigação impossível de ser cumprida.
Como já mencionado neste trabalho, existe o tratamento da matéria, posicionamento jurisprudencial no sentido de que quando do direito a alimentos o mesmo deve se pautar na proporção da necessidade de quem o pleiteia e no recurso de quem estará obrigado. Tem-se que a fundamentação está em equilibrar o direito de um e de outro, pois tanto o alimentado, quanto o alimentante precisam de garantias ao seu sustento, havendo peculiaridades a serem analisadas caso a caso.
Deste modo, à luz da Constituição Federal, não mostra-se coerente o estabelecimento de piso mínimo para pensão alimentícia.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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TJMG. Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.040650-8/001. Disponível em: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=1&totalLinhas=145&paginaNumero=1&linhasPorPagina=1&palavras=alimentos%20trinomio%20salario%20minimo&pesquisarPor=ementa&orderByData=2&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&
[1] Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade Metodista Granbery, pós graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Única do Grupo Pró Minas, janainabainadacunha@gmail.com.br
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