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O papel da mulher na sociedade
Entre o mês de maio e junho do corrente ano aconteceram uma série de fatos que me fizeram refletir bastante sobre o papel da mulher na sociedade . ?No mês de maio o IBDFAM/ES promoveu um evento on-line tratando sobre a Maternidade Compulsória, ou seja, o direito de não ser mãe.
Dia 01/06/22 a OAB/ES lançou no Estado a campanha “advocacia sem assédio”, em adesão à campanha da OAB Nacional, tema de grande importância para as mulheres advogadas.
Na sequência fui convocada a presidir a reunião mensal da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/ES, no dia 03/06 e convidei a minha colega Solange Rosário que havia abordado a questão da adoção anteriormente no IBDFAM/ES, para falarmos novamente sobre esse tema tão delicado e tão importante de ser tratado pela sociedade e na palestra foi levantada a questão da falta de informação das mulheres, de um modo geral, de como entregar o filho para a adoção quando não desejam ficar com os bebês, bem como da falta de informações dos próprios médicos e enfermeiros dos procedimentos a serem adotados nesses casos e da necessidade de se fazer uma ampla divulgação de como isso deve ser feito para que os recém nascidos não demorem tanto tempo para ser acolhidos pelas famílias que esperam anos e anos na fila para adotar um bebê.
Seguindo ainda a mesma temática , a Dra. Solange promoveu outro evento on-line no dia 21/06, com o Professor Cristiano Chaves de Farias, cujo assunto era a “devolução “ dos filhos adotados. Nesse evento, eu me lembrei de um Congresso do IBDFAM Nacional, realizado em outubro de 2017, onde o mesmo professor falou sobre a polêmica que envolve a legalização do aborto. Ao iniciar aquela palestra ele dizia que não pretendia entrar em nenhuma discussão pragmática ou ideológica, mas apenas que pudéssemos pensar sobre as questões que envolvem o aborto e ainda exercitar o mais pleno exercício da democracia que era debater sobre o tema. E eu, presente naquele congresso, assisti atentamente àquela palestra e confesso que mudei meu pensamento e as minhas concepções. Eu tive oportunidade de dizer ao professor Cristiano, posteriormente, o quanto esses congressos do IBDFAM eram importantes para a minha formação, o quanto abriam a minha cabeça, como se eu tomasse uma machadada, notadamente pela visão de respeito ao outro, em temas que jamais eu pensei como as relações simultâneas, poliamorismo, relações homoafetivas e sobre o aborto . Eu saí de lá com a certeza de que o aborto deve ser legalizado. Não por questões pessoais, porque no meu ponto de vista religioso eu não faria um aborto, mas por ter certeza que outras mulheres abortam, principalmente porque ninguém precisa ter a mesma crença e fé que eu ou sequer acreditarem em Deus, e ainda porque ao abortarem as mulheres que não têm recursos financeiros são as que morrem. E não adianta padres, pastores ou outros líderes religiosos se manifestarem para impedir isso, pois eles não serão consultados nesse momento e esse aborto acontecerá e mulheres pobres que se valem de clínicas sem qualquer recurso morrem.
Mais recentemente, o evento do IBDFAM em Gramado, dos dias 23 e 24/06 (adiado há 2 anos por causa da pandemia) ocorreu concomitantemente ?com dois fatos relevantes no país e que deu grande repercussão: 1) a menina de 11 anos grávida que tinha o DIREITO de abortar e estava sendo massacrada a desistir por membros do próprio judiciário ; 2) a atriz que foi estuprada, teve o filho e o entregou para a adoção.
Duas hipóteses absolutamente legais que foram motivo de tantos comentários distorcidos que só me levam a uma conclusão: como a mulher é tratada como um objeto!!! E quando eu vejo outras mulheres engrossando esse coro de repúdio a essas duas hipóteses legais, eu fico perplexa!!!
Com muita propriedade, minha amiga poetisa Bebel Barbalho (@escrevendo.c.alma) escreveu:
“Somos mulheres e não bonecas
Com a boneca fazem o que querem
Vestem da melhor ou da pior maneira…
(…)
Nos fazem de bonecas
Usam a nossa condição de mulher
E nos fazem de bonecas”.
Fiquei impactada com essas palavras e infelizmente percebo que é uma realidade.
Isso porque nos dois casos acima citados, como já dito, dentro de contexto totalmente previsto na legislação brasileira, as protagonistas foram massacradas, como se não tivessem vontade ou fossem obrigadas a gerar ou criar filhos sem ter a melhor condição para tanto. Ambas foram vistas como mulheres sem sentimento, ou seja, bonecas.
Novamente as mídias divulgaram uma outra cena em que as mulheres foram vítimas de assédio pelo presidente da Caixa e novamente “nós, bonecas” , fomos criticadas por nos vestirmos dessa ou daquela forma ou por termos corpos que são passíveis de seduzir.
Penso que não só estamos vivendo um retrocesso social e me pergunto se alguma dessas mulheres que julgam, que apontam as outras mulheres, que acham que a maternidade é compulsória estão sabendo sair do seu lugar de boneca que lhe foi imposto pela sociedade e exercendo a empatia?
Custo a crer que a humanidade esteja caminhando, ao contrário do que pensou Lulu Santos, “com passos de formiga e sem vontade”, na verdade parece que esses passos tem sido dado para trás, num verdadeiro retrocesso social.
Voltando à questão inicial que envolve a adoção, importante destacar ainda, que há nos orfanatos um número grande de crianças invisíveis! Crianças que possuem alguma deficiência física ou mental que não são desejadas à adoção.
O que os defensores da moralidade, dos bons costumes, da obrigatoriedade de se gerar um filho estão fazendo por essas crianças invisíveis?
Não seriam essas crianças merecedoras de viver num aconchego de um lar, num modelo de “família tradicional brasileira”? O direito de nascer do bebê da menina de 11 anos para ser colocada à adoção seria defendido caso houvesse uma deformidade física ou a deficiência mental? Os donos da moralidade e do direito à vida adotariam a criança com deformidade? Como se explica então essas crianças nos orfanatos esquecidas pelas famílias que anseiam um filho?
Por que o bebê da criança de 11 anos poderia ser entregue à adoção ao invés de ser abortado e o bebê da atriz que foi estuprada não poderia, se ambas foram vítimas do mesmo crime (estupro)?
Levantei aqui 4 questões que envolvem a mulher: estupro, aborto, maternidade compulsória e assédio.
Quando esses temas são tão polemizados na sociedade em pleno século XXI, não há como questionar se isso não é uma das causas dos altos números de violência contra a mulher, seja física ou patrimonial, que não tem voz e que quando resolve sair da condição de boneca e ganha vida, voz e passa a ter vontade própria é agredida, novamente calada, perde a voz e a vida pois só interessa à sociedade conservadora e machista a mulher na condição de boneca.
Não é demais deixar aqui outro questionamento, o que a sociedade moralista tem feito para dar suporte às vitimas de estupro? Você se responsabilizaria pelo tratamento psicológico ou daria amparo à essa criança que se viu grávida aos 11 anos de idade?
Por muito menos, vemos crescer o número de suicídio de adolescentes em escala assustadora. Aliás, não só de adolescentes, a sociedade se mostra cada vez mais adoecida e suicida. O que estamos fazendo para reparar isso?
Na cidade de Vitória, há um grande número de suicídio na ponte que liga a Capital à Cidade de Vila Velha/ES. O que se houve quando isso o ocorre em horário de expediente, atrapalhando o trânsito é um horrível coro: “pula logo e libera o trânsito”. Ou seja, se por um lado há um coro de defensores da vida e da moralidade, em outro momento vemos essas pessoas incapazes de enxergar os reais problemas da sociedade e defender o direito à vida. Vale lembrar que induzir ao suicídio é uma das hipóteses de crime contra à vida, previsto no Código Penal.
E quando ouvimos das próprias mulheres que assédios existem porque a mulher se insinua com roupas inadequadas, eu me pergunto: quando é que você, mulher, assediou um homem por ter visto ele de sunga na praia com o seu abdômen “tanquinho “.
Infelizmente tudo isso advém de um machismo enraizado que deve ser combatido, inclusive pelas mulheres que se revestem de um moralismo sem empatia, para que outras mulheres não morram, seja por violência, seja por abortos ilegais. Que possamos valorizar o feminismo, sem ter efetivamente que deixarmos de nos enfeitar (caso assim desejarmos), sem ter que morrer, sem ter que apanhar. Que nós mulheres, possamos usar as leis em nosso benefício de maneira consciente e sem abusos.
Que possamos respeitar as opiniões diversas das nossas seja em relação à maternidade, o direito de não ser mãe e ainda o direito de dispor sobre a gravidez indesejada, com a coragem necessária de admitir que não tem condições de exercer a maternidade, advinda de um estupro. Voltando novamente à poesia da minha amiga Bebel, que diz:
“Ei menina… você é tão bela…
Quem disse que na vida você precisa ser Cinderela?
Ei, menina, você é amada…
Quem foi que disse que você tem que se anular para ser observada?”
Na espera de que essas reflexões possam ser analisadas por outras mulheres, escrevi esse texto. Não se trata de um artigo jurídico, apenas de um desejo de escrever o que penso, na certeza de que debater a questão da mulher é urgente e preciso.
ANA PAULA PROTZNER MORBECK
Advogada familiarista, pós graduada em Direito Civil e Processo Civil, membro da diretoria do IBDFAM/ES, vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/ES, sócia integrante do escritório BASTOS MENDONÇA & TOVAR ADVOGADOS ASSOCIADOS
Os artigos assinados aqui publicados são inteiramente de responsabilidade de seus autores e não expressam posicionamento institucional do IBDFAM