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Distorção de conceito
Em recente entrevista coletiva, o Ministro Edson Vidigal, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, defendeu o uso da mediação e da conciliação como um dos meios possíveis de desafogar o Poder Judiciário e garantir maior celeridade no julgamento das ações. O Ministro Vidigal sugeriu, ainda, para este tema, "a ampliação do trabalho dos juízes de paz, responsáveis pelas celebrações de casamentos, para melhorar o funcionamento da Justiça".
Estas assertivas merecem ser, criteriosamente, analisadas, posto que contém aspectos que devem ser evidenciados para que sejam afastados, definitivamente, desta temática, e outros que devem ser exaltados, pela qualidade construtiva do conceito de mediação. Aproveitam-se, assim, tais assertivas, como oportunidade de aprimoramento deste conhecimento que serve de ferramenta a favor da humanização do Direito.
Primeiramente, é de se salientar a importância da declaração supra referida na qual há o reconhecimento da mediação como meio de acesso à justiça, distinto da conciliação, já que mencionados com a conjunção aditiva "e", representando um ganho para a construção do conceito de mediação, com método e linguagem autônomos. Portanto, já se extrai desta observação que há distinção entre mediação e conciliação.
A assertiva de que mediação se presta a "desafogar o Poder Judiciário", representa um desserviço, afastando a compreensão do objeto de estudo de significativa produção doutrinária. O conhecimento sedimentado da mediação não permite mais que se trate o tema com esta desconsideração teórica, afinal este conhecimento já se agrega ao Direito pátrio de forma definitiva. A mediação não se presta a esta função reducionista de "desafogar o Judiciário", posto que se trata de um conhecimento ampliado pela interdisciplinaridade, capaz de concretizar a principiologia fundamental para a interpretação das normas jurídicas, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do livre desenvolvimento da personalidade. Saliente-se que esta construção teórica hoje é reconhecida pela Comunidade Européia como princípio da mediação.
Resta analisar a sugestão proposta pelo Ministro Vidigal, consistente em "ampliação do trabalho dos juízes de paz, responsáveis pelas celebrações de casamentos, para melhorar o funcionamento da Justiça". Seguramente, pode-se interpretar que a idéia é a de atribuir a função de mediação e conciliação aos juizes de paz, cuja atribuição, em alguns Estados, é a de celebrar casamento. Esta função não requer qualquer habilitação especial, dependendo apenas de nomeação pelo Oficial Maior do Cartório de Notas. Esta idéia já foi objeto de ensaio, no Estado de São Paulo, onde os juizes de paz receberam apenas informações - e não formação - a respeito de mediação. O objetivo era que estes juizes de paz se dispusessem a assumir, em caráter de voluntariado, a função de mediador, nos projetos instalados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
A crítica que se tece a respeito desta sugestão está atrelada à falta de reconhecimento de que para ser mediador é preciso ter uma formação para esta função, exigindo estudos de natureza interdisciplinar, que ampliam significativamente os conhecimentos advindos da profissão de origem. Um profissional de formação jurídica, por exemplo, não está pronto para ser mediador, logo, um "juiz de paz", do qual não se exige qualquer formação profissional, mas apenas que seja um cidadão de reputação ilibada, não pode receber a atribuição da função de mediador.
A mediação não desafoga o Poder Judiciário, mas pode colaborar para não afogá-lo, o que é diametralmente diferente. Mediação depende do aprendizado de um comportamento ético capaz de dar suporte para que aqueles que buscam o Judiciário por falta de alternativa, passem a encontrar nesta via um acesso à justiça equivalente, porém, no qual se fala uma outra linguagem.
Será um grande serviço falar sobre a mediação, desde que anuncie que se trata de um conhecimento ainda em construção.
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